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O futuro das bolsas

Em 1998, até agosto, 21.455 bolsas foram concedidas a pesquisadores científicos do Estado de São Paulo. Desse número, 31% foram financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), 27% pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e 42% pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nos últimos três anos, o número de concessões de bolsas pela FAPESP saltou de 3.496, em 1996, para 6.563 em 1998, o que representa o expressivo índice de 88%.

Esse crescimento espantoso – ao lado das concessões federais – assegurou o pleno atendimento da demanda paulista por aquele tipo de apoio. A Fundação, entretanto, atingiu seu limite e deverá manter estável sua atual capacidade de concessão de bolsas. A dúvida agora é: como serão absorvidos em 1999 os novos candidatos às bolsas oferecidas pelas agências federais, se a contenção de gastos públicos anunciada pelo Governo Federal vier a afetar o Sistema Nacional de C&T.

Desde que foram divulgadas, as medidas para redução de despesas na área de Ciência e Tecnologia causaram ampla reação da comunidade científica e dos meios acadêmicos. Há uma preocupação de que o corte previsto no orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para o ajuste fiscal possa provocar uma redução no número de bolsas oferecidas para a formação de recursos humanos em pesquisa científica e tecnológica, o que tornaria ainda mais remota uma ânsia de competitividade internacional no setor e desencadeando uma série de reflexos negativos para as universidades e institutos de pesquisa de vários Estados.

Com a mais importante produção da América Latina e situado entre os vinte maiores produtores de ciência no mundo, o Brasil não pode correr o risco de retroceder em suas conquistas. Caso ocorresse uma redução significativa de recursos, pesquisas em andamento poderiam ser interrompidas ou teriam seu ritmo seu ritmo de trabalho reduzido, comprometendo a capacitação e a articulação de grupos formados ao longo dos últimos anos e a formação de novos pesquisadores.

De qualquer sorte, a crise econômica demanda uma visão estratégica na aplicação dos recursos disponíveis. O plano de equilíbrio das contas nacionais – que começa a se esboçar com reforma aprovada para o sistema de Previdência e promete enxugar gastos em todas as áreas de Governo – é interpretado pelos planejadores da área econômica como um período transitório de ajuste, necessário para a conquista de novos patamares de desenvolvimento.Temporária, de acordo com a portaria 328/98 do CNPq, também seria a suspensão das concessões de apoio hoje oferecidas pelo CNPq, ligado ao MCT, e pela Capes, ligada ao Ministério da Educação.

O Governo garante que as bolsas já concedidas serão preservadas. Em nota divulgada pela presidência do CNPq, em 15 de outubro, a agência informou que “diante da indisponibilidade de recursos para despesas operacionais e da indefinição orçamentária para o ano de 1999, resolve adiar para a última semana de fevereiro a reunião que seria realizada este mês pelos comitês de assessoramento que apreciam as solicitações desse e de outros tipos de auxílio”.

Em suspenso também está a situação para os candidatos a bolsas da Capes, que, da mesma forma, garante a manutenção das cotas de financiamento concedidas este ano. Aparentemente nada muda, exceto se os alunos que terminam seus mestrados e doutorados não forem substituídos por novos bolsistas.

A situação de São Paulo
Como se apresenta no momento, o cenário brasileiro na área de C&T permite muita especulação e poucas conclusões sobre o futuro próximo. A julgar pela evolução das concessões de bolsas para o Estado de São Paulo nos últimos quatro anos, uma redução desse número, nas cinco modalidades do CNPq (iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado e recém-doutor), representaria o rompimento de um ritmo estável, com pequenas oscilações anuais.

A Capes, por sua vez, mostra maiores variações mas assinala, através de sua Diretoria de Programas, que o suposto corte de 969 bolsas de mestrado e doutorado (únicos níveis que atende) para pesquisadores paulistas, de 1997 para 1998, se deveu à não utilização desses auxílios. Nessas duas modalidades, desde 1996, o que se verifica nas principais agências federais é que o número de bolsas para São Paulo só mostrou variações positivas em 1997, com exceção da área de mestrado do CNPq. Não há, entretanto, sinais de recuperação para o fechamento deste ano, com base nas previsões divulgadas.

