Os programas de pós-graduação do Brasil precisam mudar para atrair jovens talentos em grande quantidade. Entre as mudanças necessárias incluem-se a oferta de uma formação mais ampla e multidisciplinar, que permita aos pesquisadores desenvolverem novas habilidades por exemplo no campo da inovação, do empreendedorismo e da sustentabilidade, além de uma exposição maior a problemas que atingem a sociedade e a busca de soluções para eles por meio de trabalho em rede. Esse conjunto de desafios foi apresentado pelo diretor científico da FAPESP, Marcio de Castro Silva Filho, na sessão sobre formação de pessoas para ciência, tecnologia e inovação da Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, na tarde de sexta-feira (08/03).
Castro Silva, que foi diretor de Relações Internacionais e de Programas e Bolsas na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pró-reitor de Pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), discutiu os contornos da crise que atinge os programas de mestrado e doutorado do país. Em decorrência da pandemia, houve uma queda de 17,8% no número de títulos de doutorado concedidos entre 2019 e 2020, de 24.422 para 20.066. Esse número voltou a subir ligeiramente em 2021 e com maior intensidade em 2022, quando atingiu 22.296 títulos concedidos, mas ainda está 6,1% abaixo do registrado em 2019. A recuperação, ele observou, vem se dando de forma desigual e, em São Paulo, a velocidade é menor do que a de outros estados.
O diretor científico da FAPESP enumerou alguns indicadores preocupantes que, na sua avaliação, deveriam inspirar ações específicas de universidades e agências de fomento ou aperfeiçoamento de políticas públicas. Por exemplo, mencionou o fato de, nos programas de pós-graduação com notas 6 e 7, as mais elevadas na avaliação da Capes, haver mais de 50% dos orientadores com idade acima de 55 anos, muitos próximos da aposentadoria. Também se referiu à falta de financiamento adequado. Em algumas áreas, 70% dos jovens fazem pós-graduação sem ter bolsa nem estar atrelado a um projeto de pesquisa que receba financiamento. Segundo ele, há um problema estrutural que precisa ser abordado: o país, nos últimos anos, buscou preservar recursos para bolsas, mas com muita frequência os estudantes de pós-graduação não dispõem de um projeto de pesquisa para desenvolver adequadamente suas atividades. “O país não pode contar só com bolsas. Há necessidade de investimento em projetos, equipamentos, custeio e infraestrutura”, explicou.
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Outro fator que compromete a atratividade da pós-graduação no país é o longo tempo de formação, que chega a 15 anos, da graduação até o doutorado. “Um jovem doutor se forma no Brasil com 37 ou 38 anos, faz dois anos de pós-doc e entra no mercado de trabalho aos 40 anos de idade, pelo menos 10 anos mais tarde do que acontece em outros países”, explicou. O apoio limitado a pesquisadores no pós-doutorado é outro flanco importante. Enquanto o estado de São Paulo forma perto de 7 mil doutores por ano, as bolsas oferecidas pela FAPESP que atendem pós-doutorandos totalizam pouco mais de 1,1 mil. “A Capes praticamente descontinuou seu programa de pós-doutorado e o CNPq tem uma política modesta nessa área. O resultado é que temos 24 mil doutores formados por ano no país e apenas cerca de 2 mil bolsas para pós-doutorados. Precisamos buscar atender a essa força de trabalho extremamente qualificada. Esse é um aspecto crítico.”
Também é preciso seguir enfrentando as assimetrias do sistema, segundo Castro Silva. Quando se analisa a trajetória do sistema brasileiro da pós-graduação na década passada, chama a atenção o crescimento maior do número de programas de titulados em regiões menos consolidadas, como o Norte e o Nordeste. Mas ele observa que a análise em nível regional é insuficiente para enxergar os desafios. “Quando olho a região Nordeste, por exemplo, e comparo o Rio Grande do Norte com o Maranhão, a diferença entre esses estados é muito maior do que se compararmos a região Nordeste e a região Sul”, disse. Da mesma forma, no Norte, as diferenças entre Pará e Acre são maiores do que as da região como um todo e o Sul ou o Sudeste. “Quando falamos de diferenças regionais, dessas assimetrias, é preciso trazer também para a discussão o que ocorre dentro das próprias regiões a fim de que políticas possam ser formuladas.”
O sistema brasileiro de pós-graduação teve uma trajetória de grande sucesso, que levou o país ao patamar de um dos 15 maiores produtores de conhecimento no mundo, o que se torna especialmente impressionante para uma nação que começou a criar suas universidades apenas a partir do século XX. Mas Castro Silva observou que algumas mudanças de rumo são necessárias. Segundo ele, a tendência em países como Alemanha, Estados Unidos ou Austrália é que uma proporção cada vez maior de doutores, em vez de seguir carreira acadêmica, atua em empresas, organizações não governamentais, governos ou se torna empreendedor. “Precisamos preparar os doutores para esse mundo novo em que há outras oportunidades além do ambiente acadêmico.”
Na sessão sobre formação de pessoas para ciência, tecnologia e inovação, a economista Fernanda Graziella Cardoso, pró-reitora de Graduação da Universidade Federal do ABC (UFABC), chamou a atenção para um grande problema de fundo: o fato de que três quartos dos jovens de 18 a 24 anos no país não acessam o ensino superior e só 43% completam o ensino médio. Também destacou outra mazela que mina a capacidade do país de melhorar a formação de seus cidadãos: o desinteresse dos jovens em fazer cursos superiores que formam docentes. “Como viabilizar a formação de pessoas para ciência, tecnologia e inovação se não houver professores interessados em se qualificar para essa missão?”, indagou, mencionando uma recente reportagem de capa da revista Pesquisa FAPESP sobre a crise nas licenciaturas.
Entre os fatores que contribuem para manter esse círculo vicioso, ela destacou a fragilização das condições socioeconômicas do país, intensificadas pela pandemia, os efeitos do negacionismo e da desvalorização da ciência na sociedade e os baixos salários da carreira docente, além do descompasso de métodos e interesses em sala de aula. “Temos educadores do século XX e estudantes do século XXI”, afirmou. A pró-reitora apontou três caminhos para enfrentar esse cenário. Um deles é a adequação dos currículos de graduação, com a modernização de projetos pedagógicos, guiada pela complexidade dos problemas da realidade. Outra é a aproximação com a comunidade, desafiando os estudantes a refletir sobre os desafios apresentados pelo ambiente em que vivem. Um terceiro caminho é ampliar a conexão com o setor produtivo. “A aproximação das instituições de ensino superior com o setor produtivo é valiosa tanto para formar profissionais qualificados para o futuro quanto para resolver problemas do presente”, disse.
A engenheira Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da USP e coordenadora-geral da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), destacou que existe uma profusão de diagnósticos e de propostas e iniciativas robustas já disponíveis, que apontam caminhos para reverter o baixo desempenho dos estudantes brasileiros medido em indicadores internacionais. “A prioridade número 1 precisa ser criar um pacto nacional pela educação em todos os níveis. Há recursos, mas não podemos permitir que sejam utilizados de forma pulverizada e sem articulação”, diz ela. Lopes enumerou outras recomendações, tais como apoio para a educação continuada de professores, investimentos na transformação digital das escolas e foco em resultados. “Precisamos dar mais autonomia e liberdade para os alunos escolherem os problemas que são mais significativos para eles.”
Também participaram da sessão, Breno Santos, pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de São Paulo, e Laura Laganá, diretora-superintendente do Centro Paula Souza.
O vídeo com as duas últimas sessões de sexta-feira (08/03) pode ser acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=UE5Md5UlxWI
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