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Resenha

Para estudar o jornalismo

Desafios da notícia – O jornalismo brasileiro ontem e hoje | Alzira Alves de Abreu | Editora FGV | 228 páginas | R$ 49

Eduardo CesarAo longo de décadas, o nome de Alzira Alves de Abreu conquistou respeito entre os estudiosos da imprensa brasileira. Nada mais justo. Doutora em sociologia pela Universidade Paris V, ela desenvolveu um dos mais consistentes trabalhos de que dispomos sobre o século XX no Brasil e sobre a imprensa, em particular. Entre outras contribuições de valor, é dela a coordenação do projeto de atualização do Dicionário histórico-biográfico brasileiro (1930-1995), realizado no âmbito do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getulio Vargas. A minúcia, a precisão e a abrangência fazem dele um levantamento de qualidade ainda não superada. Além da biografia dos protagonistas da política brasileira da década de 1930 para cá, Alzira Alves de Abreu se interessa também pela imprensa e, na sintonia dessa predileção, escreveu páginas fundamentais, como A imprensa em transição, jornalistas e jornalismo econômico na transição democrática e A imprensa e a queda do governo João Goulart.

Agora, com a publicação deste Desafios da notícia – O jornalismo brasileiro ontem e hoje, o leitor tem acesso a um apanhado panorâmico do estilo – e da “pegada” teórica – dessa pesquisadora da imprensa. Trata-se de uma reunião de 12 estudos que foram apresentados em seminários e congressos e publicados nos anais desses eventos. Boa parte dos textos tem como objeto a cena das redações durante a ditadura militar (1964-1985), mas alguns escapam desse corte temporal. O primeiro artigo, por exemplo, “Jornalismo eletrônico”, debruça-se sobre fatos atualíssimos, bem posteriores à ditadura, para descortinar as incertezas, as crises e as oportunidades incríveis abertas pelo advento das tecnologias digitais. Nesse paper, que diz muito sobre a acuidade do olhar da pesquisadora – que ora entrevista os atores dos fenômenos que estuda, ora recorre a documentos –, são esmiuçadas as questões que seguem sem solução definitiva na indústria e na pós-indústria do jornalismo.

Logo nesse texto inicial o leitor nota, com alegria, que Alzira não tem nada em comum com a maioria das pesquisas sobre jornalismo publicadas no Brasil, que parecem ter sido produzidas por alguém que não faz a menor ideia do que se passa numa editoria de política ou de cultura quando vai alta a madrugada. Nesses trabalhos medianos – que constituem a imensa maioria –, a rotina de repórteres e editores é retratada como uma atividade sem tônus muscular e sem alma cívica. Alzira, longe disso, enxerga as contradições com a familiaridade de uma jornalista veterana e sabe analisá-las e iluminá-las como acadêmica de primeira grandeza. Melhor para nós.

Graças aos 12 ensaios, o leitor não apenas aprende sobre a imprensa – ele aprende também como pesquisar a imprensa. Desafios da notícia tem a virtude de mostrar como Alzira Alves de Abreu escolhe seus temas, isola-os, compreende-os e, depois, em vez de encerrá-los, devolve-os ao seu hábitat. A autora não se apressa em pôr pontos-finais em histórias ainda inconclusas. Seja quando fala de jornalismo eletrônico, seja quando trata do despertar da reportagem numa paisagem monopolizada pela opinião, logo no pós-guerra – “A década de 1950 marcou um momento de inflexão de um jornalismo de opinião e de crítica para um jornalismo de informação em que o acontecimento passou a ter lugar de destaque” (p. 75) –, Alzira Alves de Abreu sabe que está diante de histórias em curso.

A sensação que fica é de que ela não estuda os fósseis do ofício, mas uma profissão viva. Daí que, mesmo quando descreve o passado de 70 anos atrás, lida com problemas que seguem abertos no presente. Em seu capítulo final, “O jornalismo como objeto de estudo”, ela observa que “os estudos sobre a mídia e sobre os jornalistas, elaborados por historiadores e cientistas sociais, são muito recentes” (p. 219). Tem toda a razão. A isso, poderíamos acrescentar a própria imprensa, como objeto de estudo, além de ser ela mesma recente, parece recusar-se a resumir-se num epitáfio. A imprensa, cuja morte vem sendo anunciada tantas vezes, não morre, nem mesmo quando o jornal fecha (num sentido ou no outro). Não, não é uma solução, mas ao menos é uma esperança que o passado nos lega – e que Alzira Alves de Abreu capta com delicadeza e sobriedade.

Eugênio Bucci é jornalista, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e superintendente de Comunicação Social da USP.

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