A pandemia aprofundou queda na imunização, que caiu 65% em alguns estados em 2020
Alguns dos 29 imunizantes disponíveis gratuitamente no sistema público de saúde brasileiro
Léo Ramos Chaves
São urgentes as ações para aumentar a imunização infantil e sustentá-la em um patamar elevado no Brasil. Depois de permanecer estável em níveis considerados altos por quase duas décadas, atingindo o ápice em 2015, a cobertura vacinal no país começou a cair. Em alguns casos, a redução inicial foi seguida de ligeira recuperação, antes de um novo declínio. De 2020 para cá os índices, que já eram considerados baixos, despencaram, influenciados por condições impostas pela pandemia. Estudos recentes indicam que a aplicação de alguns imunizantes chegou a ter queda de 65% em alguns estados brasileiros em 2020. No mundo, a diminuição foi de cerca de 30% nos primeiros meses daquele ano.
A restrição do deslocamento das pessoas para reduzir a circulação do novo coronavírus, associada à mobilização de equipes da saúde para cuidar de doentes com Covid-19, ajudou a consolidar no Brasil um quadro temido por pediatras e epidemiologistas. De 15 vacinas que deveriam ser aplicadas até o quarto ano de vida e sobre as quais há mais informações disponíveis publicamente, pelo menos nove alcançaram índices inferiores aos recomendados pelas autoridades da saúde. Esses imunizantes protegem contra pelo menos 17 doenças infecciosas graves, algumas delas altamente transmissíveis, como o sarampo e a coqueluche, ou incapacitantes, como a meningite e a infecção pelo vírus da poliomielite, que causa paralisia infantil e pode matar.
Alexandre Affonso
No Brasil, a vacinação de crianças, adultos e idosos é coordenada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). Dados do sistema de informações do PNI, o SI-PNI/DataSUS, acessados pela reportagem de Pesquisa FAPESP em 10 de fevereiro mostram que a cobertura dessas nove vacinas alcançou em 2021, nos casos mais bem-sucedidos, 71% da população que deveria recebê-las. Só dois imunizantes – a vacina tríplice viral, contra sarampo, caxumba e rubéola; e a pneumocócica, que reduz o risco de desenvolver pneumonia, meningite e otite – atingiram esse patamar, que já é inferior ao preconizado pelo PNI. As demais registraram níveis de cobertura ainda mais baixos, incluindo a BCG, contra a tuberculose, que é aplicada na maternidade (ver gráfico acima).
“Esses números indicam que ao menos 900 mil crianças não foram vacinadas no país em 2021. Voltamos a apresentar índices de cobertura próximos aos da década de 1980”, afirma a socióloga Carla Domingues, que coordenou o PNI de junho de 2011 a julho de 2019.
Criado em 1986 pelo artista gráfico mineiro Darlan Rosa para diminuir o tom aterrador das ações de vacinação, o personagem Zé Gotinha foi garoto-propaganda das campanhas de erradicação da pólio e se tornou mascote do PNIAssessoria de Comunicação Social / Secretaria de Vigilância em Saúde / Ministério da Saúde | Ministério da Saúde
Criado em 1973, o programa foi uma das primeiras políticas de saúde voltadas para a universalização das imunizações no país – e considerado por muito tempo um exemplo de sucesso no mundo. A partir de 1977, o PNI passou a administrar rotineiramente a BCG, além das vacinas contra o sarampo, a pólio e a tríplice bacteriana (DTP), que protege da difteria, do tétano e da coqueluche (pertússis). A vacinação de rotina, somada às campanhas de imunização em massa ou de bloqueio (para conter surtos), tirou de circulação no país o vírus selvagem da pólio, que provocava cerca de 10 mil casos da doença por ano na década de 1980, e o da rubéola. Também quase extinguiu os de sarampo, difteria e coqueluche. O programa foi depois gradativamente ampliado e hoje fornece gratuitamente 29 imunizantes para crianças, jovens e adultos. Após quase atingir a cobertura universal entre 2010 e 2015, algo desandou e os índices de vacinação infantil começaram a cair. Houve uma ligeira recuperação em 2018, mas a tendência de queda retornou no ano seguinte e se agravou com a pandemia.
