Um fungo letal, responsável pela morte de milhares de sapos no mundo, originou-se no leste da Ásia há cerca de 100 anos. A conclusão é de um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o zoólogo brasileiro Luís Felipe Toledo, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp). Em um estudo que foi capa da edição da última semana da revista Science, eles coletaram, sequenciaram e analisaram centenas de linhagens espalhadas pelo mundo do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, principal causador de uma doença infecciosa chamada quitridiomicose, uma das piores doenças da vida selvagem.
O Batrachochytrium dendrobatidis, ou Bd, aloja-se na pele dos anfíbios, altera o equilíbrio de eletrólitos dos músculos, interferindo em sua troca gasosa com o ambiente e levando algumas espécies a morrer de colapso cardíaco. Nas últimas três décadas, o Bd matou tantos sapos na Austrália, Europa e nas Américas que alguns pesquisadores chegaram a cogitar uma iminente extinção em massa desses animais — algumas espécies desapareceram ou foram localmente extintas. Apesar dos estragos causados, nunca se soube onde e quando esse fungo surgiu ou como se espalhou pelo mundo.
Ao longo dos últimos 10 anos, um grupo internacional de pesquisadores, coordenado pelo epidemiologista inglês Simon O’Hanlon, do Imperial College de Londres, no Reino Unido, trabalhou na coleta de dados genéticos do Bd em parceria com outras 38 instituições de pesquisa espalhadas pelo mundo. Após reunir todo o material, eles isolaram e sequenciaram o genoma de 234 cepas do Bd e, com isso, conseguiram rastrear a origem do fungo e estimar como e quando ele começou a se disseminar para outras regiões.
Verificaram que o lugar com a maior diversidade de linhagens de Bd foi a Coreia do Sul, o que sugere que o fungo teria surgido primeiro na península coreana e, de lá, se espalhado pelo mundo, provavelmente no início do século XX, e não há 25 mil anos, como sugerido anteriormente. “Até então, várias regiões do mundo tinham sido apontadas como possíveis pontos de origem do fungo”, comenta Toledo, que liderou o laboratório brasileiro responsável por isolar e sequenciar as cepas de duas linhagens do fungo, a Bd-Asia-2/Brazil e a Bd-GPL. A primeira é considerada uma das mais diversas e relacionada à origem do fungo, enquanto a segunda é uma das mais virulentas.
Ele explica que a velocidade com que o fungo se disseminou pelo mundo coincide com a ascensão do comércio global de carne e pele de rã a partir da década de 1930. Essa prática, no entanto, foi abandonada tempos depois diante da falta de interesse pelo consumo desses animais. Segundo ele, o comércio global tornou-se desastroso para os sapos nativos que encontraram o fungo mortal pela primeira vez.
De acordo com Toledo, a concentração de diversidade de fungos na Ásia significa que a região pode ser considerada uma área crítica para o surgimento de outros patógenos, como é o caso do fungo Batrachochytrium salamandrivorans, que infecta as salamandras. “Sabendo a origem do Bd, podemos estudar melhor os genes dos anfíbios daquela região para tentar identificar algum tipo de resistência adquirida, como uma maior taxa de expressão de genes de resistência”, explica o zoólogo.
Há algum tempo se sabe que algumas espécies de sapos são resistentes ao Batrachochytrium dendrobatidis. As rãs-touro (Lithobates catesbeianus) representam a espécie mais citada como exemplo de convivência pacífica com o microrganismo. Essas rãs também ganharam espaço no cardápio de muitos restaurantes do mundo.
Elas foram trazidas para Brasil em meados da década de 1930, a partir dos Estados Unidos, para criações comerciais destinadas, sobretudo, à produção de carne. A rã-touro ainda é mais encontrada em ranários comerciais, mas já se incorporou ao ambiente local. Hoje é encontrada em muitas regiões do país, alimentando-se de pequenos invertebrados e até mesmo de aves, pequenos mamíferos e outros anfíbios, ajudando a disseminar para demais espécies o fundo ao qual é resistente.
Com base nos resultados obtidos, os pesquisadores agora pretendem concentrar sua análise no leste da Ásia e do Brasil para que possam compreender melhor a origem e evolução do patógeno e os possíveis desdobramentos quanto à virulência das diferentes linhagens. “Já sabemos que existem híbridos no Brasil, mas temos muito poucos dados sobre sua patogenicidade e virulência”, explica Toledo.
“Também pretendemos conversar com as agências nacionais, como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]”, diz. “O objetivo é discutir políticas públicas de contenção da disseminação da quitridiomicose no Brasil.”
Projeto
O fungo quitrídio no Brasil: da sua origem às suas consequências (nº 16/25358-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Luís Felipe de Toledo Ramos Pereira (Unicamp); Investimento R$ 721.055,89 (FAPESP).
Artigo científico
O’Hanlon, Simon J. et al. Recent Asian origin of chytrid fungi causing global amphibian declines. Science v. 360, n. 6389, p. 621-27. mai. 2018.