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SBPC

O lugar da ciência e da tecnologia

Pesquisadores debatem o Brasil na sociedade do conhecimento

A última reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) do século 20, em torno do tema O Brasil na Sociedade do Conhecimento , movimentou o câmpus da Universidade de Brasília durante a semana de 10 a 14 de julho. “Os países que não entrarem na sociedade do conhecimento vão ficar marginalizados”, disse a presidente da SBPC, Glaci Zancan, bioquímica da Universidade Federal do Paraná.

No encontro foram avaliados os rumos da política de ciência e tecnologia no Brasil, os avanços da pesquisa e a sua relação com empresas, entre outras questões como mercado de trabalho, meio ambiente e políticas sociais. As grandes estrelas dos debates, no entanto, foram o projeto de seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa , realizado por cientistas brasileiros, a implantação dos fundos setoriais para o financiamento de pesquisas e a polêmica em torno da liberação dos alimentos transgênicos no país.

Andrew Simpson, coordenador do Projeto Genoma Xylella , foi aplaudido por uma platéia de 400 pessoas quando anunciou a publicação do artigo sobre o seqüenciamento da bactéria na capa da revistaNature do mês de julho, fato inédito para a ciência brasileira. “Agora vamos concluir o seqüenciamento de outros genomas, tanto na área da saúde (Genoma Câncer), como na área da agricultura (Genoma da bactéria Xanthomonas citri e Genoma Cana).

Fundos setoriais
A aprovação pelo Congresso de cinco fundos setoriais para o financiamento de pesquisa nas áreas de energia, recursos hídricos, mineral, espacial e de transportes reuniu platéia de centenas de pesquisadores e suscitou polêmicas. Outros quatro fundos, de interação universidade e empresa, informática, telecomunicações e infra-estrutura, estão sendo analisados pela Câmara dos Deputados. Esses fundos terão uma receita estimada de R$ 1 bilhão por ano e serão formados por impostos pagos por empresas de vários setores da produção e destinados a pesquisas nas suas respectivas áreas de atuação.

Parte da comunidade científica teme que a implementação desses fundos resulte em redução de recursos orçamentários da União para pesquisa. “É importante garantir que eles sejam recursos adicionais”, afirma a presidente da SBPC. “A maior vantagem dos fundos é que eles criam uma regularidade no repasse de verbas para a ciência”, diz Humberto Brandi, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Sociedade Brasileira de Física.

O secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Carlos Américo Pacheco, garantiu que “os fundos setoriais não irão substituir outras formas de financiamento da pesquisa” e, para reforçar seu argumento, distribuiu entre os presentes exemplares de uma cartilha sobre a ação dos fundos e os resultados esperados.

Reinaldo Guimarães, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, adverte que o modelo de gestão esboçado para gerenciar os fundos pode significar a perda da governabilidade do Ministério da CeT. Estudioso do perfil dos grupos que fazem pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil, Guimarães chamou a atenção para o fato de que 70% dos recursos de cada fundo irão para o desenvolvimento tecnológico e 30% serão para o desenvolvimento científico. “Quem demandará estes 30% serão os 90% de pesquisadores que representam a capacidade instalada de pesquisa básica”, diz. Ou seja, poderá haver excesso de oferta de recursos em áreas nas quais a demanda é ainda pequena e, inversamente, escassez de recursos para áreas que exigem mais investimentos.

“A parte da pesquisa fundamental deveria ser mais impulsionada”, alertou o físico Roberto Salmeron, um dos fundadores da Universidade de Brasília, que há quase 30 anos trabalha na École Polytechnique, em Paris. Salmeron lembrou que os novos recursos provenientes dos fundos equivalem ao que a França destina ao Centro Nacional de Pesquisa Científica, o CNRS. “Se este mecanismo dos fundos funcionar será importante, mas tudo deveria ser feito com calma e uma melhor planificação científica, com prioridades estabelecidas em nível nacional”, critica Salmeron.

Plantas transgênicas
O cultivo, comercialização e consumo de produtos geneticamente modificados continua a dividir a comunidade científica em torno de questões de saúde, éticas e ambientais. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a SPBC defendem posições distintas, mas a presidente da SBPC nega qualquer divergência em relação aos transgênicos. Ela argumenta que “ninguém pode ser contra a técnica da transgenia”, mas defende a realização de testes locais para avaliar o impacto da produção de alimentos modificados sobre o meio ambiente. “Por causa das diferenças existentes entre os ecossistemas, os testes feitos em outros países não são válidos para a realidade biológica brasileira.”

