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Resenha

Precariedade enraizada

Espaços periféricos: Política, violência e território nas bordas da cidade | Matthew Aaron Richmond, Moisés Kopper, Valéria Cristina de Oliveira e Jaqueline Garza Placencia (orgs.) | EdUFSCar | 270 páginas | R$ 36,00

Espaços periféricos reúne um conjunto de estudos realizados por pesquisadores ligados ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e capítulos escritos por convidados comentando as pesquisas apresentadas. A tarefa de se debruçar sobre um território complexo e heterogêneo como Sapopemba, na zona leste de São Paulo, desenvolve-se a partir da diferenciação de três eixos colocados em diálogo em temas transversais: Estado e políticas públicas; crime e violência; e transformações socioespaciais.

Em uma das passagens, os organizadores explicam que Sapopemba deriva do tupi sapopema e diz respeito a uma árvore de porte grande em que as raízes crescem ao redor do tronco. Vale a pena procurar sua imagem na internet. Ao fazer isso, é possível associá-la ao exercício ao qual o livro se propõe: expor e analisar, de diversos ângulos e com embasamento empírico, o desenvolvimento urbano dos territórios periféricos brasileiros tendo como ponto de partida um tronco em comum, justamente o distrito paulistano. Esta resenha, inspirada na imagem, procura apresentar um retrato do livro, imaginando-o como tronco e raízes. Isso porque seria impossível retratar a riqueza da obra de outra forma, sem cometer nenhuma injustiça.

Sapopemba constitui o eixo de análise, mas os textos não se restringem às suas especificidades, mostrando-o como símbolo da desigualdade e heterogeneidade presente nas periferias brasileiras. Logo na introdução, apresenta-se um rico resumo da literatura nacional sobre o tema, categorizando a produção bibliográfica a partir do contexto histórico, temas-chave e quadros teóricos influentes. Tal esforço assinala a importância de propostas como a do livro, especialmente em contexto como o atual, de aprofundamento das desigualdades sociais.

Em diversas passagens, delineia-se um retrato do contexto urbano de forma comparativa. É o caso, por exemplo, dos textos relativos ao tema crime e violência, que situam a realidade de Sapopemba em amplo espectro analítico relativo ao Estado e à sociologia da violência, mostrando a inserção dos autores em diálogos e percursos caros à literatura temática.

A urbanização periférica do país, caracterizada pela autoconstrução, ganha camadas adicionais. Sobressai a relação entre a ocupação das bordas da cidade por uma busca histórica por direitos. As análises acerca das políticas de proteção social mostram como são fundamentais tanto para a ocupação periférica quanto para o enraizamento na localidade, além de serem fundamentais à proteção da vida em contextos violentos.

Em diversos capítulos, questões como pertencimento, experiência cotidiana e identidades são trazidas, oferecendo a possibilidade de mergulho na realidade de Sapopemba e de reconhecimento de questões comuns a diversas partes do Brasil. Tal reconhecimento se dá, por exemplo, através do retrato do papel do estado, com “e” minúsculo mesmo, como ressaltado no livro, no território. Profissionais, funcionários públicos, burocratas, secretárias – a teia de relações e pessoas envolvidas diretamente na rede estatal –, ora se apresentam como reguladores, ora como a “mão esquerda do estado”, ou ainda como agentes de violência e exclusão.

Nesse caminho, chama a atenção o papel de organizações criminosas na regulação do mercado de drogas, de segurança e de terra. Se o Estado é apresentado como regulador de alguns serviços – e por intermédio desse poder atua, por vezes, como agente de exclusão –,  o mundo do crime, por sua vez, acionando diretamente a violência, regula diferentes mercados e acaba por ser agente de associação e coesão de parte da comunidade. Trata-se, portanto, de pensar as organizações criminosas como pares do Estado na regulação da sociabilidade da população local.

O livro termina apontando caminhos de acionamento da memória coletiva como fundamentais à imaginação do futuro de Sapopemba. Novamente, o relato de um território específico reverbera a realidade brasileira, em que experiências de luta por reconhecimento estão cada vez mais presentes e abrem novos caminhos analíticos. Destaca-se, assim, o desafio de tornar políticas as experiências compartilhadas pela sociedade brasileira – memórias, senso de lugar, para citar os termos utilizados pelos autores –,  mas ainda pouco debatidas pelo Estado – agora com “e” maiúsculo.

Taísa Sanches é cientista social e desenvolve pesquisa de pós-doutorado sobre movimentos sociais urbanos no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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