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Parceria

Parceria inédita

FAPESP e FACEPE assinam acordo para a participação de pesquisadores pernambucanos no Genoma Cana

Uma parceria inédita entre fundações estaduais de amparo à cultura foi estabelecida em Recife, no último dia 30 de julho: a paulista FAPESP e a pernambucana FACEPE- Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia assinaram um acordo técnico que abre a Rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), criada em 1997 pela Fundação de São Paulo, e particularmente seu Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar, à participação dos pesquisadores pernambucanos.

De acordo com o documento firmado pelas duas FAPs, a cooperação prevê, além da montagem de uma infra-estrutura de laboratórios de seqüenciamento genético e de bioinformática, a capacitação e o aperfeiçoamento de recursos humanos na área de biologia molecular e de bioinformática em Pernambuco, para que o Estado possa participar do Genoma da Cana. Os laboratórios pernambucanos incluídos na ONSA terão as mesmas obrigações que os laboratórios paulistas participantes da rede, e a FAPESP, entre outras coisas, fará o acompanhamento de suas atividades para assegurar a qualidade técnica do trabalho.

Entrelaçamento histórico
A assinatura do convênio pelos presidentes da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e da FACEPE, José Carlos Silva Cavalcanti, ocorreu durante o workshop de lançamento do Projeto Genoma-Pernambuco, na sede local do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa). Participaram também do evento, que se estendeu pela manhã e tarde do dia 30, com exposições detalhadas e debates sobre o Programa Genoma-FAPESP e seu projeto da cana, os diretores científicos das fundações paulista e pernambucana, José Fernando Perez e André Freire Furtado, o superintendente do Sebrae-PE, Fausto Falcão Pontual, o coordenador do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar, Paulo Arruda, o gerente de Fitotecnia da Copersucar (Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), William Burnquist, e dezenas de pesquisadores pernambucanos.

Numa visão panorâmica da economia brasileira, Pernambuco e cana-de-açúcar formam um par quase óbvio, a despeito do sensível declínio experimentado por essa agroindústria no Estado, nos últimos 30 anos, com a conseqüente queda de sua participação no PIB estadual. Não há nisso o que estranhar: afinal, o setor sucro-alcooleiro pernambucano tem 400 anos de história, como destacou o superintendente do Sebrae-PE, e durante longa parte dessa história foi o pilar central do desenvolvimento econômico do Estado.

Natural, portanto, que a participação de Pernambuco no Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar seja vista com entusiasmo no ambiente de ciência e tecnologia no Estado, não só pelo que pode representar para o avanço regional da biologia molecular e da bioinformática, como pelo suporte que indiretamente poderá oferecer ao desenvolvimento local de novos produtos originários da cana-de-açúcar, com maior valor agregado.

Segundo Fausto Pontual, se o setor sucro-alcooleiro de Pernambuco em toda a sua história caracterizou-se por depender de um número restrito de produtos – açúcar, álcool, melaço, torta de filtro, bagaço e, em alguns raros casos, o aproveitamento da levedura, há hoje uma grande demanda por “tecnologias de produção para adoçantes naturais com baixo poder calórico, plásticos biodegradáveis, peles artificiais, hormônios, fármacos, energia, compensados etc”.

Para cada um desses produtos, destacou ele em sua fala na abertura do workshop, “um conjunto de genes controla as diferentes rotas metabólicas que implicam os resultados finais desejados por essa nova indústria”. E a seleção de variedades de cana com características específicas para os fins industriais visados poderá continuar a ser feita em campo, ou “empregando-se tecnologias mais refinadas de identificação dos genes envolvidos”.  Exatamente neste ponto, ressaltou, “é que entra a importância de um projeto científico com as características do Genoma da Cana-de-Açúcar”.

Essas características, antes de serem apresentadas em seus detalhes técnicos por Perez e Arruda, foram situadas no plano mais amplo das estratégias da pesquisa científica por Brito Cruz. “O Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar agrega fatores muito importantes, que dentro do ambiente de ciência e tecnologia brasileiro são pensados de maneira bastante dissimilar: ele é simultaneamente um projeto de ciência básica, de ciência aplicada e de tecnologia”, disse. Brito Cruz citou o livro “O Quadrante de Pasteur”, de Donald Stokes, em apoio à tese de que, em lugar da velha oposição entre ciência básica, ciência aplicada e tecnologia, é preciso buscar, na pesquisa, o que é relevante do ponto de vista do conhecimento e do ponto de vista socioeconômico, independentemente de antigas categorias.

“Não necessariamente a ciência mais básica é menos útil. Nem a pesquisa tecnológica é despida de importância para a construção do conhecimento. Pasteur, por exemplo, queria melhorar a produção de cerveja quando chegou a descobertas essenciais de ciência básica”, disse. O presidente da FAPESP observou depois que a parceria que naquele momento se celebrava com a FACEPE era uma importante novidade dentro das práticas nacionais de ciência e tecnologia e se confessou surpreendido com a rapidez com que as negociações entre as duas FAPs avançaram até a formalização do convênio. “A idéia surgiu há dois ou, no máximo, três meses, e hoje aqui estamos para assinar o convênio”, disse.

A velocidade da montagem do acordo foi destacada também pelo presidente da FACEPE, que se disse “honrado com a parceria” que permitirá a Pernambuco participar de “um projeto de pesquisa sério, inovador, com características dos mais avançados projetos do Primeiro Mundo”. Na visão de Cavalcanti, o Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar deflagra uma nova perspectiva de conhecimento no Estado. “Estaremos preocupados em cumprir as exigências do convênio e em permanecer na Rede ONSA”, observou, bem-humorado.

