Um artigo científico publicado na revista Frontiers in Cell and Developmental Biology foi retratado apenas três dias após sua divulgação, mas esse curto espaço de tempo foi suficiente para que ele se tornasse um dos assuntos mais comentados do X, o antigo Twitter, em meados de fevereiro. Assinado por um trio de pesquisadores chineses vinculados ao Hong Hui Hospital e à Universidade Jiaotong, da cidade de Xian, na China, o artigo tinha como foco as funções de células-tronco germinativas em pequenos mamíferos e atraiu a atenção não por suas conclusões, mas pelas figuras que exibia.
Uma delas, a que teve o condão de atiçar as redes sociais, mostrava o diagrama do pênis e da bolsa escrotal de um rato desproporcionalmente maiores do que o próprio rato, que também fazia parte do desenho. As marcações da figura também traziam palavras sem sentido, como “célula iollotte sserotgomar”, “testtomcels” e “dck”. Outra imagem apresentava diagramas de células que pareciam pizzas e igualmente tinham marcações sem sentido.
As figuras haviam sido produzidas por um famoso site gerador de imagens por inteligência artificial, o Midjourney. O problema nem era a procedência, porque as revistas da coleção Frontiers permitem o uso de imagens geradas por inteligência artificial, desde que mencionada a origem, e o crédito ao site foi dado de forma adequada. A questão candente é: como imagens distorcidas e identificadas de forma equivocada puderam passar pelo escrutínio dos revisores do artigo e dos editores da revista? Um dos revisores, Jingbo Dai, da Universidade Northwestern, dos Estados Unidos, disse à revista eletrônica Motherboard que não era sua responsabilidade analisar as imagens. “Como pesquisador da área biomédica, apenas reviso o artigo com base em seus aspectos científicos. Para figuras geradas por inteligência artificial, já que o autor citou Midjourney, é responsabilidade do editor tomar uma decisão”, explicou.
Nem a Frontiers, nem os autores do artigo, nem o editor da revista, Arumugam Kumaresan, do Instituto Nacional de Pesquisa em Laticínios da Índia, quiseram comentar o caso com a Motherboard. A nota de retratação informa: “Após a publicação, foram levantadas preocupações relativas à natureza das figuras geradas por inteligência artificial. O artigo não atende aos padrões de rigor editorial e científico da Frontiers in Cell and Development Biology, portanto ele foi retratado. Essa retratação foi aprovada pelo editor-chefe executivo da Frontiers. A Frontiers gostaria de agradecer aos leitores que nos contataram, preocupados com o artigo publicado.”
Elizabeth Bik, especialista em manipulação de imagens de artigos científicos, resumiu o problema do paper: “Essas figuras claramente não são corretas do ponto de vista científico. Se ilustrações malfeitas puderam passar pela revisão por pares tão facilmente, figuras mais realistas geradas por inteligência artificial provavelmente já se infiltraram na literatura científica. A inteligência artificial generativa causará sérios danos à qualidade, à confiabilidade e ao valor dos artigos científicos”, alertou Bik.
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