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Cosmologia

Observatório Vera Rubin vai mapear todo o céu visível nos próximos 10 anos

Cerca de 170 cientistas brasileiros participarão de projetos de pesquisa no novo telescópio, instalado no Chile

Observatório Vera Rubin, em Cerro Pachón, no Chile, em abril deste ano durante sua fase de testes

RubinObs / NOIRLab / SLAC / NSF / DOE / AURA / P. Horálek (Instituto de Física de Opava)

Em 23 de junho, a maior câmera digital construída pelo homem forneceu as primeiras amostras de sua capacidade de varrer vastas porções do céu com uma riqueza de detalhes sem precedentes. Nessa data, foi divulgada cerca de uma dezena de imagens produzidas pela Câmera LSST, nome formal desse potente instrumento óptico, instalado no Observatório Vera Rubin. Situado no Cerro Pachón, montanha dos Andes chilenos com cerca de 2.700 metros (m) de altura, esse novo telescópio terrestre norte-americano acaba de ser inaugurado, está em sua fase final de testes e deverá entrar em operação regular ainda neste semestre. Sua câmera funciona em sintonia com um sofisticado sistema de três espelhos combinados do telescópio, tendo o maior deles 8,4 metros de diâmetro.

A maior parte dos registros iniciais do Vera Rubin mostra panorâmicas, construídas pela junção de centenas de imagens, e close-ups de setores do aglomerado de Virgem, estrutura gigantesca que reúne cerca de 1.500 galáxias, entre as quais a Via Láctea. Outro conjunto foca nas nebulosas Laguna e Trífida, duas nuvens de poeira e gases situadas no espaço entre as estrelas, na constelação de Sagitário, a cerca de 5 mil anos-luz da Terra. Também foram divulgados vídeos, produzidos pela sobreposição de registros de uma mesma região do céu captados ao longo do tempo. Em um deles, é possível ver asteroides se movendo em meio a galáxias. Cada imagem do Vera Rubin é tão grande que seria preciso dispor de 400 televisores de altíssima resolução para vê-la em seu tamanho original ou projetá-la sobre as paredes de um prédio de 12 andares.

Empreendimento de US$ 810 milhões, financiado pela National Science Foundation (NSF) e pelo Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos, o Vera Rubin começou a ser concebido há mais de 25 anos. Em 2015, sua construção teve início. Até o início de 2020, o observatório era denominado Grande Telescópio de Levantamento Sinóptico. Seu nome foi alterado para homenagear a astrofísica norte-americana Vera Rubin (1928-2016), que produziu as primeiras evidências confiáveis da existência da matéria escura (ver Pesquisa FAPESP nº 338).

“O Vera Rubin fará um mapeamento do céu austral durante os próximos 10 anos com uma resolução sem precedentes e permitirá a descoberta de bilhões de novos objetos”, diz o físico Rogério Rosenfeld, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), um dos pesquisadores brasileiros que vai estudar a expansão acelerada do Universo com dados do novo observatório.

Apesar de ser uma iniciativa essencialmente norte-americana, o Vera Rubin será usado por aproximadamente 3 mil pesquisadores de aproximadamente 30 países. Por meio de acordos internacionais, o Brasil obteve o direito de indicar cerca de 170 pesquisadores para participar de projetos de pesquisa realizados com dados captados pelo observatório. Desse contingente, 34 têm o status de pesquisador principal, o chamado PI. Os demais são investigadores assistentes e alunos de pós-graduação. Por ora, pelo menos 10 pesquisadores principais são de instituições paulistas. Cinco deles, quatro da Universidade de São Paulo (USP) e um da Unesp, contam com financiamento da FAPESP para tocar projetos de pesquisa com dados do Vera Rubin.

RubinObs / NSF / DOE / NOIRLab / SLAC / AURA /T. Lange O Observatório Vera RubinRubinObs / NSF / DOE / NOIRLab / SLAC / AURA /T. Lange 

O físico Raul Abramo, do Instituto de Física (IF) da USP, vai observar quasares (núcleos ativos de galáxias) para mapear o Universo profundo e distante e também comparar dados de galáxias e supernovas (fortes explosões de estrelas moribundas) com observações de ondas gravitacionais. “Nessa segunda linha de pesquisa, meu plano é utilizar esses dados para testar uma técnica nova para medir a taxa de expansão do Universo, a tal constante de Hubble”, explica Abramo. O físico Riccardo Sturani, do IFT-Unesp, também vai combinar dados de observações de ondas gravitacionais e imagens dos catálogos do Vera Rubin para aprimorar as medições sobre a expansão cosmológica. “O observatório vai fornecer o mapa mais completo e profundo das galáxias que já obtivemos”, comenta Sturani.

A astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, vai buscar objetos anômalos, como quasares e asteroides, e classificar galáxias a partir de dados do Vera Rubin e de outros mapeamentos celestes usando técnicas de aprendizado de máquina e deep learning. Seu colega de unidade, o astrofísico Eduardo Cypriano vai usar a técnica de lentes gravitacionais fracas para estudar aglomerados de galáxias. “Esse tipo de pesquisa requer a observação de áreas vastas, por meio de imagens com grande profundidade e de excelentes propriedades ópticas. O Vera Rubin foi desenhado com tudo isso em mente”, diz Cypriano. Com a potente câmera do novo observatório, Alex Cavaliére Carsiofi, do IAG-USP, pretende identificar e estudar a população de estrelas Be na Via Láctea. Nessas estrelas, há uma correlação entre baixa metalicidade e rotação elevada.

