O GRITO - EDVARD MUNICHVer um bebê dormindo ou um rosto feliz, que transmita paz, pode provocar relaxamento físico ou despertar o desejo de aproximação. Inversamente, imagens de mortos ou de corpos feridos causam tensão e acionam reações de defesa, como se estivéssemos diante de um perigo iminente, de acordo com um estudo coordenado pela neurobióloga Eliane Volchan, professora do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Eliane e seu grupo chegaram a conclusões como essas após realizar um experimento no qual 48 homens observavam 72 imagens divididas em três categorias: a primeira era das cenas positivas, com pessoas nadando, correndo, jogando bola ou praticando esportes de modo geral; a outra era das neutras, com fotos de objetos inanimados como um telefone, um hidrante ou uma batedeira de bolo; e a terceira eram das imagens negativas, com corpos de pessoas sem braços ou pernas, mortas ou com ferimentos graves. Os participantes desse estudo permaneciam em pé, com os pés juntos e descalços e os braços estirados ao longo do corpo, sobre uma base metálica, chamada plataforma de força. Esse dispositivo, semelhante a uma balança, registra as oscilações do corpo diante das imagens, exibidas sucessivamente por três segundos na tela de um computador, sem nenhum intervalo entre elas.
Neste trabalho, realizado por Tatiana Azevedo sob a orientação de Eliane, em conjunto com pesquisadores do Instituto de Biofísica e da Escola de Educação Física da UFRJ, os sutis movimentos do corpo registrados pela plataforma, somados à variação da freqüência dos batimentos cardíacos, revelaram as mudanças na postura corporal causadas pelos três grupos de imagens. Entre os resultados, publicados em maio na revista Psychophysiology, o que mais chama a atenção é que as cenas de desastres ou de mutilações provocaram imobilidade: diante delas os observadores oscilavam menos para os lados do que quando estavam em frente das imagens neutras ou prazerosas. Registrou-se também aumento da tensão muscular – o chamado freezing ou congelamento, já investigado em roedores e agora confirmado em seres humanos. “O período de imobilidade e tensão é caracterizado pelo aumento de atenção e de vigilância e pela redução da freqüência de batimentos cardíacos, como se o observador se sentisse diante de um perigo iminente”, comenta Eliane.
Instinto de sobrevivência
“Nós e outros animais temos uma reação de congelamento diante de ameaças distantes ou ainda não concretas”, diz ela. Trata-se de uma resposta adaptativa: diante de um predador que ainda não detectou a presa, a melhor coisa a fazer, se fôssemos a presa, é ficar imóvel e não chamar a atenção. Segundo a pesquisadora, a visualização de fotos em laboratório poderia corresponder a esse contexto, por causar a impressão de que o perigo está ali, mas não é concreto. “Se o perigo se tornar concreto, provavelmente ocorrerá uma ação, como os movimentos de fuga, e a aceleração dos batimentos cardíacos”, diz ela. “Ambas as reações, de congelamento e de fuga, fazem parte do nosso repertório ancestral de defesa, assim como do de outros animais”.
Outros estudos já haviam indicado que a apresentação de imagens de corpos feridos ou incompletos aumenta a liberação de hormônios como o cortisol e o reflexo de sobressalto – o susto. O cérebro humano parece ter preservado mecanismos ancestrais de defesa, que são acionados por situações específicas, mas essas respostas variam entre as pessoas. Nesse experimento nem todos os observadores das imagens negativas mostraram plenamente as reações típicas de congelamento, que aparentemente dependem da habilidade de cada pessoa em lidar com os estímulos desagradáveis. Por meio de outro estudo, publicado em março do ano passado no Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Mirtes Garcia Pereira, atualmente na Universidade Federal Fluminense (UFF), Eliane e outros pesquisadores da UFRJ e da UFF já haviam verificado que as pessoas tornam-se mais lentas para detectar um círculo de luz depois de expostas a fotos de corpos mutilados.
O medo represado
Com estudos como esses, Eliane e outro grupo com que trabalha em conjunto, coordenado por Ivan Figueira, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, estão particularmente interessados em conhecer melhor a variabilidade das respostas emocionais das pessoas em situações mais dramáticas, como o transtorno do estresse pós-traumático. Sabe-se que alguém que viveu uma situação aterrorizante envolvendo risco de morte, como um assalto, um acidente ou um estupro, pode ter dificuldade para livrar-se do medo ou das recordações que podem vir à tona com uma conversa ou um filme na televisão. A memória da situação traumática pode levar ao descontrole emocional, mas ainda não se sabe como exatamente a memória pode ser acionada nem quais as melhores alternativas para combater esse problema.
Em uma linha de trabalho complementar, a equipe de Eliane chegou a outras conclusões interessantes sobre as mudanças na postura do corpo em situações que sinalizem segurança. Uma das pesquisadoras desse grupo, Lívia Facchinetti, sob a co-orientação de Claudia Vargas, do Instituto de Biofísica e uma das co-autoras desse estudo, verificou que a exposição de fotos agradáveis de bebês e de famílias mudou a postura corporal de um modo que surpreendeu os pesquisadores: o centro de gravidade do corpo deslocou-se um pouco para trás, indicando que as pessoas se afastaram ligeiramente. “Ainda que tensos, esses pequeníssimos mas significativos movimentos registram a predisposição para trazer algo ou alguém para perto”, diz Eliane. Ela e outros especialistas em reações orgânicas causadas por imagens estão chegando à conclusão de que os seres humanos e mesmo outros animais vasculham constantemente o ambiente à procura de sinais de perigo ou de segurança. “A detecção de pistas de ameaça ativa o sistema defensivo”, diz ela, “enquanto a detecção de pistas de segurança promove as interações sociais”.
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