“Quando constatamos em 2017 que a queda estava se consolidando, o Ministério da Saúde agiu e, em parceria com secretarias estaduais e municipais da Saúde e sociedades científicas, promoveu uma mobilização nacional. Os números voltaram a subir, mas depois despencaram”, lembra Domingues, que na época estava à frente do PNI. “Manter níveis elevados de cobertura vacinal da população é um trabalho que exige continuidade”, ela explica. Especialistas em saúde pública afirmam que só se alcança essa continuidade em um sistema de saúde bem estruturado.
Alexandre Affonso
Os índices atuais de cobertura de ao menos nove vacinas aplicadas em crianças – BCG, hepatite A, hepatite B, meningocócica C, pentavalente, pneumocócica, pólio, rotavírus e tríplice viral – estavam em 2021 de 23 a 39 pontos percentuais mais baixos do que em 2015 (ver gráfico acima). “Em que pese haver alguma imprecisão nos dados, esse cenário abre espaço para o ressurgimento de doenças que haviam sido eliminadas ou estavam controladas”, comenta o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e de uma clínica privada de vacinação. “Uma das enfermidades que costumam aparecer primeiro é o sarampo, causado por um vírus de fácil transmissão que ainda não está controlado em muitos países. Há ainda o risco de aumentarem os casos de difteria e coqueluche e de reaparecer a pólio.”
Ainda que sujeitos a alterações até março, prazo final para os municípios enviarem seus dados ao PNI, os números de 2021 dificilmente atingirão os valores recomendados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que essas vacinas sejam administradas a pelo menos 90% da população infantil, caso da BCG e do imunizante contra o rotavírus, que reduz o risco de diarreias severas. Para as demais, a cobertura recomendada é de 95%. Só assim torna-se possível atingir a chamada imunidade coletiva e proteger contra essas enfermidades tanto as crianças vacinadas quanto aquelas que não receberam os imunizantes.
Criança recebe vacina contra a pólio durante campanha de imunização realizada em 2018 no Rio de JaneiroFernando Frazão / Agência Brasil
A reportagem de Pesquisa FAPESP solicitou ao Ministério da Saúde uma avaliação sobre as causas dessa queda e a gravidade da situação, além da descrição de ações que vêm sendo tomadas para reverter o quadro. Por meio de nota, a pasta respondeu que “vem realizando diagnóstico das quedas de coberturas vacinais por meio de estudos de inquéritos de coberturas vacinais e do monitoramento rápido de cobertura”. O texto diz ainda que outras iniciativas têm sido adotadas, como o fortalecimento das ações conjuntas com os serviços de atenção primária à saúde, executores da vacinação, e a realização de campanhas nacionais de vacinação, como a da Multivacinação, ocorrida em outubro e novembro de 2021. O ministério informa estar agindo na qualificação de recursos humanos que trabalham na área de imunização e ter firmado uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para implementar o projeto Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, que deve começar em breve a testar, de forma piloto, ações individualizadas para elevar o índice de vacinação das crianças em 41 municípios do Amapá e da Paraíba.
Parte da queda na cobertura vacinal observada nos últimos dois anos pode ser atribuída à pandemia causada pelo novo coronavírus. Estudos recentes comparando os números da vacinação infantil em anos pré-Covid-19 com os registrados após o início da circulação do Sars-CoV-2 indicam um impacto nada desprezível.
Em um artigo publicado em agosto de 2021 no Journal of Medical Microbiology, a bioquímica Marcelle Moura Silveira, da Faculdade Anhanguera, em Pelotas, Rio Grande do Sul, e colaboradores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) analisaram como evoluiu entre 2015 e 2020 a administração de quatro imunizantes (as vacinas BCG, meningocócica, pneumocócica e tríplice bacteriana). A maior redução ocorreu em 2020, quando a pandemia se instalou. De 2019 para 2020, a aplicação dos quatro imunobiológicos caiu entre 10 e 23 pontos percentuais.
Criança recebe vacina contra o sarampo durante campanha de imunização realizada em 2018 no Rio de JaneiroLéo Ramos Chaves
Esses não foram os únicos imunizantes cuja administração caiu no período. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um grupo liderado pela pesquisadora Tércia Moreira Ribeiro da Silva comparou a aplicação de outra importante vacina infantil, a tríplice viral, em dois momentos: de abril de 2019 a março de 2020, antes da adoção de medidas de distanciamento social no país, e de abril a setembro de 2020, quando as pessoas passaram a circular menos e as ruas das cidades ficaram mais vazias. De acordo com os resultados, publicados em dezembro de 2021 na revista BMC Infectious Diseases, a aplicação mensal de doses desse imunizante diminuiu, em média, 43%, passando de 1,6 milhão no primeiro período para 935 mil no segundo.
