Como deputados federais e senadores brasileiros votam em plenário? Esses parlamentares seguem o que preconizam seus líderes partidários? Com que frequência mudam de partido? As respostas estão reunidas no Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Principal fonte de informações sistematizadas sobre o desempenho do governo federal desde 1988, no Congresso Nacional, além da atuação de partidos e parlamentares, a partir desta sexta-feira (20/8) a proposta dá um passo além e passa a disponibilizar seu conteúdo em um site acessível ao público em geral.
Em produção há mais de 25 anos, o banco de dados é o cerne do projeto “Instituições políticas, padrões de interação Executivo-Legislativo e capacidade governativa”, cuja meta é investigar as relações, no Brasil, entre os dois poderes federais. “Nossos dados sempre estiveram disponíveis para consulta mediante solicitação por e-mail de pesquisadores e demais interessados, como jornalistas. Com o site, a ideia é ampliar e facilitar o acesso a essas informações que ajudam a traçar um retrato do sistema político brasileiro”, explica o cientista político Fernando Limongi, professor da Escola de Economia de São Paulo, na Fundação Getulio Vargas (FGV-Eesp), atual coordenador do projeto financiado pela FAPESP e sediado no Cebrap.
Nesse primeiro momento, poderão ser acessados dados brutos sobre a composição das coalizões de governo, todas as proposições legislativas transformadas em norma jurídica e também aquelas apresentadas pelo poder Executivo ao Congresso Nacional, além dos votos nominais de deputados federais a partir de 1988. As tabelas, disponíveis em quatro opções de formato para download, são acompanhadas de um manual que explica o significado de cada campo do banco de dados e como as informações foram organizadas. “A sigla ID refere-se ao código de identificação que estabelecemos para cada parlamentar”, exemplifica o cientista político Danilo Medeiros, que desenvolve estágio de pós-doutorado na instituição e é um dos pesquisadores envolvidos na produção do site. “O ID é uma forma segura de acompanhar os passos de determinado congressista. Isso porque alguns deputados e senadores são eleitos com seus apelidos e ao longo do mandato adotam o nome de nascimento. Sem contar os casos de homônimos”, diz.
Ao preencher um formulário no site, o usuário também pode solicitar o envio de dados como informações sobre os partidos brasileiros que já ocuparam cadeiras na Câmara dos Deputados ou então a respeito das comissões permanentes das duas casas legislativas entre 1988 e 2021. “De forma gradativa, a ideia é disponibilizar todo o nosso conteúdo no site até o final do ano”, informa Andréa Freitas, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp) e coordenadora do Núcleo de Estudos de Instituições Políticas e Eleições (Nipe) do Cebrap.
Em setembro devem estar disponíveis para download as tabelas com as votações nominais de senadores entre 1988 e 2019. “O que temos hoje são dados brutos que interessam, sobretudo, a pesquisadores da ciência política”, prossegue Freitas, integrante do projeto há duas décadas. “Mas, a longo prazo, queremos traduzir essa informação em indicadores, como gráficos legíveis ao público leigo, que vai então poder examinar facilmente os dados e saber mais sobre determinado parlamentar, por exemplo.”
A origem do banco de dados remonta ao projeto “Terra incógnita – Funcionamento e estrutura do Congresso Nacional”, idealizado no Cebrap pelo cientista político argentino Guillermo O´Donnel (1936-2011) e desenvolvido a partir de 1991 pela cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, hoje professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj). O foco, naquele momento, estava na atuação da Câmara dos Deputados. “Decidimos coletar toda informação sobre a tramitação da legislação de 1988 em diante. Nossa diretriz era não usar como fonte o que os deputados falavam, mas o que faziam”, contou Figueiredo (ver Pesquisa FAPESP nº 285).
Limongi chegou ao projeto em 1993, quando começou a investigar as votações nominais dos deputados. Para reunir as informações, os pesquisadores criaram um banco de dados. “Na época, a própria Câmara nos enviava pelo correio as informações sobre as tramitações”, lembra o cientista político. “No caso das votações nominais, o volume de material era muito grande, o que inviabilizava a remessa postal. A solução era ir até a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para fazer fotocópias do Diário do Congresso Nacional e depois transpor manualmente as informações para nosso banco de dados.”
Foi em 1997 que Figueiredo e Limongi passaram a desenvolver o atual projeto. O banco de dados acompanhou os dois cientistas políticos, que se alternaram na coordenação do estudo. “Durante esse tempo, o Congresso Nacional melhorou muito a forma de armazenar seus dados. Hoje, por exemplo, é possível fazer o download da votação nominal do dia anterior nos sites da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal”, observa Limongi.
“Quando acessamos o site de outros parlamentos do mundo, percebemos a grande quantidade e qualidade dos dados veiculados pelo Congresso brasileiro”, concorda Freitas. O fato ajuda, mas não elimina o trabalho minucioso dos pesquisadores do Banco de Dados Legislativos do Cebrap. “Não basta fazer o download automático dos dados do Congresso. É preciso organizar e tratar esses dados. Isso exige expertise de pesquisadores familiarizados com a rotina do Legislativo federal, que vão saber identificar os impactos das regras sobre o resultado, como a falta de quórum, que pode invalidar uma votação ou rejeitar um projeto, a depender do caso”, esclarece Medeiros.
Um dos desafios do trabalho, de acordo com Limongi, é cruzar as informações que se encontram disponíveis, mas dispersas, nos sites da Câmara e do Senado. “Nosso banco combina esses dados. É possível, por exemplo, saber de forma integrada como ocorreu a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição [PEC] e sua votação nominal nas duas Casas. Ou então saber quantas vezes determinado parlamentar mudou de partido. Nosso objetivo é facilitar o trabalho de interessados no assunto, como pesquisadores e jornalistas, que assim não precisam fazer todo esse caminho ao investigar o Congresso Nacional. Entregamos o dado mastigado.”
A construção do banco de dados integra hoje a rotina de cientistas políticos que trabalham com pesquisa empírica, no Brasil e no exterior. “Com a evolução digital, as ciências sociais passaram a produzir os próprios dados. O resultado é que atualmente precisamos entender também de áreas da tecnologia da informação, como a programação”, pontua Limongi. No momento, no Cebrap, boa parte dos 60 pesquisadores do projeto está envolvida na manutenção de outros bancos de dados, de menor porte, que vão desaguar no Banco de Dados Legislativos. É o caso de um repositório com informações sobre o cenário político no período democrático de 1946 a 1964, situado entre o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar (1964-1985).
Quinze pesquisadores trabalham diretamente na produção do site do Banco de Dados Legislativos do Cebrap. A equipe reúne estudantes de graduação e pós-graduação, além de professores. De acordo com Freitas, um dos objetivos do projeto temático é contribuir para a formação de quadros de jovens pesquisadores, interessados em seguir na vida acadêmica, caso dela mesma e de Medeiros, ou em migrar para meios de comunicação de massa, onde passariam a atuar no jornalismo de dados. “Enquanto existir democracia, nosso projeto vai estar sempre em movimento”, conclui a pesquisadora.
Projeto
Instituições políticas, padrões de interação Executivo-Legislativo e capacidade governativa (nº 16/14525-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Fernando Limongi (Cebrap); Investimento R$ 2.568.078,24.