O silêncio da motosserra: Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia, escrito pelo jornalista Claudio Angelo com colaboração do ambientalista Tasso Azevedo, é um livro fenomenal, que relata os caminhos do desmatamento e de sua redenção em um Brasil tentando se estabelecer como uma democracia. A narrativa jornalística é construída com sólida base de dados e mais de duas centenas de entrevistas. Ao longo de 20 capítulos de leitura fluida e cativante, cheios de histórias e bastidores, conhecemos políticos, ambientalistas, cientistas, indigenistas e lideranças comunitárias e religiosas que marcaram, com sua vida e morte, a história da devastação da Amazônia e seu entorno, além das estratégias traçadas para estancar essa destruição entre 2005 e 2012.
É notável como a intricada (re)construção histórica feita pelos autores demonstra como uma visão enviesada da época da ditadura militar de “integração” da Amazônia marca (até tempos recentes) o destino da região, deixando mortos, órfãos e muita impunidade. Essa ação desenhada nos anos 1960 e 1970 resultou em desmatamento desenfreado, loteamento político do território, aniquilação de povos indígenas e também em uma estrutura de latifúndios, grilagem, extração de madeira e mineração ilegal, sustentada pelo crime organizado que tentamos deter até hoje.
Em tempos do filme Ainda estou aqui, os autores narram com destreza como a ditadura não ceifou apenas a vida de deputados e cidadãos. Com a pecha de integração nacional, o regime militar promoveu a devastação florestal associada à dizimação de povos indígenas. Tudo lastreado por uma distribuição duvidosa de dinheiro público a fundo perdido ao agronegócio, que tem papel central nesse processo de degradação da mata pelo “pé de boi”.
O alto índice de desmatamento, que se inicia na ditadura militar, tem como marcos na discussão de sua avaliação e contenção a entrada do Brasil no cenário ambiental no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), primeiro presidente eleito pelo voto popular após 21 anos de regime militar, e a Rio-92. Mas a destruição da floresta só teve uma queda expressiva no período de 2005 a 2015.
Tudo isso é narrado oferecendo o contexto do crescimento da ciência das mudanças do clima, com destaque para a criação e o desenvolvimento do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as mudanças do uso do solo, o desmatamento e as queimadas. Outro ponto alto é a existência de um movimento socioambiental com sólida base social, mas também científica, que, com atores políticos e governamentais, concatenou uma inesperada vitória da conservação sobre a destruição predatória da Amazônia.
A leitura é deliciosa e instigante. Entretanto, se você, como eu, gosta de uma cronologia linear de acontecimentos, os capítulos não mantêm uma linha do tempo unidirecional: faz voltas, às vezes repetidas, ao passado e a certos personagens. Isso torna a leitura em alguns momentos difícil e traz uma certa sensação de déjà vu.
Porém a força da narrativa vence e desvenda os personagens reais, chave da criação de uma consciência nacional de conservação contra o desmatamento e da luta pelo desenvolvimento sustentável e pela justiça ambiental e social. É emocionante ver quantas mulheres estiveram envolvidas nessa caminhada. E também perceber a importância do contexto histórico e de nomear personagens, o que só é possível devido à experiência e participação pessoal de Angelo e Azevedo em todo esse processo.
Os autores mostram que o debate multissetorial do que seria integrar a Amazônia sem desmatá-la e das opções para seu uso sustentável conseguiu se impor (em certa medida) aos interesses econômicos e políticos imediatistas de uma pequena minoria detentora de latifúndios. Contudo, nos capítulos finais, eles alertam que essa é uma luta contínua e que sofreu retrocessos após 2015, com grandes perdas e danos à floresta amazônica e ao Cerrado, bem como aos povos indígenas. A explosão do desmatamento entre 2018 e 2022 transformou o Brasil, antes líder, em pária ambiental.
Em 2023, o ecocídio foi interrompido com a volta da busca de um modelo de desenvolvimento que mantenha viva – com desmatamento zero – a maior floresta tropical da Terra. Espera-se que esse projeto prospere.
A bióloga Patricia Morellato é professora da Unesp, campus de Rio Claro, e coordenadora do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima).
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