Essa queda foi desigual no país e mais relevante – e significativa do ponto de vista estatístico, variando de 48% a 65% – em sete estados: três da região Norte (Acre, Amazonas e Roraima), dois do Nordeste (Paraíba e Sergipe), um do Sudeste (Rio de Janeiro) e um do Sul (Santa Catarina). Uma análise da distribuição dos municípios com baixa cobertura indicou que, no Norte e em parte do Nordeste, eles se encontram muitas vezes bem próximos, formando bolsões de pessoas vulneráveis à infecção pelo vírus do sarampo, da caxumba e da rubéola. “Há uma probabilidade maior de esses vírus, em especial o do sarampo, voltarem a circular nessas áreas”, afirma Tércia Ribeiro da Silva.
A pandemia está por trás dessa redução, mas provavelmente não atua sozinha. Em um trabalho anterior, publicado em 2020 na Revista Mineira de Enfermagem, a equipe da UFMG havia observado que a disponibilidade da tríplice viral era um pouco menor nos municípios da região Norte do que nos das outras quatro. Examinando a situação de 19.752 pontos de vacinação espalhados pelo território nacional, medida em 2013 e 2014 pelo Programa de Melhoria da Qualidade da Atenção Básica, encerrado pelo atual governo federal, o pesquisador Ed Wilson Vieira, com o auxílio de Tércia Ribeiro da Silva e colaboradores, constatou que a probabilidade de haver vacina disponível era menor nos serviços de imunização com pior infraestrutura. Essas unidades não tinham sala de vacinação ou a compartilhavam com outras atividades, e às vezes nem possuíam uma geladeira ou caixa térmica exclusivas para armazenar os imunizantes.
Vacinação infantil contra a Covid-19 em São PauloFernando Frazão / Agência Brasil
Talvez não seja por acaso que o vírus do sarampo tenha sido reintroduzido no Brasil em 2018 a partir da região Norte. Depois de registrar poucos casos em 2015, o país recebeu no ano seguinte uma certificação de nação livre desse agente infeccioso, concedida pela Organização Pan-americana da Saúde (Opas). Com a queda na cobertura vacinal, no entanto, o vírus do sarampo voltou a circular. Foram registrados 10,4 mil casos em 2018; 21 mil em 2019; e outros 8,4 mil em 2020, acompanhados de algumas dezenas de óbitos.
Um dos países mais afetados pela pandemia de Covid-19, com 27,5 milhões de pessoas infectadas com o novo coronavírus e quase 640 mil mortes registradas até meados de fevereiro deste ano, o Brasil não foi o único a apresentar uma redução importante na imunização contra outras doenças. Um grupo liderado pela pediatra Anita Shet, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, reuniu informações sobre o número de doses da DTP e da vacina contra o sarampo administradas em 2019 e 2020 em 170 nações. Publicado em fevereiro deste ano na The Lancet Global Health, o trabalho registrou uma queda de aproximadamente 30% nas taxas de aplicação dos dois imunizantes no mundo todo, principalmente no primeiro semestre de 2020. Das Américas, havia dados de 27 países e três territórios. Em 16 deles (53%), houve interrupção ao menos parcial nas imunizações, por redução na demanda, dificuldade de obter vacinas, limitação da disponibilidade de profissionais para aplicá-las, entre outros fatores. Segundo estimativa da OMS e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), um contingente extra de 4 milhões de crianças deixou de ser vacinado em 2020, elevando o total de não imunizados naquele ano para 23 milhões.
Aprimoradas ao longo de mais de dois séculos, as vacinas tornaram-se uma das estratégias mais eficazes para salvar vidas. Dados da OMS indicam, por exemplo, que a aplicação de imunizantes reduziu o número de casos de sarampo no mundo, de 854 mil em 2000 para cerca de 150 mil em 2020, e de caxumba, de 544 mil para 270 mil no mesmo período. Sugerem ainda que as vacinas evitam a cada ano a morte de 4 a 5 milhões de crianças. De acordo com o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME), ligado à Universidade de Washington, nos Estados Unidos, o uso disseminado dos imunizantes nas últimas décadas reduziu de 5,5 milhões em 1990 para 1,8 milhão em 2017 o número de óbitos de crianças menores de 5 anos por doenças que podem ser total ou parcialmente evitadas com a vacinação.