Rápido progresso
A platéia de pesquisadores pernambucanos no workshop do Genoma Cana, com notória participação feminina, e jovem, ouviu do diretor científico da FAPESP uma exposição didática sobre o Programa Genoma da Fundação paulista. Perez explicou a origem da sigla ONSA, seu paralelismo corajoso e bem-humorado com o TIGR norte-americano (The Institute for Genomic Research, a mais famosa instituição internacional de pesquisa genômica) e traçou a cronologiado programa desde que seu projeto pioneiro, o de seqüenciamento da Xyllela fastidiosa , foi lançado, em outubro de 1997.

Deu a notícia de que, àquela altura, já estavam seqüenciados mais de 98% do genoma dessa bactéria causadora da Clorose Variegada dos Citros, a praga do amarelinho, que representa uma séria ameaça para a citricultura paulista, e manifestou a convicção de que em setembro o seqüenciamento estará concluído – oito meses, portanto, antes do prazo originalmente estabelecido. Perez também situou rapidamente a entrada dos outros projetos – Genoma Humano do Câncer, Cana, Genoma Funcional da X. fastidiosa e Genoma da Xantomonas citri – no Programa Genoma-FAPESP.

O diretor científico da FAPESP, afinado com um pensamento que hoje é generalizado no ambiente internacional da pesquisa genômica, fez, por fim, uma previsão de que a atividade de seqüenciamento na academia logo deverá estar superada. A atividade tem um forte componente industrial e deverá se concentrar na indústria. “Mas a bioinformática, que lhe deu forte impulso, vai perdurar como área fundamental na academia. E nessa área, que se não fosse o Programa Genoma poderia representar nosso gargalo para o desenvolvimento científico no próximo século, estaremos bem avançados no Brasil”, disse.

No computador e no freezer
A exposição técnica do Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar foi feita por seu coordenador, que se deteve primeiro em explicar a metodologia do trabalho com genes expressos nos vários tipos celulares (ESTs), para identificação prioritária daqueles envolvidos com processos metabólicos de grande significado para a agroindústria da cana, como o da produção de sacarose e os que definem a resistência da planta.

Paulo Arruda apresentou um breve resumo do quadro internacional da pesquisa de genoma de plantas e informou que, segundo os dados mais recentes de julho deste ano, dos poucos mais de 2,8 milhões de genes depositados no GenBank mantido pelo NIH (National Institutes of  Health), apenas 6% eram de plantas. Depois explicou que no Genoma Cana devem ser seqüenciados 50 mil genes, que é um número bastante representativo da totalidade do material genético de um organismo superior.

Desceu a detalhes técnicos específicos, como ao dizer que é do RNA, molécula intermediária ou mensageira da informação genética originalmente contida no DNA, que os pesquisadores, depois de congelar as células que lhes interessam, captam os genes, que depois são clonados. Os clones são colocados em microplacas de Petri, formando as bibliotecas, fonte da informação que será trabalhada no laboratório de bioinformática. “A informação no laboratório de bioinformática corresponde sempre a uma placa de clones no freezer, a menos 70 graus”, sintetizou.

Paulo Arruda informou que o projeto já tem 40 mil clones prontos para seqüenciamento. “Até o final deste ano eles deverão estar seqüenciados, ou seja, deveremos ter realizado 30% do trabalho de seqüenciamento”, disse. Informou também que 2 mil genes da cana estão a essa altura seqüenciados e explicou para os pesquisadores pernambucanos que cada laboratório envolvido no projeto tem que fazer no mínimo 4 mil seqüências de boa qualidade por ano.

Os pesquisadores que participaram do workshop receberam, na parte da tarde, uma infinidade de outras informações sobre o projeto Genoma Cana, dadas por William Burnquist, que entre outras coisas detalhou o panorama econômico em que se insere a agroindústria da cana atualmente, e por João Paulo Kitajima, um dos pesquisadores ligados à coordenação de bioinformática do projeto, na Unicamp, liderada por João Meidanis e João Setúbal.

Os laboratórios pernambucanos
A participação do Estado de Pernambuco no Projeto Genoma da Cana-de-Açúcar vai se dar, inicialmente, através de dois laboratórios de seqüenciamento – um da Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE e outro do Instituto de Pesquisa Agropecuária-IPA -, e de um laboratório de bioinformática, que será implantado na Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, dentro do Departamento de Informática do Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Os pesquisadores pernambucanos envolvidos com o projeto receberão, de imediato, treinamento em laboratórios de São Paulo e terão depois o acompanhamento contínuo da coordenação do projeto.

Segundo José Carlos Silva Cavalcanti, presidente da FACEPE e coordenador institucional do Genoma-PE, os dois laboratórios que vão entrar no seqüenciamento têm ambos um bom trabalho já realizado em biologia molecular e biotecnologia, com dezenas de pesquisas já realizadas e em curso. Já em bioinformática o Estado ainda não tem uma competência instalada, embora a UFPE tenha um trabalho conhecido e respeitado nacionalmente em ciências da computação e informática. “A bioinformática é um campo em que vamos ter que entrar e temos condições para isso”, diz Cavalcanti.

Sua expectativa, na verdade, é que com a parceria estabelecida com São Paulo, “tanto biologia molecular quanto bioinformática entrem em efervescência em Pernambuco”. Estão definidos dois coordenadores científicos para o Genoma-PE, os pesquisadores José Geraldo Eugênio de França e Marcelo dos Santos Guerra Filho, e duas pesquisadoras, Gianna Maria Griz Carvalheira e Angélica Virgínia Montarroyos, já estão acertadas para trabalhar com seqüenciamento, depois de um estágio em laboratórios paulistas.

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