Há quatro décadas, avistar uma baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) no litoral do sudeste brasileiro era algo raro. Quando a proibição da caça comercial de baleias entrou em vigor no país, em 1º de janeiro de 1986, a população dessa espécie que frequentava a costa do Brasil era de aproximadamente 2 mil indivíduos. Hoje, segundo o censo aéreo realizado em 2023 pela organização não governamental (ONG) Projeto Baleia Jubarte, a estimativa é de que esse número seja por volta de 35 mil indivíduos. “Se há alguns anos alguém me dissesse para ir até o litoral de São Paulo ver baleias-jubarte, eu acharia que essa pessoa estava louca”, brinca o biólogo Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e coordenador do Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (GEMM-Lagos) daquela instituição.
Segundo o pesquisador, além da legislação protetiva, a expansão do número de baleias-jubarte se deve ao ciclo relativamente rápido de reprodução desses mamíferos. Cada gravidez dura entre 11 e 12 meses, que é também o período necessário para os filhotes se tornarem independentes dos cuidados da mãe. As jubartes estão biologicamente preparadas para engravidar uma semana após o parto. Isso faz com que, a cada ano, elas possam dar à luz um filhote e ficar prenhe em seguida. “Hoje é possível encontrar baleias-jubarte desde o litoral de São Paulo até as regiões Norte e Nordeste. Elas podem chegar ao Maranhão e Pará”, afirma Siciliano, que é também professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
O fenômeno impulsiona o whale watching, termo em inglês para o turismo de avistamento de baleias. Segundo o Projeto Baleia Jubarte, essa atividade movimenta atualmente cerca de US$ 2 bilhões no mundo. Na região da praia do Forte (BA), as operadoras que oferecem passeios de barco com essa finalidade geraram uma receita de cerca de R$ 4,5 milhões em 2023, de acordo com a mesma fonte.
Todos os anos, as baleias migram das regiões subantárticas para as tropicais em busca de melhores áreas para reproduzir. A movimentação começa a partir de maio quando os animais vêm para o litoral brasileiro, passando pelo Sudeste rumo à costa do Nordeste. Em novembro, retornam para as regiões subantárticas.
A região do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, situado em Caravelas, no sul da Bahia, é a que concentra o maior número de jubartes na costa brasileira. No município fica também a sede do Projeto Baleia Jubarte, criado em 1988, que hoje tem bases na praia do Forte, bem como em Ilhabela (SP) e Vitória (ES). A iniciativa conta com patrocínio da Petrobras desde 1996. “O cerne de nosso projeto é a pesquisa científica”, afirma o biólogo Sérgio Cipolotti, coordenador operacional da ONG.

Bruna Rezende / Projeto Amigos da JubarteTuristas durante passeio acompanhado pelo projeto Amigos da Jubarte, em Guarapari (ES), em 2023Bruna Rezende / Projeto Amigos da Jubarte
Segundo ele, o avistamento de baleias começou a atrair turistas para o litoral baiano no fim da década de 1990. “Na época, o projeto já possuía barcos voltados à pesquisa científica e resolvemos combinar, de maneira informal, as viagens para coleta de dados com o transporte de turistas interessados em ver esses animais e também levar junto os moradores da região”, conta. “A ideia era mostrar para esses moradores que havia uma demanda pela atividade, que poderia ser explorada comercialmente e incrementar o turismo local.”
Desde 2002, o Projeto Baleia Jubarte mantém parcerias com operadoras de turismo de avistamento que atuam no litoral baiano. Por meio do acordo, a ONG capacita as equipes dessas empresas. No país, a prática precisa seguir as normas da Portaria nº 117, de 26 de dezembro de 1996, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que prevê, por exemplo, distanciamento mínimo do barco em relação aos animais. “Em contrapartida pedimos que haja uma vaga disponível para nossos pesquisadores nas embarcações. Antes da partida, esses monitores fazem uma palestra e, entre outras coisas, informam aos turistas que eles podem colaborar com a pesquisa por meio das fotografias que fizerem durante o passeio”, relata o biólogo.
No ano passado, as operadoras de turismo que atuam na região de Abrolhos e da praia do Forte realizaram mais de 500 viagens para avistamento de baleias, com a participação do Projeto Baleia Jubarte. As saídas renderam 422 fotoidentificações, como são chamadas as imagens que permitem a identificação das baleias e estão aptas a auxiliar na produção científica. De acordo com Cipolotti, 75 delas foram doadas por turistas. O restante está a cargo dos pesquisadores do projeto, que fizeram os registros ao longo desses passeios.