Ciência, política, economia
Defendendo um dos únicos pontos de consenso entre cientistas, tecnólogos, dirigentes de instituições de pesquisa, professores e estudantes, o de que o Brasil precisa ampliar a capacidade de investir em educação básica para não comprometer os avanços significativos conseguidos no nível da pós-graduação, o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, afirmou que a chamada “década perdida”, como tem sido referenciado os anos 90, merece uma reflexão mais profunda. Neste período em que se acentuou a crise do Estado, o Brasil conseguiu melhorar índices específicos da área de ciência e tecnologia. Ele lembrou que, no período, quadruplicou o número de doutores formados no Brasil e aumentou rapidamente o número de artigos científicos indexados. “Isto não ocorreu por acaso”, disse Sardenberg. “Afinal, ciência e tecnologia é um setor vital, estratégico, central para o Brasil”, disse, durante uma mesa-redonda no último dia da reunião da SBPC.

Uma prova da melhora do desempenho brasileiro são os resultados preliminares do Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil, do CNPq. O pesquisador Reinaldo Guimarães, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mostrou que há hoje em atividade regular no Brasil 11.613 grupos de pesquisa, baseados em 224 instituições. A versão de 1999 do Diretório de Grupos de Pesquisa registrava a existência de8.544 grupos de pesquisa atuando no Brasil. Mais da metade dos grupos brasileiros de pesquisa – 56% – realiza suas atividades na região Sudeste, dos quais 6.581 estão localizados no Estado de São Paulo. As três universidades públicas estaduais abrigam exatos 2.014 grupos de pesquisa (1.118 na USP, 537 na Unicamp, 359 na Unesp).

Os dados, obtidos em pesquisa direta junto aos grupos de pesquisa, revelam que a região Sul abriga 20% dos grupos, que totalizam 2.317. A região Nordeste registra a presença de 1.719 grupos, ou seja, 15% do total de grupos em atividade regular. Na região Centro-Oeste estão 669 grupos, representando 6% do total. Na região Norte atuam 327 grupos de pesquisa, 3% do total. “Mas é evidente que a concentração de grupos nas regiões mais fortes economicamente é uma realidade que se perpetua em nosso país”, afirmou Reinaldo Guimarães.

Investimento em tecnologia
A capacidade de desenvolver pesquisa tecnológica das universidades brasileiras fica, no entanto, comprometida pela falta de recursos para transformar projetos em produtos. “Isso só acontecerá quando houver uma forte ligação entre universidades e empresas, reforçada pelo interesse dos governos estaduais e municipais em trabalhar em parceria com as instituições”, avaliou Eduardo Krieger, presidente da Academia Brasileira de Ciências no debate sobre os desafios da inovação no país. Do lado das empresas, há uma certa inibição para o investimento em novas tecnologias, constata o presidente do Conselho Superior da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, que coordenou a sessão na SBPC onde se discutiram os retornos de investimentos de empresas.

“O Brasil desenvolveu uma excelente capacidade de fazer ciência, mas ainda não produz muita tecnologia. O ambiente econômico é hostil aos investimentos empresariais relacionados com pesquisa e desenvolvimento, que demoram para apresentar resultados.” E também é precária a cultura de inovação tecnológica entre o empresariado. “O Brasil tem 77 mil pesquisadores e só 11% estão dentro das empresas. Nos Estados Unidos, há 1 milhão, mas 80% estão pesquisando na iniciativa privada”, comparou. “E lugar de produzir inovação é na empresa”, concluiu.

Recursos e distribuição regional
O papel das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) esteve dentre os desafios relacionados ao desenvolvimento de pesquisa e tecnologia. Dentre as moções votadas e aprovadas pela assembléia da SBPC, uma delas pede que seja criada a FAP de Goiás e recriada a FAP do Maranhão, extinta em 1998. Para Ennio Candotti, ex-presidente da SBPC e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, “nos Estados, em geral, prevalece a visão de que ciência e tecnologia é coisa do governo federal”. Candotti lembrou que já se passaram 12 anos desde o início do funcionamento dos sistemas estaduais de CeT e, mesmo com o esforço do Ministério da Ciência e Tecnologia em implementar ações conjuntas, estes organismos “patinam à espera dos partidos políticos e das associações efetivamente empenhadas em sua implementação local”.