Por outro lado, se forem consideradas as bolsas efetivamente concedidas ao longo dos últimos quatro anos, a FAPESP mostra um crescimento significativo em todas as modalidades, e, como pretende manter o equilíbrio com os recursos para pesquisas, não tem condições de absorver uma eventual demanda excedente. Já foi atingido o limite estabelecido pelo Conselho Superior da Fundação de destinar, no máximo, 25% do orçamento a bolsas, não sendo possível avançar além dos R$ 105 milhões investidos em 1998.

O aumento dos investimentos nesse período se deu segundo índices que variaram em 38% a 58%, diz o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. “Desde 1995, o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo cresceu muito. Esse aumento não vem sendo acompanhado pela elevação no número de bolsas concedidas pelas agências federais. Por essa razão tivemos esse crescimento explosivo na FAPESP”.

A manutenção das bolsas dentro do limite orçamentário previsto pelo Conselho Superior da Fundação é importante para que se possa assegurar o apoio necessário às outras formas de fomento à pesquisa, particularmente os auxílios, nos programas regulares e especiais, que é o que garante a continuidade e o desenvolvimento científico e tecnológico e, em última análise, acabam criando oportunidades de continuidade para os bolsistas que concluem diferentes etapas de sua formação acadêmica. “O Sistema de Pesquisa precisa oferecer financiamento a bons projetos para que os laboratórios continuem funcionando”, observa José Fernando Perez.

“O país não terá uma boa Biotecnologia, por exemplo, se não houver cientistas brasileiros competentes, que dominem a moderna genética molecular. E não seria lógico recuar no processo de fortalecimento da estrutura que capacita nossos pesquisadores para o desenvolvimento de projetos cada vez mais ambiciosos. Além disso, financiar a formação desses profissionais no Exterior seria muito mais caro”, explica. “A manutenção desses investimentos tem papel estratégico para a competitividade do setor industrial. Os programas de parceria para inovação tecnológica demonstram que a sociedade pode se beneficiar diretamente da pesquisa científica. Os responsáveis pela política econômica devem perceber isso.”

Mas José Fernando Perez faz questão de ressaltar, também, a importância da manutenção das concessões de bolsas. “A continuidade do programa de bolsas é essencial para que a formação dos recursos humanos possa continuar”. Quanto ao contingenciamento na concessão de bolsas pelas agências federais, o diretor científico da FAPESP destaca que o próprio Governo Federal deve buscar mecanismos de estímulo e pressão junto aos diversos Estados para garantir investimentos em seus sistemas através de Fundações de Amparo à Pesquisa. Essa seria uma forma concreta de garantir a contrapartida aos investimentos que realiza.

Parâmetros
Comparado ao dos países desenvolvidos, o Sistema Brasileiro de Ciência e Tecnologia mostra que ainda carece de uma definição na área política para aumentar sua contribuição na formação de mão-de-obra qualificada. As relações entre o Produto Interno Bruto (PIB), população e número de pesquisadores, internacionalmente entendidas como indicador de desenvolvimento – porque revelam a capacidade de desenvolver tecnologias e o nível de relações com o ambiente empresarial – comprovam a necessidade de uma orientação mais consistente e permanente.

De acordo com dados de 1995 do documento Análise Comparativa entre Indicadores Mundiais de C&T e Indicadores de São Paulo e do Brasil, a ser em breve editado pela FAPESP, enquanto o Brasil ostentava um PIB de US$ 749 milhões e o índice de um pesquisador para 2.237 habitantes, os Estados Unidos tinham um pesquisador para 273 habitantes e PIB de US$ 7,4 bilhões e a França, um para cada 184 habitantes e PIB de US$ 1,5 bilhão. No mesmo ano, esses países investiram, respectivamente, US$ 4,6 milhões, US$ 156,6 milhões e US$ 24,2 milhões, ou seja, o Brasil gastou 0,6%, os Estados Unidos, 2,12%, e a França, 1,62%, de seus respectivos PIBs, em Pesquisa e Desenvolvimento. O número de bolsas outorgadas, em 1995, foi de 79.739 no Brasil e 6.088 na França e a participação governamental no dispêndio brasileiro em P&D era ao passo que nos Estados Unidos não passou de 34% e, na França, 42%.

