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Nutrição

Pandemia favoreceu alimentação saudável, aponta estudo

Resultados de inquérito feito pela internet sugerem consumo maior de frutas, hortaliças e leguminosas no país entre fevereiro e maio

Questionário indagou sobre o consumo recente de alimentos saudáveis – entre 18 tipos de hortaliças, dez frutas e três leguminosas

Léo Ramos Chaves

Uma pesquisa iniciada em janeiro, que vai monitorar 200 mil brasileiros ao longo dos próximos 10 anos e investiga possíveis associações entre padrões alimentares e risco de desenvolver doenças crônicas, detectou sinais de que a pandemia teve um efeito benéfico nos hábitos alimentares dos brasileiros, que passaram a consumir com mais regularidade alimentos saudáveis como feijão, frutas e hortaliças. A pesquisa em questão é o Estudo NutriNet Brasil, iniciativa do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), que foi gestada durante o desenvolvimento do projeto temático financiado pela FAPESP “Consumo de alimentos ultraprocessados, perfil nutricional da dieta e obesidade em sete países” (ver Pesquisa FAPESP nº 281). 

Por meio do NutriNet Brasil, indivíduos de todas as partes do país irão informar a cada três meses de que forma estão se alimentando e como está o seu estado de saúde, preenchendo um questionário na internet. O recrutamento de voluntários deve durar dois anos. Atualmente, há quase 80 mil pessoas engajadas – menos da metade da meta –, mas resultados obtidos com os primeiros 10.116 participantes indicam que a frequência no consumo de alimentos saudáveis aumentou de 40,2% para 44,6% durante a pandemia. “Nossa hipótese é de que, por conta do isolamento social, as pessoas passaram a comer mais em casa e a preparar a própria comida, melhorando seu padrão de alimentação”, explica o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP e coordenador do NutriNet Brasil. Os resultados serão publicados em breve em um artigo na Revista de Saúde Pública, mas já estão disponíveis no repositório SciELO Preprints.

Entrevista: Carlos Augusto Monteiro
     

A mudança foi percebida porque um mesmo contingente de indivíduos respondeu a um conjunto de perguntas em dois momentos: no início de fevereiro, quando ainda não havia casos do novo coronavírus registrados no país, e em maio, quando as medidas mais severas de distanciamento social estavam em vigor. O questionário indagou sobre o consumo no dia anterior de alimentos saudáveis – entre 18 tipos de hortaliças, 10 frutas e 3 leguminosas (feijão, lentilha e grão-de-bico) – e também 23 tipos de alimentos ultraprocessados considerados marcadores do consumo alimentar não saudável, como refrigerantes, salgadinhos de pacote, barras de cereal, nuggets, macarrão instantâneo e pizza congelada. 

Léo Ramos Chaves Feira livre na capital paulista em tempos de pandemia: mais gente preparando a própria comidaLéo Ramos Chaves

Apesar do aumento no consumo de alimentos in natura e preparados em casa entre participantes de todo o território brasileiro, na região Nordeste também foi detectado um pequeno crescimento na frequência do consumo de comida industrializada. Aumentou de 8,8% em fevereiro para 10,9% em maio o número de indivíduos dessa região que consumiram ao menos cinco tipos de alimentos ultraprocessados. Tendência semelhante foi observada para pessoas de baixa escolaridade. “Há sinais de desigualdades sociais na resposta do comportamento alimentar à pandemia. Uma possibilidade é de que as pessoas mais pobres não tenham podido se isolar com a mesma intensidade das de classe média, precisassem trabalhar e comessem mais fora de casa”, diz Monteiro. “A intensificação da publicidade de produtos ultraprocessados durante a pandemia é outro fator preocupante.” Ele adverte, porém, que é preciso confirmar os resultados em novos estudos ou em fases posteriores do NutriNet Brasil, porque a quantidade de participantes da pesquisa oriundos do Norte e do Nordeste e dos estratos mais pobres era pequena entre os primeiros 10 mil respondentes. 

Inquéritos realizados pela internet têm uma dificuldade natural de atingir amostras representativas de toda a população, uma vez que pessoas com melhores condições financeiras e com acesso fácil à rede tendem a participar de forma mais intensa do que as menos privilegiadas. “Apesar dessas limitações, esse tipo de pesquisa fornece informações de forma mais ágil e barata do que outras metodologias e consegue obter dados de um conjunto muito maior de pessoas”, explica o pesquisador. É possível se cadastrar para participar do projeto no endereço https://nutrinetbrasil.fsp.usp.br.

Projeto
Consumo de alimentos ultraprocessados, perfil nutricional da dieta e obesidade em sete países (nº 15/14900-9); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Carlos Augusto Monteiro (USP); Investimento R$ 1.506.407,84.

Artigo científico
STEELE, E. M. et al. Changes in the diet in the NutriNet Brasil cohort under COVID-19. SciELO Preprints. 27 jul. 2020.

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