A estimativa é de que, apenas em seu primeiro ano de operação, o novo observatório gere mais dados do que todos os telescópios existentes produziram até agora. “O mapeamento do Vera Rubin vai digitalizar todo o céu austral visível. Será uma revolução na cosmologia”, afirma o físico Luiz Nicolaci, diretor do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA). O pesquisador coordenou, por meio do LIneA, a participação brasileira em mapeamentos que antecederam e inspiraram a criação do Vera Rubin, como o Dark Energy Survey (DES) e o Sloan Digital Sky Survey (SDSS), e é o principal articulador da participação nacional no novo observatório. “Sem contar os Estados Unidos, somos o quinto país entre os parceiros internacionais com mais pesquisadores envolvidos com o Vera Rubin”, comenta o físico.

O Brasil não investiu diretamente dinheiro na construção do Vera Rubin. A contribuição nacional se dá por meio da participação do país no processo de transmissão das informações obtidas pelo observatório no Chile até o Brasil, e daqui para os Estados Unidos, e na montagem de um centro no Rio de Janeiro para processar, analisar e distribuir os dados do Vera Rubin. Esse centro, que recebeu uma verba de R$ 7 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), situa-se fisicamente no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), mas sua administração está a cargo do LIneA. Outros nove centros de dados semelhantes estão sendo construídos no mundo para receber os dados do Vera Rubin.

Em parceria com a rede acadêmica norte-americana Lauren/AmLight, a Research and Education Network at São Paulo (Rednesp) – rede financiada pela FAPESP que conecta dezenas de instituições de educação e pesquisa do estado de São Paulo entre si e com o exterior – será usada para transmitir os dados gerados pelo Vera Rubin em Cerro Pachón, no Chile, até Miami, na Flórida. Nos Estados Unidos, os dados serão processados e, posteriormente, distribuídos para todo o mundo. Nos últimos 15 anos, foram alocados cerca de US$ 60 milhões para a Rednesp, que agora está em tratativas para renovar o acordo de conexão com a Lauren/AmLight.

NSF–DOE Observatório Vera C. RubinRegião do aglomerado de Virgem, estrutura que concentra cerca de 1.500 galáxias, vista pelo Observatório Vera RubinNSF–DOE Observatório Vera C. Rubin

A câmera do Vera Rubin pesa 3 toneladas, tem o tamanho de um carro pequeno e resolução de 3.200 megapixels, equivalente à capacidade de 260 celulares modernos dotados de sensores ópticos. Ao ser apontada para o firmamento, capta uma área equivalente a 45 luas cheias. Cada noite com boas condições de observação, em torno de 270 ao ano naquela zona do Chile, vai produzir cerca de mil imagens. Muito ágil, apesar de seu peso e tamanho, a câmera se move rapidamente e consegue registrar todo o céu visível a cada três ou quatro dias. Um mesmo ponto do céu será observado cerca de 800 vezes pelo Vera Rubin ao longo dessa varredura do Cosmo.

“A sequência de imagens vai gerar um filme do Universo com duração de 10 anos”, comenta a astrofísica Thaisa Storchi-Bergmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “À medida que as imagens sucessivas de um mesmo objeto se acumularem, vai ser possível observar variações de brilho, e diferentes fontes terão diferentes assinaturas de variabilidade.” Storchi-Bergmann vai coordenar um projeto no Vera Rubin para estudar a variabilidade produzida pela captura de matéria por buracos negros supermassivos no centro das galáxias.

A ciência produzida com os dados do Vera Rubin será feita por grupos de pesquisa inseridos em oito grandes colaborações internacionais. Cada iniciativa terá um foco central. “Os principais temas de interesse para estudos com dados do observatório serão a matéria escura, a energia escura, fontes transientes de todos os tipos [eventos cataclísmicos, como explosões ou enormes variações de brilho], a formação de grandes estruturas no Universo e o mapeamento do Sistema Solar e da Via Láctea”, diz o físico Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), coordenador-geral de Programas Estratégicos e Infraestrutura da FAPESP. De natureza desconhecida, a matéria escura e a energia escura representam cerca de 95% do Universo conhecido (o restante é formado pela matéria convencional, visível).

As primeiras imagens de teste captadas pelo novo observatório instalado no Chile dão uma ideia de sua enorme capacidade de gerar novos dados sobre o Universo. Em apenas 10 horas de observação, foram registrados 2.104 asteroides no Sistema Solar que nunca tinham sido avistados, sete deles relativamente perto da Terra (mas sem nenhum risco de colisão). O número de corpos rochosos em órbita em torno do Sol registrado pelo Vera Rubin nesse curto período de testes equivale a 10% dos asteroides descobertos anualmente por todos os telescópios em operação, terrestres e espaciais.

Durante seus 10 anos dedicados ao mapeamento do céu austral, o observatório deverá detectar 38 bilhões de objetos, dos quais 20 bilhões de galáxias e 17 bilhões de estrelas, além de 10 milhões de explosões estelares denominadas supernovas e 6 milhões de corpos celestes dentro do Sistema Solar. Estima-se que, a cada noite operacional, o Vera Rubin vai disparar 10 milhões de mensagens de alerta para centros de pesquisa espacial e outros telescópios, avisando que pode ter observado novos cometas, asteroides, planetas ou estrelas. Não será fácil trabalhar com essa montanha de dados e avisos. É a big data chegando de vez na cosmologia.

A reportagem acima foi publicada com o título “Céu digitalizado” na edição impressa nº 355 de setembro de 2025.

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