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Resenha

Os artigos da maturidade de Schönberg

Obra científica de Mario Schönberg – Volume 2 – 1949 a 1987 | Amélia Império Hamburger (coord.) | Edusp, 808 páginas, R$ 113,00

Este é o segundo volume das obras científicas do físico teórico Mario Schönberg (1914-1990), organizado por Amélia Império Hamburger. O volume anterior recebeu o Prêmio Jabuti 2010, premiação que contribui para valorizar a iniciativa da publicação das obras científicas de cientistas eminentes. Amélia Hamburger faleceu em 2011, deixando a organização deste volume quase concluída. Coube a Sílvio Salinas, ex-diretor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), levar a bom termo a sua conclusão, o que incluiu a escrita de uma “nota introdutória” e decisões editoriais quanto a inclusões e exclusões no referido volume.

Mario Schönberg nasceu em Recife, em família judaica. Veio para São Paulo atraído pela criação da USP. A física na recém-criada USP desenvolveu-se rapidamente sob a liderança de Gleb Wataghin, trazido da Universidade de Turim com a missão específica de criar o departamento de física da nova universidade. A disciplina floresceu e adquiriu projeção internacional ainda no final da década de 1930. A primeira área a adquirir relevo foi a pesquisa em raios cósmicos. Foi nesse ambiente pleno de motivações e de desafios que Schönberg se projetou como físico teórico no Brasil e no exterior, levando Salinas a apresentá-lo como o “decano dos físicos teóricos brasileiros”. No cenário da cultura brasileira Schönberg destacou-se também como crítico de arte e como político, tendo sido eleito no pós-Segunda Guerra deputado estadual constituinte por São Paulo pelo Partido Comunista. Perseguido pelo regime de arbítrio instaurado em 1964, foi aposentado compulsoriamente com base no AI-5 e viu-se afastado da universidade que ajudara a construir.

A obra organizada por Amélia Hamburger e finalizada por Salinas, seus colegas no Instituto de Física da USP, reúne 38 artigos publicados em revistas científicas, além de sete trabalhos publicados em livros ou anais de conferências, todos do período 1949-1987. Esta produção não está distribuída homogeneamente. O expressivo número de artigos publicados no início da década de 1950, quando Schönberg cumpriu longa estada na Universidade Livre de Bruxelas, contrasta com o número mais reduzido de publicações na década de 1960, o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pelas atribulações decorrentes das perseguições políticas sofridas por ele a partir do golpe civil-militar perpetrado em 31 de março de 1964.

Este volume reúne o que Salinas chamou de “artigos da maturidade”. Schönberg publicou trabalhos sobre raios cósmicos, muitos em colaboração com Connie Dilworth e Giuseppe Occhialini, trabalhos em problemas de fundamentos da mecânica quântica e trabalhos sobre mecânica estatística clássica com uso de segunda quantização, os quais têm sido mais apreciados com o passar do tempo. O interesse em problemas de fundamentos o levou à publicação de artigos sobre as relações entre mecânica quântica e geometria, entre os quais uma síntese dos mesmos apresentada em seminário em homenagem ao centenário de Max Planck. Sobre estes trabalhos, Salinas considera que “há grande originalidade nessas tentativas de unificação da mecânica quântica com o eletromagnetismo maxwelliano e a gravitação de Einstein”. Observa, ainda, que “essa unificação é um problema difícil e não resolvido”, e afirma ter a “impressão de que os maiores sucessos da física contemporânea caminharam em outra direção, possibilitando a unificação da mecânica quântica e do eletromagnetismo com as interações fracas e fortes”. Salinas conclui afirmando que “ainda não há consenso sobre a forma de incluir a gravitação nesse grande cenário unificador”.

A avaliação de Salinas parece-nos essencialmente correta, mas cabe ser notado que se trata de análise a posteriori. Em meados da década de 1950 as expectativas sobre a unificação gravitação e eletromagnetismo eram bem maiores e Einstein havia dedicado mais de 20 anos ao problema. O programa de Einstein não incluía, contudo, tomar a teoria quântica como ponto de partida. Schönberg, e muitos de seus contemporâneos, ao contrário, tomavam a quântica como um ingrediente essencial nesta unificação. Schönberg dedicou-se, portanto, ao que era visto no seu tempo como um problema crucial, ainda que o tempo tenha revelado que o problema era mais difícil que o avaliado inicialmente.

Olival Freire Jr. é professor do Instituto de Física da UFBA e pesquisador do CNPq em história das ciências.

Nota da redação
A coordenadora do livro, Amélia Império Hamburger, optou por grafar o nome de Mario Schönberg do mesmo modo como ele assinava seus artigos científicos e não como Mario Schenberg, a maneira com a qual passou assinar os textos sobre crítica de arte e de divulgação científica.

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