Alexandre Affonso
É incontestável o avanço na cobertura vacinal observado no mundo nas últimas quatro décadas. Em um trabalho recente, coordenado por Stephen Lim e Jonathan Mosser, do IHME, um grupo internacional de pesquisadores examinou a evolução do uso rotineiro de 11 imunizantes em 204 países entre 1980 e 2019. Publicado em agosto do ano passado na revista The Lancet, o estudo revelou a existência de um padrão universal. A proporção de pessoas imunizadas – em especial com as vacinas contra sarampo, poliomielite e difteria, tétano e coqueluche – cresceu no mundo todo. Passou de cerca de 40% da população mundial nos anos 1980 para algo ao redor dos 80% no final da década passada. Nesse intervalo de tempo, o total de crianças não vacinadas caiu de 56,8 milhões para 14,5 milhões. A cobertura vacinal sofreu um incremento rápido na década de 1980 e desacelerou um pouco nas duas seguintes: em 2010, quase 120 países conseguiram administrar os três imunizantes a 90% das crianças. A partir daquele ano, porém, começou um retrocesso: os índices de vacinação caíram em 94 países – entre eles, o Brasil, um dos poucos em que ainda havia em 2019 crianças sem nenhuma dose das principais vacinas.
Em 2018, quando surgiram os sinais mais consistentes de queda na imunização das crianças brasileiras, a reportagem de Pesquisa FAPESP entrevistou pediatras, imunologistas, epidemiologistas e autoridades sanitárias em busca de explicações. Na época, os especialistas enumeraram ao menos nove razões para justificar o fenômeno (ver Pesquisa FAPESP nº 270). Os motivos iam da percepção enganosa de que já não existiriam mais algumas das doenças que podem ser evitadas pelos imunizantes ao desconhecimento do calendário vacinal, que se tornou mais complexo e exige uma dezena de visitas ao posto de saúde até os 15 meses de vida. Incluíam ainda o medo de potenciais reações adversas causadas pelos imunizantes, o receio de que o número elevado de vacinas pudesse sobrecarregar o organismo e a falta de tempo dos genitores para levar os filhos às unidades de saúde, que em geral funcionam em horário comercial. Havia também o impacto da mudança no sistema de documentação das aplicações, que a partir de 2012 foi substituído nas 36 mil salas de vacinação dos municípios brasileiros por um mais trabalhoso, que exigia o registro do nome e de outros dados das pessoas imunizadas. E não se descartava o efeito da circulação de notícias falsas sobre vacinas, além da ação organizada de grupos contrários à imunização, incipientes no Brasil e mais ativos na Europa e na América do Norte, como atestam os recentes protestos de caminhoneiros e de outros manifestantes contra a exigência de passaporte vacinal de Covid-19 no Canadá.
“Todas essas razões existem e continuam válidas. O impacto de algumas parece ter sido reforçado nos últimos anos com a intensificação da atividade de grupos antivacina e espalhadores de notícias falsas nas redes sociais e a manifestação de autoridades públicas brasileiras falando abertamente contra os imunizantes”, afirma o pediatra e epidemiologista Fernando Barros, professor da UFPel e da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), que acompanha a evolução da vacinação infatil. “Antes todos falavam com muito cuidado e responsabilidade sobre as vacinas. Como qualquer fármaco, elas podem causar eventos adversos, que, no entanto, são extremamente raros”, relata o epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
No início de fevereiro, manifestantes protestavam contra a obrigatoriedade do passaporte de vacinação contra a Covid-19 no centro de Toronto, no CanadáDave Chan / AFP via Getty Images
A esses fatores, agravados pelo impacto da pandemia sobre os serviços de saúde, somam-se outros, como problemas de infraestrutura e necessidade de melhorar a capacitação dos profissionais que atuam nas salas de vacinação. Na elaboração do projeto Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, encampado em dezembro pelo Ministério da Saúde, o virologista Akira Homma, assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz, o Bio-Manguinhos, visitou 15 municípios da Paraíba e do Amapá e conversou com prefeitos, secretários, além dos funcionários responsáveis pela aplicação das vacinas. Encontrou condições bastante heterogêneas nas salas de imunização. Algumas eram muito limpas e bem equipadas, enquanto outras apresentavam problemas de infraestrutura, como falta de geladeira adequada para armazenar os imunizantes. Quase sempre observou vacinadores desmotivados, que ganhavam baixos salários e, às vezes, tinham de completar a renda com outros trabalhos. “Precisamos valorizar o trabalho de quem atua na ponta e estimular essas pessoas a serem mais ativas na busca de quem está com a imunização incompleta, além de fazer a sociedade voltar a perceber a imunização como um dos mais importantes instrumentos para garantir a saúde da população”, afirma Homma.
