As navegações da época dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI, dependiam basicamente de conhecimentos astronômicos. Estes, por sua vez, eram fundados na matemática. Quando portugueses e espanhóis iniciaram a era das grandes conquistas, a matemática mais avançada não havia chegado aos reinos da península Ibérica. O que eles praticavam era baseado na aritmética, na geometria e na astronomia da Antiguidade.
A matemática começava a tomar novos rumos, especialmente na Inglaterra com os monges filósofos como Roger Bacon, Thomas Bradwardine, Guilherme de Ockham e com os estudos realizados no Merton College, escola que deu origem à Universidade de Oxford. De acordo com a historiografia do período, esse desenvolvimento ocorreu a partir de 1096 graças ao contato com a cultura muçulmana ocasionado pelas Cruzadas, o nome pelo qual as guerras de reconquista cristã contra os mouros ficaram conhecidas. Os muçulmanos haviam preservado e estudado o legado grego ao mesmo tempo que incorporaram elementos da cultura hindu.
Nos séculos XV e XVI, a astronomia usada pelos navegantes portugueses ainda tinha como base o sistema planetário criado por Ptolomeu, descrito no livro Almagesto (século II), e o trabalho de cosmografia Tratado da esfera (século XIII), do monge John de Sacrobosco, segundo o matemático Ubiratan D’Ambrosio, estudioso da história da matemática e hoje professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ambos, Ptolomeu e Sacrobosco, estavam superados se comparados ao que os ingleses já haviam escrito sobre o estudo dos movimentos.
Ainda assim os portugueses foram muito bem-sucedidos em boa parte graças às ações do infante dom Henrique no século XV. Ele foi o patrono dos descobrimentos ao estabelecer o que hoje seria chamado de estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico na região de Sagres, com a criação de técnicas de navegação e incentivos à indústria marítima. “O desenvolvimento da caravela, navio estável, ágil, rápido e mortífero, foi um grande projeto tecnológico”, diz D’Ambrosio.
A lista de conquistas é impressionante: Ceuta foi dominada em 1415, Gil Eanes superou o cabo Bojador em 1434, Bartolomeu Dias dobrou o cabo da Boa Esperança em 1488, Vasco da Gama abriu caminho para as Índias em 1499, Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500 e Fernão de Magalhães encontrou a passagem para o oceano Pacífico em 1520. Sem contar o desembarque na América do genovês Cristóvão Colombo a serviço da Espanha em 1492.
Como tantos triunfos podem ter ocorrido mesmo com um conhecimento matemático menos avançado do que o existente no restante da Europa? “Entre os navegantes alguns conheciam astronomia prática, outros sabiam fazer cálculos e havia os que estudaram cartografia”, explica D’Ambrosio. “Mesmo rudimentar, esse conhecimento se acumulou e se organizou em Portugal e ajudou nas navegações.”
D’Ambrosio ressalta a diferença entre o conhecimento matemático na península Ibérica e o praticado nos demais reinos. No caso das navegações, o interesse estava voltado para a geometria. Os algarismos arábicos só foram utilizados em Portugal a partir do século XV, embora já no XII eles tenham se disseminado pela Europa por trazer mais facilidades para o comércio.
Apesar do raro intercâmbio com outros reinos, Portugal atraía personalidades que se tornaram importantes. Em 1475, Colombo encontrou em Lisboa seu irmão, o cartógrafo Bartolomeu Colombo, que vivia lá. O alemão Martin Behaím, de Nuremberg, foi à região em 1480 e introduziu a trigonometria no país. Ao voltar para sua cidade em 1492, Behaím apresentou o Erdapfel, o primeiro globo terrestre conhecido.
Para D’Ambrosio, o relativo isolamento de Portugal dos conhecimentos que circulavam na Europa se explica pelo fato de o país ter se fechado depois de expulsar os invasores mouros no século XIII. “A abertura para as informações técnicas e científicas já disponíveis só ocorreu com a grande reforma na Universidade de Coimbra, em 1772”, diz ele.
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