Segundo o biólogo, a ONG possui cerca de 9 mil imagens de caudas. “A cauda é a impressão digital da jubarte. Cada uma delas tem um desenho de pigmentação único”, explica Cipolotti, coautor de artigo publicado em 2023 na revista Scientific Reports, que constata o fluxo de jubartes entre os oceanos Atlântico e Índico por meio de fotoidentificações realizadas na Bahia e na África do Sul. “Isso possibilita que a baleia seja identificada, acompanhada e rastreada por meio dos diversos registros ao longo da costa.” As fotos vêm sendo depositadas há cerca de cinco anos na conta do projeto na plataforma colaborativa Happywhale, que pode ser acessada por pesquisadores e demais interessados do mundo todo.
Como lembra o oceanógrafo Agnaldo Silva Martins, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), as imagens feitas por turistas são exemplo de ciência cidadã, conceito que envolve a participação de leigos sem formação científica na coleta de dados de campo em projetos de pesquisa (ver Pesquisa FAPESP nº 323). “As fotos têm se tornado uma ferramenta cada vez mais essencial na produção de ciência e na sensibilização para a preservação ambiental”, observa Martins, coordenador científico do projeto Amigos da Jubarte, sediado em Vitória (ES).

Julio CardosoJubarte fotografada na região de Ilhabela (SP), em 2024, por Julio Cardoso, do Projeto Baleia à Vista, e batizada de SaruêJulio Cardoso
A iniciativa, criada em 2014 pela ONG Instituto O Canal, trabalha em três frentes. Além de pesquisar cetáceos, busca promover a educação ambiental em espaços como escolas e também incentivar o turismo sustentável de avistamento desses animais. Em 2019, uma parcela do trabalho passou a ser financiada pela mineradora Vale, como parte condicionante de licenciamento exigida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente para que a empresa possa exportar minério de ferro via porto de Tubarão, em Vitória.
Atualmente, o projeto realiza eventos anuais de capacitação com 10 operadoras de turismo do litoral fluminense, capixaba e baiano. Os passeios no Espírito Santo são acompanhados por monitores do Amigos da Jubarte, parte deles estudantes da graduação e da pós-graduação em biologia e oceanografia da Ufes. Nessas ocasiões, os turistas recebem uma cartilha com orientações de como fotografar os animais e encaminhar as imagens para a ONG, que deposita o material em sua conta do Happywhale. “Além de fornecer informações científicas por meio de fotografias, as saídas turísticas contribuem para os trabalhos de pesquisa desses estudantes”, diz Martins.
O conceito de ciência cidadã norteia o Projeto Baleia à Vista (ProBaV), grupo de voluntários voltado à fotoidentificação de cetáceos na região de Ilhabela (SP). “Temos na plataforma Happywhale um catálogo com cerca de 800 jubartes identificadas, além de dezenas de outros cetáceos, como baleias-de-bryde”, informa Julio Cardoso, um dos fundadores do ProBaV e autor de boa parte das imagens. Em 2004, ele, que se aposentou como executivo de empresas privadas, fez no litoral paulista seu primeiro registro de uma baleia e com assessoria da bióloga Shirley Pacheco começou a organizar um catálogo de fotos.
Mais tarde, em 2016, criou o ProBaV com a bióloga e fotógrafa Arlaine Francisco. Desde então, o grupo colabora com pesquisadores, a exemplo de Siciliano, da Fiocruz. “Como a prática de navegação é cara, realizamos saídas de campo em nosso barco para os registros fotográficos e também gravações de bioacústica”, diz Cardoso, coautor de 10 artigos publicados por Siciliano em parceria com outros pesquisadores, entre 2019 e 2025. Entre eles, está um texto sobre fotoidentificação de jubarte, que saiu neste ano na revista Conservation Biology.
As imagens são enviadas ainda por 20 operadoras de turismo de avistamento. A cada ano, elas passam por treinamento ministrado pela equipe do Projeto Baleia Jubarte em parceria com as prefeituras de Ilhabela e São Sebastião. “Em geral, são operadoras de pequeno porte, comandadas por caiçaras da região”, conta Cardoso. “Os condutores dos barcos recebem nossas dicas de como fotografar as baleias e estão fazendo um grande trabalho.”
A reportagem acima foi publicada com o título “Instante decisivo” na edição impressa nº 358 de novembro de 2025.
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