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Demografia

População indígena soma 1,69 milhão de pessoas no Brasil

Com mudanças metodológicas e apoio tecnológico, Censo de 2022 registra aumento de 88,82% de indígenas no território nacional

Recenseador na Terra Indígena Yanomami: análise de dados sobre fecundidade e mortalidade permitirá identificar se o aumento demográfico constatado no Censo está relacionado ao processo de recuperação populacional

Guilherme Gnipper/Funai

Em operações que envolveram 1,5 mil agentes censitários, lideranças indígenas, organizações da sociedade civil, tradutores, geógrafos e antropólogos, o Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou a existência de 1.693.535 pessoas indígenas vivendo no país, o que representa 0,83% da população. Na edição de 2010, o levantamento registrou a presença de 896.917 indígenas, ou 0,43% do total de residentes. O crescimento de 88,82% observado entre os dois censos, no entanto, não pode ser atribuído somente a aspectos demográficos. Isso porque, na edição atual, o IBGE adotou mudanças metodológicas e inovações tecnológicas que permitiram ampliar o escopo da contagem de pessoas indígenas e sua distribuição pelo território brasileiro.

“Para conhecer o papel do componente demográfico nessa variação, ou seja, para estimar em que medida a população indígena está ou não em processo de recuperação populacional, precisamos ainda analisar dados sobre fecundidade e mortalidade, além de elaborar pirâmides etárias”, explicou a antropóloga Marta de Oliveira Antunes, do IBGE, durante o evento de divulgação à imprensa realizado no último dia 3 de agosto. Essas informações serão divulgadas pelo instituto nos próximos meses.

Uma mudança metodológica que impactou na contagem da população indígena envolve a pergunta: “Você se considera indígena?”. Em 2010, ela só era feita para pessoas que viviam em terras indígenas delimitadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Isso significa que o levantamento daquele ano pode ter deixado pessoas indígenas que vivem em cidades ou em regiões não demarcadas de fora da contagem. No ano passado, a questão foi também formulada para residentes de outros territórios com a presença de comunidades indígenas, para além das áreas reconhecidas formalmente pela Funai.

“Nas comunidades indígenas, cada recenseador contou com o apoio de pelo menos uma pessoa indígena para realizar a coleta de dados. Em alguns casos, essa equipe somava cinco pessoas, incluindo profissionais do IBGE, guias, tradutores e lideranças”, contou a antropóloga. Segundo ela, para chegar a todas as localidades, foi preciso fazer travessias em barcos, aviões, helicópteros e trajetos a pé em meio à mata fechada. Antunes explica que, antes de entrar em cada agrupamento, dentro ou fora de terras indígenas reconhecidas pela Funai, os recenseadores conversavam com lideranças para explicar o funcionamento do questionário. Muitas delas, antes de autorizar a entrada do IBGE, pediam para conversar com a própria comunidade. “O respeito a esses processos e os diálogos com populações locais foram fundamentais para que o Censo pudesse chegar a todas as localidades indígenas do país”, afirmou Antunes. Uma das evidências da eficácia da nova metodologia e do engajamento de populações indígenas com o processo de coleta de dados, segundo a antropóloga, é a taxa de não resposta do questionário registrada: apenas 1,7%. A média nacional foi de 4,23%.

No evento à imprensa, o geógrafo Fernando Souza Damasco, do IBGE, detalhou que a contagem foi feita a partir de mapeamentos e trabalhos cartográficos prévios, que permitiram identificar todas as localidades indígenas do país, para além de terras delimitadas pela Funai. “Essas iniciativas tiveram a participação de instituições e organizações da sociedade civil e lideranças indígenas, que nos enviaram pontos de referência e listagens de aldeias e comunidades. Além disso, utilizamos imagens de satélite atualizadas em tempo real”, detalhou o geógrafo. Por meio desses avanços metodológicos e do apoio tecnológico, foi possível fazer a coleta de dados, por exemplo, de povos que até pouco tempo atrás viviam isolados, indígenas em situação de abrigo e de comunidades que têm como característica a mobilidade territorial.