Dados da National Science Foundation (NSF) mostram que a fração da força de trabalho composta por cientistas e engenheiros em países desenvolvidos está muito acima da que se constata no Brasil. Enquanto o índice brasileiro é de 0,14%, nos Estados Unidos 0,49% dos trabalhadores atuam em P&D e 0,52%, na França.

Perspectivas
Diante do impasse gerado pela necessidade de expansão do Sistema de C&T e pela restrição no item fomento imposta pela versão mais recente do orçamento do MCT enviado ao Congresso, novas alternativas para a preservação do vigor da pesquisa científica precisam ser buscadas.

Em São Paulo, a FAPESP tem mantido seus investimentos em pesquisa e, refletindo o que acontece no Sistema Paulista de C&T, atravessa um momento de colher os frutos semeados em trinta anos de implantação da pós-graduação. A sociedade começa a perceber que o retorno desse investimentos em pesquisa e, refletindo o que acontece no Sistema Paulista de C&T, atravessa um momento de colher os frutos semeados em trinta anos de implantação da pós-graduação.

A sociedade começa a perceber que o retorno desse investimento é real e exemplos não faltam. O Programa Genoma mostra que é possível dar saltos qualitativos em termos de obter massa crítica e resultados, revelando o papel estratégico da atividade científica para a competitividade do setor industrial brasileiro.

Comunidade científica reage a cortes
Desde outubro, quando foi anunciado o contingenciamento das verbas orçamentárias do Ministério da Ciência e Tecnologia, a comunidade científica tem se manifestado com o objetivo de alertar a sociedade para os possíveis prejuízos que o ajuste fiscal poderá trazer para a pesquisa brasileira.

No final de outubro foi divulgado um manifesto firmado entre pelo menos trinta sociedades e instituições científicas de diversas áreas, defendendo a continuidade do apoio público à C&T. Na mesma semana, as Associações de Pós-Graduandos da Universidade Federal de Pernambuco, da USP de São Carlos e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (em conjunto com a Associação Nacional de Pós-Graduandos), divulgaram a nota “Na contramão da modernidade”.

A SBPC aprovou, em sua reunião especial realizada no final de outubro no Paraná, a “Carta de Maringá à Nação Brasileira, ao Presidente da República, Deputados Estaduais e Federais e Senadores”. Nessa mensagem, os signatários afirmam que os cortes lineares do Governo “são um golpe de misericórdia na sistema nacional de C&T, base fundamental para a inovação do conhecimento e de uma indústria e de uma agricultura internacionalmente competitivas”. Algumas conseqüências atingiriam principalmente universidades e institutos de pesquisa dos Estados que não possuem Fundações de Amparo à Pesquisa capazes de suprir as perdas decorrentes.

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) manifestou, durante reunião realizada em 30 de outubro, “sua profunda preocupação com a situação econômico-financeira do País e com as implicações políticas das medidas que estão sendo tomadas”. Para a Anpocs, “a interrupção do fluxo de recursos para a área de Ciência, ainda que provisória, trará prejuízos irreparáveis … que atingem o projeto nacional de desenvolvimento e os esforços para superar a presente crise”.

Reitores de universidades, líderes empresariais e dirigentes das mais destacadas instituições de pesquisa e de ensino superior, através do Instituto Uniemp, que se dedica a estimular as relações universidade-empresas, expressaram sua preocupação com as medidas que, embora necessárias neste momento, podem “colocar em risco as crescentes, porém ainda frágeis relações entre o parque científico-tecnológico maduro das universidades públicas e a incipiente e essencial capacidade de P&D das empresas”.

Alarmados com o ajuste na área de C&T, outras entidades representativas, conselhos universitários e reitores de mais nove universidades brasileiras decidiram entregar documentos solicitando a preservação do fomento para a área científica. Reitores das principais universidades do País avaliam ser impossível manter ensino, pesquisa e extensão com os cortes anunciados, e afirmaram que a redução nas verbas coloca mais uma vez em pauta a discussão da autonomia universitária, hoje restrita às universidades estaduais paulistas: Usp, Unesp e Unicamp.

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