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ONSA

ONSA, o Instituto Virtual Genoma de São Paulo

Artigo do professor José Fernando Perez e do Dr. Andrew Simpson, publicado na revista nº 9, volume 16 setembro de 1998.

O Estado de São Paulo, no Sudeste do Brasil, abriga aproximadamente um décimo da população da América Latina e, historicamente, tem sido a força econômica do desenvolvimento regional. A agência estadual responsável pelo financiamento à pesquisa científica — FAPESP —, tem uma invejável autonomia e orçamento que possibilitaram repassar cerca de US$ 260 milhões para os pesquisadores do Estado, em 1997. Esses fundos, suplementados com recursos vindos das agências federais de pesquisa, têm permitido o apoio para todas as propostas avaliadas por sua assessoria. Em um contexto de limitados orçamentos para pesquisa em muitas regiões do mundo, essa situação favorável cria tanto oportunidades quanto responsabilidades no planejamento estratégico da pesquisa.

A produção científica de São Paulo, medida pelo critério já consagrado de citações em publicações, tem registrado um crescimento maior que a média mundial em quase todas as áreas da pesquisa, sendo a genética molecular (e em particular seqüenciamento de genoma) uma das poucas exceções. Em vista de sua indiscutível importância, o desafio que se apresentava foi enfrentado com a criação do ONSA, o Instituto Virtual de Genoma de São Paulo. O mais dispendioso e óbvio meio de capacitação de pesquisadores em seqüenciamento genético tem sido a criação de centros dedicados a esse fim. Contudo, seria impossível, com essa solução, estimular o setor de pesquisa de todo o estado. Uma solução alternativa foi a adoção de um programa que fizesse uma chamada geral para apresentação de propostas de pesquisa na área de genética molecular e seqüenciamento genético. Viu-se, mais uma vez, que esse tampouco seria o meio mais apropriado, devido ao pequeno número de pesquisadores com experiência na área e a provável fragmentação da iniciativa, que poderia impedir qualquer progresso significativo.

Uma terceira possibilidade foi a criação de uma rede com uma coordenação central, trabalhando em projetos definidos, mas fisicamente espalhada por todo o estado. Vale a pena mencionar que, na visão de alguns, as seqüências de genomas eram tão importantes que a solução mais rápida e eficiente para gerá-las seria sua contratação junto aos grandes laboratórios do exterior. Mas esta opção foi fortemente rejeitada. O trabalho com seqüenciamento genético, para expandir-se, requer uma mudança de mentalidade. Isto só pode ser adquirido pela participação. Nosso risco, se optássemos por aquela alternativa, era não somente de não participar da produção de toda a seqüência do genoma, mas, também, de não adquirir competência para saber usar os dados genéticos gerado por outros.

A produção local da totalidade das seqüências do genoma e a eficiente identificação dos genes expressos, apesar decomplexas do ponto de vista gerencial, foram consideradas prioridades. A solução final foi a criação e coordenação, pela FAPESP, de seu próprio projeto Genoma, do qual participariam os vários laboratórios interessados. Em maio de 1997, a idéia foi apresentada a um grupo reduzido de pesquisadores com experiência em genética molecular e foi entusiasticamente recebida. Entre os meses de maio e setembro do ano passado, aproximadamente, foram realizadas reuniões semanais, para as quais Steve Oliver e André Goffeau, do Projeto Genoma da Levedura, foram convidados em diferentes ocasiões para discutir a proposta e contribuir com idéias.

Rapidamente, foi decidido que, como projeto piloto, seria realizado o seqüenciamento do genoma de uma bactéria com cerca de 2Mb e que este trabalho seria realizado por uma rede de 25 a 30 laboratórios. Para este fim, foram solicitados recursos de cerca de US$ 12 milhões ao Conselho Superior da Fundação. Foi, então, aprovado que seria adotada a estrutura básica do projeto de seqüenciamento genético da levedura, com a seleção de Coordenadores de DNA e Bioinformática e, também, com a indicação de dois laboratórios centrais de seqüenciamento que teriam a responsabilidade pelo treinamento e pela geração das seqüências necessárias. O modelo escolhido baseou-se mais em contratos do que em propostas de pesquisa.

