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BOAS PRÁTICAS

Prestígio fraudulento

A Prime Scholars, editora que publica 56 periódicos científicos, está sendo acusada por pesquisadores de universidades da Europa, Estados Unidos e Austrália de usar de forma fraudulenta e sem autorização seus nomes como editores ou relacioná-los como responsáveis por falsos artigos científicos. O objetivo seria simular prestígio para seus títulos e atrair autores desavisados. A empresa tem endereço em Londres, mas, aparentemente, opera na Índia – muitos autores que publicam em suas revistas são de universidades e instituições indianas.

Marina Picciotto, neurocientista da Escola de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos, conhecida por estudos sobre os efeitos da nicotina na memória e em comportamentos de recompensa, é mencionada como coordenadora do conselho editorial da revista Current Neurobiology, da Prime Scholars, mas diz não ter nenhuma relação com o periódico. Já protestou contra a inclusão fraudulenta e pediu para seu nome ser removido, sem sucesso. “Fico furiosa com a ideia de que alguém veja meu nome nessa revista e, por conta disso, decida dar dinheiro a esses golpistas para publicar um artigo”, disse Picciotto, segundo a revista Times Higher Education (THE). Ela é editora-chefe de outra publicação, o respeitado The Journal of Neuroscience, órgão da Sociedade de Neurociência, com sede em Washington, que reúne mais de 37 mil pesquisadores.

Muitos dos artigos falsificados têm a aparência de short communications, manuscritos com no máximo 3 mil palavras usados para disseminar rapidamente uma ideia ou a conclusão de um trabalho científico, mas são contrafações feitas por ferramentas de inteligência artificial. Em alguns casos, porém, os robôs utilizam como matéria-prima preprints genuínos, estudos com resultados preliminares e sem revisão por pares divulgados em repositórios públicos, que podem ou não vir a ser publicados em revistas.

Outra vítima do golpe, Janina Steinert, que é professora assistente de saúde global na Universidade Técnica de Munique, afirmou que seus colegas provavelmente perceberiam como uma fraude a short communication atribuída a ela na revista Diversity & Equality in Health and Care, da Prime Scholars. “Mas minha preocupação era que pudessem achar que eu estava tentando aumentar o número de minhas publicações ou citações por meio de artigos falsos”, disse, segundo a THE. Para despistar, a editora costuma alterar endereços de e-mail dos autores ou atribuir a eles afiliações falsas ou desatualizadas. Steinert foi citada no artigo como se fosse afiliada à Universidade de Oxford, onde fez o doutorado e mantém um vínculo de pesquisadora associada.

Os títulos publicados pela Prime Scholars são de áreas como agricultura, química, neurociências, genética e veterinária. A maioria não está indexada em bases de dados internacionais, como Scopus e Web of Science, mas alguns declaram fazer parte do Journal Citation Report, da Clarivate, que contabiliza a média de citações de milhares de periódicos e é usada como parâmetro de impacto e visibilidade. Mesmo nesse tipo de revista da editora com aparência mais respeitável ocorrem eventos estranhos. O multidisciplinar British Journal of Research, por exemplo, recentemente protagonizou um inusitado caso de má conduta: grandes nomes da literatura, todos já mortos, como Hermann Hesse, William Faulkner e Charlotte Brontë, foram listados como autores de artigos sobre tópicos de ciência básica. Um texto sobre o caso publicado pelo site Retraction Watch, que divulga casos de má conduta científica e retratação de artigos, afirmou que seus leitores “não acharão surpreendente que seja possível publicar praticamente qualquer coisa em algo que se pareça com um periódico”.

Procurados tanto pela THE quanto pelo Retraction Watch, os editores da Prime Scholars não se pronunciaram sobre as denúncias.

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