Dados do levantamento mostram que 44,48% da população indígena do país vivia na região Norte em 2022, totalizando 753,3 mil pessoas, enquanto 31,22% estava no Nordeste, o que corresponde a 528,8 mil indivíduos.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Os dois estados com maior quantidade de pessoas indígenas são Amazonas (com 490,9 mil) e Bahia (com 229,1 mil), que reúnem 42,51% do total dessa população. Mato Grosso do Sul (116,4 mil), Pernambuco (106,6 mil) e Roraima (97,3 mil) vêm em seguida. Por outro lado, Sergipe (4,7 mil), Distrito Federal (5,8 mil) e Piauí (7,2 mil) eram os estados com menor número de indígenas.

Em 2022, os três municípios com a maior quantidade de pessoas indígenas também estavam no Amazonas: Manaus (71,7 mil), São Gabriel da Cachoeira (48,3 mil) e Tabatinga (34,5 mil). Já as cidades com as maiores proporções de população indígena eram Uiramutã (RR), onde 96,60% dos habitantes pertenciam a alguma etnia. Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,17%, e São Gabriel da Cachoeira (AM), com 93,17%, vinham em seguida.

Do total de 72,4 milhões domicílios particulares permanentes ocupados no Brasil, 630 mil registraram ao menos um morador indígena, o que equivale a 0,87% do conjunto de domicílios. Dos 630 mil domicílios, apenas 137,2 mil ficavam dentro de terras indígenas (21,79% do total) e, neles, a maioria dos moradores era indígena. Fora das terras demarcadas, os domicílios em que residiam ao menos um indígena contavam com mais diferenciação étnica entre seus moradores.

Até o final de julho de 2022, o país tinha 573 terras indígenas declaradas, homologadas ou regularizadas pela Funai. Nelas viviam 689,2 mil pessoas – 622,1 mil eram indígenas (90,26%) e 67,1 mil não indígenas (9,74%). A terra yanomami nos estados do Amazonas e Roraima registrou o maior número de indígenas (27,1 mil), seguida pela Raposa Serra do Sol (RR), com 26,1 mil, e a Évare I (AM), com 20,1 mil.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Segundo Damasco, em 2010 o país contava com 505 terras indígenas. Em 2022 esse número subiu para 573. “Por conta de mudanças em processos de regularização, quatro delas foram suprimidas e 72 inseridas na base da Funai”, detalhou. Isso significa que há 501 terras indígenas que podem ser comparadas entre os censos de 2010 e 2022. Ao longo desse período, a população indígena residente no universo dessas 501 terras subiu de 511,6 mil para 593,5 mil pessoas, um aumento de 16,01%.

O Censo registrou crescimento de população vivendo em terras indígenas em todas as regiões do país, ou seja, no Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Porém esse avanço não foi identificado em todos os estados. Roraima foi a unidade da federação com o maior aumento, enquanto Alagoas, São Paulo e Rio Grande do Sul tiveram variação negativa. Além disso, foi constatado que 867,9 mil indígenas viviam na Amazônia Legal – que abrange nove estados – em 2022, o que representa 51,25% do total. “Isso significa que metade da população indígena brasileira reside fora dessa região”, destacou Damasco. Segundo o geógrafo, no trabalho conjunto realizado com indígenas para captar dados do Censo, lideranças enfatizaram a importância de não associar imagens de indígenas exclusivamente à Amazônia Legal, na medida em que sua presença também é intensa em outras partes do território.

De acordo com Damasco, a terra dos yanomamis não dispõe de estradas e muitos rios não são navegáveis. Por essa razão, a coleta de dados, realizada durante 23 dias, utilizou aviões, helicópteros e monitoramento de satélite em tempo real. A Operação Yanomami envolveu o trabalho dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Defesa, dos Povos Indígenas e da Saúde, além do Ministério do Planejamento e Orçamento e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). “Supervisores e recenseadores acamparam na base de Surucucu, mantida pelas Forças Armadas. De lá, os profissionais saíam diariamente em voos de helicópteros da PRF às aldeias”, contou o geógrafo. Essa operação permitiu coletar informações de 16,8 mil indígenas em comunidades no território de Roraima e 10,2 mil indígenas em aldeias no Amazonas. “No IBGE, brincamos que temos o censo indígena e o censo yanomami”, diz Damasco, ao mencionar os desafios envolvidos na coleta de informações na região. “O Censo de 2022 teve um salto tecnológico. Saímos da fotografia analógica em 2010 e, hoje, chegamos a um retrato do país feito por meio de fotografia digital”, finaliza.

A edição impressa de setembro traz uma versão resumida desta reportagem.

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