Os níveis de pagamentos foram amplamente suficientes para o início das atividades, permitindo a todos os laboratórios participantes a compra de um seqüenciador automático (embora isto não fosse obrigatório) e provendo uma melhoria significativa na disponibilidade de equipamentos para uso neste e em outros projetos de interesse individual dos laboratórios. A questão principal voltou-se, então, para a escolha do organismo a ser seqüenciado. Como os recursos da FAPESP vêm diretamente do bolso dos contribuintes em uma sociedade com muitas desafios econômicos e sociais, é essencial que o investimento em pesquisa seja percebido como uma importante ferramenta para se atingir a competitividade econômica. Portanto, decidiu-se que o organismo a ser seqüenciado deveria ser de relevância direta para a economia do estado de São Paulo.

O candidato mais óbvio não foi difícil identificar: a Xylella fastidiosa. Em 1992, comprovou-se ser essa bactéria responsável pela Clorose Variegada de Citros (CVC), uma doença que representa a principal ameaça ao cultivo de laranja em São Paulo. O Estado é uma das duas maiores regiões citrícolas no mundo (a outra é a Flórida), com 30% da produção mundial de suco de laranja. Direta e indiretamente, a indústria gera 400 mil empregos e a exportação de suco concentrado de laranja representa cerca de US$ 1,4 bilhão anuais para a balança de pagamentos do Brasil. A CVC, contudo, está ameaçando destruir totalmente essa valiosa indústria e cerca de 30% de todas as árvores de laranja no Estado já exibem sintomas da doença. Concluiu-se, assim, que o seqüenciamento do genoma deste importante patógeno vegetal poderia trazer uma contribuição concreta ao desenvolvimento de estratégias para o combate à CVC.

Verificava-se, contudo, que nenhum pesquisador de instituto público de pesquisa ou universidade do Estado tinha qualquer experiência molecular com a X. fastidiosa. O mais grave era que não havia sequer um grupo com experiência em cultivo da bactéria em laboratório. O problema prático, portanto, era como montar um projeto genoma nesse vácuo científico virtual, no qual não havia experiência prévia significativa em seqüenciamento genético e, também, pouca experiência com organismo a ser seqüenciado. Foi necessária uma certa coragem e o estímulo para dar o mergulho definitivo no projeto veio da Fundecitrus, uma organização de pesquisa fundada pelas indústrias de laranja, que foram batalhando intensivamente o desenvolvimento da cultura e metodologias de diagnóstico para a X. fastidiosa, ao mesmo tempo em que realizaram estudos epidemiológicos da dinâmica da CVC. A Fundecitrus apresentou o Professor Joseph Bové e a Dra.

Monique Garnier, do INRA Bordeaux, à FAPESP. Esses pesquisadores, que originalmente identificaram a X. fastidiosa como agente da CVC, ofereceram-se para dar apoio básico ao projeto e assegurar sua viabilidade. Além disso, de forma significativa, a Fundecitrus contribuiu com recursos consideráveis para a execução do projeto. Nessas condições, a decisão foi tomada, nomeando-se um comitê de acompanhamento composto por Steve Oliver, André Goffeau e John Sgouros, do Projeto Genoma da Levedura, e Antonio C. M. Paiva e João L. Azevedo, membros eminentes da comunidade científica local.

A iniciativa foi aprovada pelo Conselho Superior da FAPESP no começo de outubro e um convite à participação de laboratórios e grupos de pesquisa foi colocado na homepage da FAPESP. Foram recebidas propostas para as posições de laboratório central e mais de 100 grupos manifestaram seu desejo de participar na condição de laboratório seqüenciador. Em 15 de novembro, os grupos escolhidos foram anunciados, e o projeto começou com um prazo de conclusão previsto para 30 meses.

