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Brasil

O trauma nos tempos do cólera

O comportamento das vítimas da epidemia do cólera em Belém, em 1991, despertou a curiosidade da antropóloga Jane Felipe Beltrão, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Alguns dos doentes recusavam-se a deixar o hospital depois de curados, mesmo correndo o risco de nova contaminação devido ao contato com outras vítimas. Eles não acreditavam que, após algumas horas de hidratação e um tratamento com antibióticos, estavam livres do vibrião. Alguns citavam relatos de antepassados sobre uma epidemia de cólera no século 19, que matou 10% da população de Belém. Jane saiu a campo e constatou que o flagelo de 1855 estava vivíssimo na memória coletiva. “Quase todas as famílias perderam alguém na epidemia, que matou até o presidente da Província, Ângelo Custódio”, diz. A morte de Custódio, um dos líderes da Cabanagem, revolta popular ocorrida na década de 1830, marcou o imaginário da população pobre, que viu na tragédia significados profundos. O fenômeno não foi só brasileiro. Camponeses russos achavam que o cólera era um artifício para eliminá-los. Trabalhadores ingleses suspeitaram de envenenamento. A pesquisa da antropóloga transformou-se em tese de doutorado em 1999 e agora está sendo lançada no livro Cólera, o flagelo da Belém do Grão-Pará, editado pelo Museu Emílio Goeldi. Jane traça um paralelo entre a Belém de 1855 e a de 1991. “Ambas as populações eram muito pobres. As condições de saneamento de alguns bairros em 1991 pouco se diferenciavam daquelas em que viviam escravos e libertos do século 19”, conta.

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