Com base nas dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde durante a pandemia de Covid-19, equipes da Secretaria da Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde (SCPDS) elaboraram um plano com propostas de reorganização do sistema de saúde no estado de São Paulo nos próximos anos. O titular da pasta, David Uip, entregou ao governador, Rodrigo Garcia, o documento intitulado Diagnóstico e diretrizes, com 167 páginas, lançado publicamente na quinta-feira (15/12) no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
O documento, que deverá ser entregue em breve também ao governador eleito, Tarcísio de Freitas, propõe quatro medidas principais. A primeira delas é a ampliação da produção de medicamentos nas duas unidades de produção da Fundação do Remédio Popular (Furp), com apoio das equipes técnicas e administrativas do Instituto Butantan.
A expansão da infraestrutura laboratorial e o aprimoramento da velocidade de respostas de institutos como o Adolfo Lutz a emergências de saúde pública são a segunda proposta.
A terceira sugere a criação de um cartão digital único, com as informações básicas de cada paciente, integrando as instituições privadas e públicas de atendimento à saúde. E a quarta pede a correção dos salários dos funcionários dos institutos de saúde no estado de São Paulo, que é de duas ou três vezes menor que os de cargos equivalentes em instituições federais, de acordo com um levantamento da Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).

Léo Ramos Chaves / Revista Pequisa FAPESPA fentoína, usada para tratar epilepsia, é uma das 31 medicações já produzidas pela FurpLéo Ramos Chaves / Revista Pequisa FAPESP
“A pandemia nos deixou nus”, comentou o secretário-executivo da SCPDS e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carmino Antonio de Souza. “Quando a Covid-19 começou a se espalhar, não produzíamos quase nada, nem máscaras, nem aventais, nem remédios.”
Segundo ele, a pandemia expôs a dependência do Brasil de medicamentos produzidos principalmente na China e na Índia: “Num mundo globalizado, quem tem dinheiro compra de quem quiser, mas, quando falta, somos os primeiros a ficar sem, porque os países ricos se defendem com muito mais facilidade”.
Medicamentos
Para Souza, a Furp, revitalizada, poderia produzir os medicamentos que faltaram na pandemia e outros de consumo intenso na rede pública de saúde e para o tratamento de doenças negligenciadas, que despertam pouco interesse das empresas farmacêuticas privadas.
“Estamos bastante animados com as novas perspectivas”, comenta o superintendente da Furp, Fabiano Marques de Paula. No final de outubro, na sede da SCPDS, a instituição assinou um convênio com o Instituto e a Fundação Butantan para promover a interação entre as equipes e fortalecer a retomada de produção, reduzida em 2020 com a possibilidade de extinção da Furp, afastada pela Assembleia Legislativa.
Criada em 1968, a Furp tem duas unidades: uma em Guarulhos, na Grande São Paulo, com 40% de ociosidade e 574 funcionários, “o suficiente para atender às novas demandas”, avalia Marques de Paula, e produz 31 medicações, em diferentes formas e dosagens, vendidas principalmente para os governo federal e estadual; e outra em Américo Brasiliense, interior paulista, que volta à gestão pública neste mês. A unidade estava parada desde a suspensão do contrato de gestão com uma empresa privada, em dezembro de 2019.

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPUm dos grupos de trabalho da SCPDS propõe a ampliação da cobertura vacinal no estado de São PauloLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
“Já apresentamos para a equipe de transição do novo governo estadual uma projeção de investimentos de R$ 123 milhões em 2023, R$ 126 milhões em 2024 e R$ 44,8 milhões em 2025, para que a Furp fique cada vez menos dependente de aportes do estado”, diz o superintendente. “Estou bastante otimista, porque o governo federal, como o estadual, sinaliza com políticas de fortalecimento dos laboratórios públicos.”
Grupos de trabalho
As propostas da SCPDS para o aprimoramento do sistema de saúde paulista resultaram das análises de especialistas de 52 instituições de saúde reunidos em 11 núcleos de trabalho: investigação e diretrizes para o manejo de bactérias multirresistentes e rastreamento de implantes médicos; doenças raras; saúde digital; vacinas; medicamentos; vigilância epidemiológica; pesquisa clínica; doenças transmitidas por vetores; saúde única; monitoramento da gestão e qualidade das unidades próprias do estado de São Paulo; e segurança da comunicação de risco.
O grupo de doenças raras (aquelas com prevalência inferior a 65 casos em 100 mil pessoas), por exemplo, propôs o reforço na formação de profissionais de saúde e laboratórios especializados. O objetivo é acelerar o diagnóstico correto, que hoje leva de 6 meses a 3 anos, e facilitar a realização de testes genéticos na rede pública de saúde.
O grupo de vacinas propôs a ampliação da cobertura vacinal no estado de São Paulo e a intensificação de campanhas de valorização das vacinas e de divulgação dos calendários com as vacinas recomendadas para crianças, adolescentes, adultos e gestantes.
“Temos de estar preparados para enfrentar outras pandemias”, alerta Souza. “O David Uip sempre fala: ‘Podemos ser surpreendidos uma vez, mas não uma segunda vez’”. (Leia a entrevista completa com Souza, tratando também de suas outras experiências como gestor e de seu trabalho como pesquisador, na edição de janeiro.)
Baixe o calendário nacional de imunização.
Republicar