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Obituário

O visionário da internet

O cientista da computação Eduardo Tadao Takahashi foi um dos responsáveis pela implantação da rede nacional de computadores no país

Takahashi em audiência no Senado Federal, em outubro de 2017

Geraldo Magela/Agência Senado

É impossível contar a história da internet no Brasil sem destacar o nome do cientista da computação Eduardo Tadao Takahashi, morto em 6 de abril, de forma inesperada, em razão de complicações cardíacas. Nascido há 71 anos em Marília, no interior paulista, ele teve papel fundamental no planejamento, na implantação e no desenvolvimento da internet no país. Nos anos 1980, Takahashi foi o idealizador da Rede Nacional de Pesquisa (RNP), organização vinculada ao então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), concebida para ser a infraestrutura nacional de uma rede de internet no âmbito acadêmico. A RNP instalou o primeiro backbone (estrutura física de rede) que permitiria a chegada da internet no país no início da década seguinte.

“A RNP nasceu em setembro de 1989 durante a feira Sucesu [Sociedade de Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários]. Poucos meses antes, nós havíamos lançado, por iniciativa da FAPESP, a rede Academic Network de São Paulo [Ansp], cujo objetivo era conectar as principais instituições de ensino e pesquisa paulistas”, recorda-se o cientista da computação Demi Getschko, que liderou a rede Ansp.

“Naquela época, o Tadao colaborava com o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Ele foi o grande estrategista e articulador para a montagem de uma rede nacional, que seria o embrião da internet comercial no país”, conta Getschko, atualmente na direção do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet (CGI), responsável pela coordenação dos serviços da rede no Brasil.

“A RNP foi algo muito avançado para o seu tempo. Em seus primórdios no país, a internet tinha uso restrito no ambiente acadêmico. Takahashi anteviu a importância dela para a sociedade e a ciência como um todo”, destaca o cientista da computação Virgílio Augusto Almeida, professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC-UFMG).

À frente da RNP entre 1988 e 1996, Takahashi também participou da criação do CGI e integrou o conselho desse comitê em dois períodos (1995-1998 e 1999-2003). No fim dos anos 1990, foi o responsável pelo estabelecimento da seção brasileira da Internet Society (Isoc), associação formada em 1992 nos Estados Unidos pelos pioneiros norte-americanos da tecnologia da internet Robert Kahn, Vinton Cerf e Lyman Chapin.

Atuando em várias frentes, Takahashi criou e dirigiu entre 1998 e 2003 o programa Sociedade da Informação (Socinfo), uma iniciativa do governo federal para articular e ampliar o uso estratégico da internet no Brasil em diversas áreas, como educação, saúde e governo.

“Tadao influenciou enormemente a concepção de governança da internet brasileira com participação multissetorial, que resultou na criação do CGI. Esse modelo recebeu e recebe cumprimentos da comunidade internacional e serviu de inspiração em inúmeros países”, afirma Ivan Moura Campos, professor emérito do DCC-UFMG e que também participou ativamente da implantação da internet no Brasil.

Em nota, a RNP lamentou a perda de seu fundador e destacou sua contribuição para o desenvolvimento digital do país. “A formação de recursos humanos em temas estratégicos, especialmente em educação e pesquisa, a construção de políticas públicas para a sociedade da informação e a ampliação da internet para a sociedade estão entre seus principais legados para o Brasil e a América Latina.”

Início na sala de aula
Graduado em ciência da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1972, e em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC- Campinas) no ano seguinte, Takahashi iniciou sua carreira acadêmica em meados da década de 1970 como professor do recém-criado Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (DCC-Imecc) da Unicamp.

“Na época, a Unicamp tinha um único computador, um IBM 1130, com 32 k de RAM e 5Mb de HD, conectado a uma impressora e uma leitora de cartões perfurados, e os cursos iniciais de programação causavam uma sobrecarga significativa nessa máquina”, informou a Unicamp em nota de falecimento de Takahashi.

“Uma das primeiras iniciativas do professor Tadao foi justamente instalar na Unicamp o compilador Fortran Coppefor, feito na Coppe-UFRJ [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro], visando agilizar o processo de compilação, desafogando a máquina e facilitando a vida dos alunos.”

Em 1976, Takahashi afastou-se temporariamente da universidade para cursar mestrado em tecnologia e informática no Instituto de Tecnologia de Tóquio, no Japão. Após a conclusão do curso, em 1979, retornou à Unicamp onde permaneceu até a década seguinte. Trabalhou por um tempo no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), em Campinas, e depois ingressou no CNPq.

Getschko recorda-se de que ele chegou a começar o doutorado, mas não o concluiu. “Ele não era um pesquisador stricto sensu, no sentido de gerar trabalhos na área, mas um gestor de projetos de pesquisa. Era muito bem informado e com entendimento profundo em muitas áreas do conhecimento.”

Outra importante contribuição de Takahashi foi na organização do documento Sociedade da informação no Brasil – Livro verde, lançado em 2000. “A obra, que teve a colaboração de mais de 20 especialistas da academia, do governo e da iniciativa privada, traduz seu caráter visionário. Apresentava um plano para o Brasil se inserir mais concretamente na sociedade da informação, onde a computação teria um papel importante não apenas na economia, mas na sociedade e no governo”, destaca Almeida, da UFMG, que participou da iniciativa. “Takahashi tinha uma visão ampla do mundo; não era um burocrata típico nem tinha apego a cargos. Queria construir coisas.”

Hall da Fama
Perfeccionista, reservado e exigente, Takahashi era, na opinião do cientista da computação Silvio Meira, professor emérito do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), uma pessoa esférica, com quem se podia conversar sobre tudo. “Ele sempre tinha um ponto de vista, muito mais do que uma opinião, sobre o qual você tinha que prestar atenção e refletir”, conta Meira, que participou de vários projetos com Takahashi.

Em 2017, o criador da RNP tornou-se o segundo brasileiro a ingressar no Hall da Fama da internet. Considerada a maior honraria para profissionais da área, o prêmio, conferido pela Internet Society, homenageia indivíduos que contribuíram para o desenvolvimento da internet global. Personalidades como Cerf, um dos pais da internet e cocriador do protocolo de transmissão de dados TCP/IP, e Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, fazem parte do grupo homenageado.

O primeiro brasileiro laureado havia sido Getschko, em 2014. Depois dele, somente outros três profissionais do país passaram a integrar o Hall da Fama: Michael Stanton, ex-diretor da RNP e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2019, Liane Tarouco, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Carlos Afonso, diretor-executivo do Instituto Nupef, que implanta redes comunitárias em áreas de baixa renda na região Norte, ambos no ano passado.

Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf.

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