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Epidemiologia

Para prever a dinâmica da pandemia

Modelo matemático criado na UFC inclui parâmetros específicos da Covid-19 no país

Segundo a ferramenta preditiva Simop, Fortaleza atingiu o platô de casos entre a terceira e a quarta semana de maio

Câmara Municipal de Fortaleza

Altas taxas de subnotificação, pacientes assintomáticos capazes de transmitir a doença e baixo índice de testagem são algumas características da pandemia do novo coronavírus que tornam difícil a tarefa de prever seu curso no Brasil. Mesmo com muitas questões em aberto sobre o vírus e a doença, e a escassez de dados, o engenheiro elétrico André Lima Férrer de Almeida, do Departamento de Engenharia de Teleinformática da Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvolveu um modelo matemático preditivo incluindo as especificidades já conhecidas sobre a enfermidade no país a fim de tornar mais precisas as estimativas.

A ferramenta baseia-se em 10 equações matemáticas não lineares que operam integradamente. Batizado de Sistema de Monitoramento Preditivo (Simop), o modelo, por enquanto, gerou dados relativos apenas à cidade de Fortaleza. “As quatro características principais do Simop, pouco comuns em outros modelos epidemiológicos, são o uso de parâmetros sobre pacientes assintomáticos, taxa de testagem, demanda hospitalar e subnotificação”, informa o pesquisador cearense. A subnotificação existente no Brasil significa que os números oficiais de novos casos e óbitos pela doença são, na verdade, inferiores à realidade. “Isso ocorre porque testamos pouco. O país está entre os piores em termos de testagem e por isso é tão importante incluir esse parâmetro.” No modelo cearense, é feita uma estimativa das subnotificações.

O Simop é alimentado diariamente com informações do IntegraSUS, a plataforma de transparência da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará onde são divulgadas estatísticas sobre a epidemia no estado. De acordo com Almeida, com os dados de cerca de 10 variáveis (ver quadro abaixo) em mãos é possível usar o modelo para fazer predições sobre qualquer país ou região. Ele conta que se inspirou na leitura de artigos científicos com informações sobre a dinâmica epidemiológica da Covid-19 na China e na Itália para criar a ferramenta.

Não é um cálculo fácil de realizar. O modelo clássico para prever o comportamento de epidemias, publicado pela primeira vez por cientistas escoceses em 1927, leva em conta apenas três equações. Conhecido como SIR, ele divide a população em três grupos: o dos suscetíveis (S) a se infectar; o dos já infectados (I); e o dos removidos (R), que representa o grupo de pacientes que já contraíram a doença e se curaram ou morreram. 

“O Simop é uma espécie de modelo SIR expandido”, opina o físico Sergio Rezende, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e um dos coordenadores do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, formado por representantes dos governos dos nove estados da região.

Segundo ele, há variações diversas dessa ferramenta clássica sendo empregadas no país. “Um modelo que me impressionou muito foi desenvolvido por físicos das universidades federais de Pernambuco [UFPE], de Sergipe [UFS] e do Paraná [UFPR] para outras epidemias que têm só uma equação, com três parâmetros.”

Previsões para Fortaleza
Entre as projeções já feitas pelo Simop, destaca-se uma do começo de junho segundo a qual 90% dos óbitos da capital cearense ocorreriam até meados de julho, caso a taxa de isolamento social permanecesse a mesma registrada entre abril e maio, antes do processo de reabertura gradual da economia local. “Agora, a retomada provavelmente deve interferir nessa predição. Estamos estudando como o modelo de mobilidade da população afeta as projeções”, conta Almeida. 

Os números também apontam que, no fim de março, Fortaleza tinha 25 vezes mais casos da doença do que os oficialmente anunciados – e que essa proporção caiu para no máximo cinco vezes mais em junho. “Essa queda se explica pelo fato de que o Ceará passou a testar muito mais do que no início da pandemia.” De acordo com o Simop, a cidade atingiu o platô de casos entre a terceira e a quarta semana de maio e o de óbitos na primeira semana de junho. “Depois disso, continuamos tendo mortes, claro, mas a taxa diária caiu.”

Embora até o momento apenas os dados de Fortaleza tenham sido divulgados, o modelo já está sendo alimentado com informações de outras cidades do interior do Ceará, como Sobral e Juazeiro do Norte, onde os índices têm crescido mais do que na capital, e do Distrito Federal, numa parceria feita com a equipe do engenheiro elétrico Rafael Timóteo de Sousa Júnior, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB) e diretor do Laboratório de Tecnologias da Tomada de Decisão (Latitude) da instituição. O objetivo da parceria, diz Almeida, é a construção de uma plataforma web integrada para o Simop, que permita a visualização das projeções elaboradas pelo modelo. 

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