Outro problema é uma certa desarticulação do Sistema Único de Saúde (SUS), marcada pela piora nos últimos anos nos indicadores de várias doenças e de mortalidade infantil, e do próprio PNI. De meados de 2019 para cá, o programa trocou de coordenador quatro vezes. A reportagem de Pesquisa FAPESP requisitou uma entrevista com a farmacêutica Samara Furtado Carneiro, que assumiu a coordenação do PNI em janeiro, mas foi informada pela assessoria de imprensa do ministério de que o pedido não poderia ser atendido. “Os estados e os municípios trabalham bem, mas a coordenação nacional é necessária”, reforça Barros, da UFPel.
Como havia sido escrito em 2018, todas as causas listadas para explicar a queda continuada na cobertura vacinal no país são plausíveis, ainda que variem de uma região para outra. Até hoje, porém, não se conhece a contribuição de cada uma delas para o fenômeno. Com um novo inquérito nacional em fase de conclusão, Carla Domingues e o epidemiologista José Cassio de Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, pretendem diminuir as incertezas e conhecer melhor por que razão uma parte dos brasileiros deixou de vacinar os filhos nos últimos anos. Com financiamento do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um grupo de pesquisadores está entrevistando cerca de 40 mil mães, pais ou responsáveis por crianças em 27 capitais e algumas cidades com mais de 200 mil habitantes e fotografando a carteira de vacinação. “Queremos saber qual proporção de crianças com vacinação completa, qual parcela dos pais tem dificuldade de levar o filho ao posto de saúde, quantos enfrentam falta de vacina, entre outras coisas”, conta Moraes.
O que falta conhecer do problema
Reverter a queda na imunização infantil exigirá conhecer a dimensão do problema e identificar suas causas reais. Para isso, afirmam os especialistas, é necessário investigar a questão usando duas estratégias distintas e complementares: os estudos quantitativos e os qualitativos.
O primeiro tipo se vale da realização de medições para quantificar um determinado atributo – por exemplo, contar o número de crianças não vacinadas em uma cidade – para depois, com o auxílio de métodos estatísticos, buscar as possíveis relações com outros atributos. Ele permite identificar padrões e tendências associados a um fenômeno. Grosso modo, ajuda a conhecer o tamanho do problema.
Já o segundo tipo baseia-se na coleta de informações por meio de entrevistas e observações e possibilita encontrar os motivos que geram os padrões ou tendências. “Em nossos estudos, nós, epidemiologistas, frequentemente encontramos associações entre dois fatores e apresentamos hipóteses plausíveis para explicá-las, mas é a pesquisa qualitativa que, ao identificar as razões apresentadas pelas pessoas, permite confirmar ou refutar essas explicações”, conta Fernando Barros, da UFPel.
Na elaboração desta reportagem, os entrevistados levantaram muitas questões que estão por ser respondidas, usando uma ou outra estratégia de investigação.
São perguntas como: qual a proporção de crianças efetivamente imunizadas no país? A cobertura vacinal é homogênea? Há bolsões de pessoas não protegidas? Se existem, onde estão? Há vacinas disponíveis nos postos de regiões com baixos níveis de imunização? Como é a estrutura desses postos? Quais as estratégias mais eficientes para informar a população sobre a importância da imunização? Há dificuldade de acesso às salas de vacinação? Os pais e as mães conhecem quantas e quais vacinas as crianças devem tomar? Consideram importante a imunização dos filhos? Confiam na segurança e na eficácia das vacinas? São contrários à vacinação? Por quais motivos deixam de imunizar os filhos? Qual a efetividade da divulgação das campanhas de vacinação via mídia tradicional e mídias sociais? Além de muitas outras.
“Precisamos conhecer a resposta a muitas delas para identificar as estratégias que permitam restabelecer de modo eficiente a confiança nas vacinas e na importância de tomá-las”, diz Eliseu Waldman, da USP.
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