Natal e Ano Novo não são, provavelmente, as melhores épocas para embarcar numa aventura tão importante como esta. Contudo, o ONSA está provando não respeitar tradições. No final do mês de abril deste ano, 35 seqüenciadores automáticos já haviam sido comprados, importados e instalados em todo o Estado de São Paulo e todos os grupos de seqüenciamento tinham recebido treinamento básico. A cultura do organismo tinha sido dominada e já se produzira DNA suficiente para permitir o prosseguimento do projeto.

Pesquisadores individuais realizaram curtas visitas de treinamento a importantes laboratórios em todo o mundo, incluindo os da TIGR, o de Joerg Hoheisel, do Centro Alemão de Pesquisa do Câncer, em Heidelberg, e o de Joseph Bové, em Bordeaux. Séries de bibliotecas de DNA foram construídas com a ajuda de nossos colaboradores europeus, um rico conjunto de informações foi incorporado sobre a estrutura da população da X. fastidiosa e mais de 500kb de seqüências foram efetivamente geradas. Em meados de junho, o total de seqüências reunidas havia saltado para mais de 3.0Mb obtidas pelo sistema shotgun e por bibliotecas de digestão total e o sequenciamento dos cosmídeos ordenados estava sendo iniciado.

O acontecimento criado pela nossa experiência inicial com o genoma da X. fastidiosa e a resposta positiva das comunidades científica, financeira e comercial do Estado, fizeram a iniciativa crescer e transformar-se em um Programa da FAPESP, com US$ 15 milhões reservados parainvestimentos. Dois projetos mais longos foram elaborados e estão prontos para serem lançados. É significante que ambas as propostas vieram de fundações particulares: a Copersucar (uma fundação de pesquisa fundada pela poderosa indústria de cana de açúcar de São Paulo) e o Hospital A. C. Camargo (o principal hospital de câncer do Estado).

Os novos projetos serão do tipo EST, ou seja, de estudo dos genes expressos e resultarão em iniciativas mais importantes: de um lado, um projeto genoma cana, e, de outro, para estender a iniciativa da US CGAP (Cancer Genome Anatomy Project, do NIH) a tumores de maior incidência e importância para a saúde pública no Brasil. A próxima fase prevista é a convocação de propostas para o seqüenciamento de outros pequenos genomas.

Com o avanço para um programa estadual, o conceito da iniciativa foi consolidado e, até onde estamos informados, foi criado o primeiro “instituto virtual” do mundo. O Instituto foi chamado de ONSA, sigla de Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis. Onça é o felino selvagem brasileiro que guarda um parentesco longínquo com o tigre (algumas vezes escrito como TIGR!). A escolha do nome foi feita em respeito à enorme contribuição dada por Craig Venter e seus colegas e nós faremos o máximo para manter a contribuição felina ao seqüenciamento de genomas no mais alto nível. Todos os projetos da ONSA serão realizados pela mesma rede flexível de laboratórios participantes sob a mesma coordenação geral.

Acreditamos que o instituto virtual representa um paradigma alternativo para o ingresso de comunidades de pesquisa com pouca experiência prévia no campo do seqüenciamento genético. A importância do ONSA está na condução, pela comunidade de pesquisa, de grandes projetos de importância estratégica sem a necessidade de criar infra-estrutura física, implantar equipe administrativa ou pagar salários e, certamente, sem a necessidade de fortes grupos de pesquisa pré-existentes na área de escolha. Por outro lado, a experiência, os equipamentos e a competência adquiridos são rápida e amplamente dispersos por toda a comunidade, o que nos leva a acreditar que pode ser esperado um avanço na implementação de seqüenciamentos genéticos em uma grande variedade de áreas. Foi também provado ser este sistema um meio efetivo de obter investimentos diretos de recursos privados em pesquisa básica, o que tem sido um desafio à efetiva integração da comunidade de pesquisa na vida econômica do país.

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