São Paulo continua sendo a solitária exceção na questão das Fundações de Amparo à Pesquisa. “No Estado, para cada real investido pelo governo federal há um aporte de um real estadual”, lembrou o diretor-científico da FAPESP, José Fernando Perez, numa mesa-redonda da SBPC destinada a debater o financiamento da pós-graduação no Brasil. Nos últimos anos, disse Perez, 8 mil bolsistas têm sido atendidos pela FAPESP. Este quantitativo está no limite das diretrizes estabelecidas pela Fundação,”que não pode se transformar numa agência de bolsas, o que comprometeria o apoio à pesquisa”. Este número recorde de bolsas no Estado de São Paulo é conseqüência, em parte, da impossibilidade de agências federais, como o CNPq e a Capes, atenderem a esta demanda específica.

Nove moções foram aprovadas na assembléia-geral dos sócios da SBPC, realizada dia 12. A SBPC quer a continuidade do Programa Especial de Treinamento (PET), que permite a participação de universitários em 314 grupos de pesquisa. Mantido pelo Ministério da Educação, o PET foi modificado, após a ameaça de extinção, e a decisão governamental desagradou à comunidade científica.A assembléia da SBPC quer também a anulação do contrato assinado pela Bioamazônia, uma organização social mantida com recursos do governo federal, e a empresa Novartis, para exploração da biodiversidade na Amazônia.

“O Congresso Nacional precisa examinar os projetos de lei sobre o acesso à biodiversidade”, afirmou Glaci Zancan. Três projetos sobre o tema estão no Congresso, um de autoria da senadora Marina Silva (PT/Acre), outro do deputado Jacques Wagner (PT/Bahia) e o terceiro de iniciativa do Poder Executivo.Durante os quatro dias de encontro, os anfiteatros da UnB ficaram lotados com cerca de 15 mil pessoas, de acordo com a direção da SBPC. Quatro mil trabalhos científicos foram apresentados e a SBPC-Jovem, voltada especificamente para acolher o trabalho de estudantes de primeiro e segundo graus, atraiu a atenção de 3 mil participantes. A 53ª Reunião Anual da SBPC, em 2001, será no câmpus da Universidade Federal da Bahia, em Salvador.

Fapesp recebe Prêmio José Reis na SBPC

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo foi a vencedora do 20º Prêmio José Reis de Divulgação Científica, do CNPq, concorrendo com outras 33 instituições. O prêmio reconhece o trabalho de disseminação de informações sobre ciência e tecnologia realizado pela Fundação, ao produzir material informativo para distribuir à imprensa em geral e editar a revista Pesquisa FAPESP . O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), do Rio de Janeiro, recebeu menção honrosa.

O prêmio foi entregue em solenidade realizada no dia 10 de julho, presidida pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, na 52ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi a primeira vez que a entrega do prêmio contou com a presença do ministro de CeT.”Por intermédio do jornalismo científico, o governo e a comunidade acadêmica podem prestar contas à sociedade do uso dos recursos públicos aplicados em ciência e tecnologia, dos progressos alcançados e o que isso implica na vida cotidiana de cada um, de cada família, de cada grupo social”, destacou Ronaldo Sardenberg.

Ao receber o diploma e a medalha do Prêmio José Reis, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que este pesquisador e divulgador científico, que continua em atividade aos 91 anos, escrevendo todas as semanas na Folha de S. Paulo , foi um dos que defenderam a existência de uma Fundação dotada de autonomia e orçamento estável, em artigos publicados nos anos 50 e 60.

“A preocupação da FAPESP em divulgar o conhecimento reconhece que a ciência necessita do apoio do Estado, ou seja, utiliza recursos do contribuinte. Uma agência pública deve ser, portanto, capaz de constantemente divulgar e demonstrar à sociedade e aos Poderes Executivo e Legislativo as realizações propiciadas por este apoio.”

O Prêmio José Reis de Divulgação Científica é o mais importante do Brasil na área de divulgação e jornalismo científico. Mantido pelo CNPq desde 1978, o prêmio é concedido anualmente, de maneira intercalada, a uma das seguintes categorias: instituição, jornalistas e divulgadores científicos.

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