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Boas práticas

O peso da Justiça

A ideia de que má conduta científica deva ser tratada como crime suscita debate entre pesquisadores

Visca

Pesquisadores que cometem desvios éticos, como fabricação de dados e plágio, em geral são punidos administrativamente com suspensão do financiamento a projetos, proibição de supervisionar alunos ou demissão. Os casos raros de condenação criminal quase sempre se relacionam a práticas cujos efeitos não se limitam ao ambiente acadêmico. Em 2015, por exemplo, o biomédico Dong-Pyou Han, ex-pesquisador da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, foi condenado a quatro anos e meio de prisão pela fabricação e falsificação de dados em ensaios clínicos de uma vacina contra o vírus HIV. A pena resultou principalmente das ameaças à saúde pública e à sociedade que a fraude produziu.

A ideia de que a má conduta científica deve ser tratada como crime ganhou força nos últimos anos com a publicação de trabalhos que discutem a necessidade de abordagens mais incisivas para coibir o crescimento dos casos. Um estudo divulgado em agosto na revista Medicine, Health Care and Philosophy analisou possíveis benefícios e limitações de criminalizar deslizes éticos na ciência. Uma das vantagens, aponta o artigo, seria tornar mais equânime e homogênea a aplicação de penalidades. “No sistema atual, as universidades decidem o que deve ser feito quando é detectado um caso de má conduta”, avalia um dos autores, William Bülow, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Estocolmo, na Suécia. “Esse processo corre o risco de ser arbitrário e imprevisível, pois permite que os pesquisadores que cometeram um mesmo tipo de deslize sejam tratados de maneira diferente dependendo da instituição em que trabalham.”

Uma limitação apontada por Bülow é a dificuldade de determinar quais casos merecem ser punidos criminalmente. “É importante ressaltar que nem todas as ocorrências de falsificação, por exemplo, são prejudiciais a ponto de configurar crime”, diz. Segundo ele, o principal risco é atribuir culpa a pessoas que cometeram erros mas não agiram de má-fé. “Precisamos ser céticos em relação à quantidade de problemas que deveriam ser tratados como crime”, pondera Bülow.

Fraudes graves
Na última década, vários autores, como Benjamin Sovacool, da Universidade de Sussex, no Reino Unido, e Julian Crane, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, defenderam a necessidade de criminalizar pelo menos as formas mais graves de fraudes científicas, especialmente a fabricação e a falsificação de dados e o plágio. Bülow, no entanto, sustenta que restringir a criminalização a apenas alguns tipos de má conduta desconsidera a complexidade e a diversidade dos desvios éticos. “Outras formas de deslize, como apresentação seletiva de resultados, negligência e uso inadequado de estatísticas, costumam ser excluídas das propostas de criminalização”, salienta. Na opinião do pesquisador sueco, essas práticas dúbias também são graves e não podem ser toleradas.

Um dos principais argumentos em favor da criminalização da má conduta científica é que penalidades mais rigorosas poderiam ajudar a coibir fraudes intencionais. Rita Faria, professora da Escola de Criminologia da Universidade do Porto, em Portugal, vê fragilidades nesse raciocínio. “Na sociedade, delitos não deixam de ser cometidos só porque são criminalizados”, afirma. De acordo com ela, a punição individual pode deixar em segundo plano a responsabilidade das instituições científicas de prevenir a má conduta, criando programas educativos para promover a integridade na pesquisa. Rita, no entanto, defende que o conhecimento na área de criminologia seja aplicado em estudos que analisam desvios de conduta na ciência.

Em um capítulo de livro publicado em setembro, ela traça um paralelo entre a má conduta científica e o crime de colarinho-branco, que normalmente é cometido dentro de empresas ou órgãos públicos. “Crimes do colarinho-branco, como falsificação e lavagem de dinheiro, têm como objetivo o lucro. Comparativamente, cientistas que falsificam dados buscam forjar resultados que garantam a continuidade do financiamento de sua pesquisa. Além disso, tanto em um caso como no outro, verifica-se que as fraudes são cometidas majoritariamente por homens de meia-idade e que estão no topo da carreira”, observa.

Sanções raras
Um estudo publicado em 2017 mostrou que casos de má conduta científica punidos criminalmente ainda são raros. O jornalista Ivan Oransky, fundador do site Retraction Watch, identificou 39 pesquisadores de sete países que foram condenados pela Justiça comum entre 1979 e 2015. As sanções variaram entre restituições de dinheiro, multas e prisões. Os casos foram identificados a partir de buscas realizadas no Google e no Retraction Watch utilizando palavras-chave como “cientista” e “condenado”. “Dos 39 cientistas condenados, 14 foram punidos criminalmente por problemas que envolveram diretamente suas pesquisas”, diz Oransky. Desse total, três tinham acusações criminais relacionadas exclusivamente à atividade científica, enquanto os outros 11 também haviam cometido deslizes de outra ordem, como desvios de fundos de pesquisa ou suborno. Duas investigações resultaram em acusações para múltiplos pesquisadores – sete pesquisadores na China acusados de peculato e quatro nos Estados Unidos condenados por suborno. Apenas cinco dos mais de 250 casos de má conduta científica punidos pelo Escritório de Integridade Científica dos Estados Unidos (ORI) no mesmo período também geraram sanções penais.

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