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Alimentos industrializados

Política para uma dieta saudável

Merenda brasileira com menos alimentos ultraprocessados pode ser exemplo para outros países, diz pesquisador

Miguel Boyayan Produtos intactos são mais saudáveis do que os industrializados feitos a partir delesMiguel Boyayan

Se a sua ideia de lanche saudável é uma barra de cereais, melhor repensar. Apesar de se apresentar como natural, é mais um exemplo de alimento ultraprocessado, alerta o médico Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). “A substituição de alimentos integrais – grãos, hortaliças, tubérculos, carne e leite – por alimentos manufaturados como snacks doces e salgados, hambúrgueres, nuggets e refrigerantes, é um dos maiores responsáveis pela epidemia mundial de obesidade.” A boa notícia é que o Brasil não só ainda tem solução como pode ser um exemplo para outros países, conforme o pesquisador indica em ensaio publicado este mês na Plos Medicine em parceria com Geoffrey Cannon, da Associação Mundial de Nutrição e Saúde Pública.

Segundo Monteiro, nos países industrializados os alimentos ultraprocessados já correspondem a dois terços das calorias ingeridas. No Brasil, essa fatia se aproxima de um terço e, em 2009, 14% da população era classificada como obesa – um valor ainda modesto se comparado aos 24% e 34% do Reino Unido e dos Estados Unidos, respectivamente. “Esses alimentos novos não têm nenhuma semelhança nutricional com a dieta que acompanhou a nossa espécie ao longo de sua evolução”, explica o médico. Essas comidas (inclusive as barras de cereais industrializadas) contêm teores altos de gordura e açúcares e quantidades mínimas de água, fibras e  nutrientes essenciais, e por isso engordam sem saciar, segundo Monteiro detalha na classificação de alimentos com base na industrialização que propôs em 2011 na Public Health Nutrition.

O que, em sua visão, torna o Brasil um exemplo são políticas públicas destinadas a diminuir o consumo desse tipo de alimentos por meio da regulamentação das merendas escolares. A primeira medida importante veio nos anos 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando ficou definido que 70% da alimentação distribuída nas escolas deveria ser fresca ou ter processamento mínimo. Mais recentemente, já no governo Lula, foi acrescentada a exigência de que 30% desses alimentos tivessem origem na agricultura familiar. “São medidas importantes porque atingem crianças que estão formando seus hábitos alimentares”, ressalta Monteiro.

A realidade ainda não atingiu o ideal, mas de acordo com o pesquisador os municípios, que gerem o processo, estão avançando na implementação e sendo avaliados pelo governo. “Fazer a mudança política é um passo importante”, afirma ele, que coordena uma linha de pesquisa sobre nutrição e os efeitos da transição alimentar.

Nos países industrializados, ele conta que a batalha já parece perdida e os governos buscam atuar na redução de danos, criando legislação para melhorar as propriedades nutricionais dos produtos ultraprocessados. Mas o nosso exemplo pode ser uma boa influência para países semelhantes ao Brasil, em que a alimentação ainda não esteja tão distante de sua forma tradicional. O ensaio na PLoS Medicine faz parte de uma série organizada pela revista para discutir a influência da indústria alimentar na saúde.

Leia mais:
Entrevista com Carlos Augusto Monteiro, de 2005.
Mudança veloz, sobre a relação entre renda, educação e desnutrição.

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