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Resenha

O largo percurso de uma criadora

Acasos e criação artística | Fayga Ostrower | Editora da Unicamp, 398 páginas, R$ 76,00

Os esforços do Instituto Fayga Ostrower e da Editora da Unicamp colocam em nossas mãos a mais recente edição de uma obra relevante, quando o assunto é a criação artística. Importante referência para diversos cursos de graduação e pós-graduação em artes, o livro Acasos e criação artística, projeto de fôlego de Fayga Ostrower, apresenta um panorama de largo espectro, dentro do qual a percepção e os conteúdos expressivos são a tônica dominante do texto.

O projeto da obra apresentado pela autora, pensado como um exercício crítico, solicita ao atento leitor que acompanhe, página a página, uma série de perguntas fundamentais para a convivência com a problemática da percepção e da vida das formas no mundo que nos cerca.

Da trajetória de Fayga Ostrower (1920-2001), artista polonesa radicada no Brasil desde a década de 1930 e potente educadora, percebe-se a vocação de uma criadora interessada em situações em que os acasos são presença constante para a compreensão de noções que movem a criação artística.

Desde a reunião de um conjunto de temas instigantes como inspiração e individualidade, formas e expressividade ou ainda criação e estilo, a autora retoma questões que se acomodam em um criterioso arranjo analítico, com um convite à leitura de situações do cotidiano.

Percorrendo a história da arte, os estudos da Gestalt, entre outros territórios de investigação, por meio de cuidadosa análise de situações que validam os acasos como faces de um “diálogo com a nossa consciência através da sensibilidade”, a autora demonstra ser possível centrar esforços, apesar das dificuldades inerentes ao contexto da vida contemporânea, no “senso do extraordinário e incomum dentro do perfeitamente comum e ordinário”.

De modo bastante explicativo, com notas de rodapé que ampliam, de fato, a compreensão dos temas, a autora encontra os termos mais adequados para que cada assunto seja abordado de maneira esclarecedora. Por meio de um texto coeso e repleto de exemplos, sempre apoiados em imagens, expande as discussões geradas em cada capítulo.

Com desenvoltura, a autora transita pelos conteúdos expressivos de distintas obras de arte, acompanhando os processos de criação de diversos artistas – Cézanne, Mondrian, Kandinsky, Picasso –, compondo análises que aproximam o leitor de suas reflexões sobre os rumos da percepção e expandem as hipóteses sobre a presença dos acasos significativos para a criação.

Entre sete capítulos e um caderno de imagens encontramos as razões de um projeto editorial que pretende familiarizar o leitor com assuntos muito debatidos, nem sempre abordados de forma investigativa ou realmente consciente de sua vocação interdisciplinar, em outros autores.

De fato, o compromisso da autora com a abordagem proposta na obra evidencia sua constante disposição para a reflexão crítica, especialmente quando amplia as discussões em notas. Amparadas em citações de diversos autores, em indicações de textos de referência e principalmente em comentários e explicações, algumas notas são verdadeiros roteiros críticos.

Fayga Ostrower encontra um tom fluido em um texto que promove o interesse do leitor, especialmente quando se dispõe a examinar os domínios da criatividade e da criação.

Com facilidade argumenta sobre suas hipóteses, ao afirmar que “a criatividade está no potencial de cada um – a criação já é a escolha de cada um”. Descreve a criatividade como um potencial de sensibilidade, um potencial em aberto, e a criação como circunstância que se estrutura em atos concretos e específicos, sendo os acasos portadores de novo conhecimento.

Quando praticamente finaliza suas considerações, a autora retoma comentários sobre criação e estilo, por meio de diálogos de artistas com a matéria, do engajamento do trabalho criador, da prática do educador que promove o ambiente de “formação do ser sensível”.

Enfim, Fayga Ostrower reafirma com vigor em sua obra a ocorrência dos acasos significativos para a criação, essas estranhas coincidências, fundamentais para “uma nova compreensão de coisas que no fundo sempre existiram em nós”.

Obra de referência sobre arte, o livro materializa um projeto de vida e de criação, pleno de convicções de uma artista-pesquisadora.

Cláudia Fazzolari desenvolve investigação de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina  (Prolam-USP). É docente colaboradora no Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc-ECA-USP).

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