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Zootecnia

Protegidos contra o calor

Proteína ativada precocemente reduz a mortalidade de frangos por variações na temperatura ambiental

O setor avícola brasileiro investiu pesado em infra-estrutura, modernização e novas técnicas de manejo, nos últimos anos, para aumentar o volume produzido e dar conta da demanda interna e externa. O acerto dessas medidas pode ser comprovado pelo fato de que, no ano passado, o frango ficou com o segundo lugar em importância na pauta de exportação agropecuária, atrás apenas de commodities como a soja (grão, farelo e óleo) e à frente de produtos tradicionais como o café.

O grande volume comercializado é o principal fator de lucro do setor, que deve, portanto, ter perdas mínimas para não causar impactos negativos ao processo. Nesse sentido, os criadores precisam contornar um dos problemas que ainda os atormentam: a mortandade de frangos em decorrência do estresse térmico, que atinge 1 milhão de cabeças por mês, de uma produção estimada em 300 milhões no mesmo período.

Para tentar reverter esse quadro, Marcos Macari, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal e pró-reitor de pesquisa da universidade, estimulou em embriões e em frangos recém-nascidos a produção de uma proteína de choque térmico (a hsp 70, heat shock protein), também chamada de proteína de estresse, para que, quando as aves atingissem a idade adulta, estivessem protegidas das bruscas variações de temperatura.

Os resultados obtidos, já repassados para os criadores durante congressos do setor, indicam que a ativação precoce desse mecanismo molecular possibilita melhor adaptação dos animais ao calor durante o processo de crescimento. “Nossos estudos mostram ser possível estressar a ave, tanto em temperatura alta como baixa, de forma que ela expresse mais essa proteína”, explica Macari, coordenador do projeto temático Papel da Proteína de Choque Térmico no Desenvolvimento da Termotolerância em Frangos de Corte, financiado pela FAPESP.

Estudioso e especialista em avicultura, Macari ressalta que um mito que envolve a criação de frangos precisa ser definitivamente eliminado. “É necessário desmistificar que a carne de frango tem hormônio, isso é uma inverdade, difundida não só por leigos, mas até por médicos”, alega. Macari explica que o crescimento rápido das aves deve-se ao melhoramento genético, motivado pela pressão de seleção. Esse melhoramento alia duas situações: a expressão gênica para crescimento e a voracidade, que é a capacidade de comer muito.

Tolerância térmica
Nos experimentos realizados dentro do projeto temático, tanto os ovos quanto os animais recém-nascidos foram colocados em temperatura normal de incubação, a 37,5 graus, e também a 36,5 e a 38,5 graus. “No caso do embrião, para nossa surpresa, os animais que foram incubados em temperaturas menores mostraram-se, quando adultos, mais tolerantes a altas temperaturas e tiveram maior desenvolvimento. Esperávamos o contrário, porque dados da literatura mostram que se um pintinho for exposto até cinco dias depois do nascimento a um calor intenso, e suportar esse calor, ele consegue ser mais tolerante a temperaturas ambientais elevadas na idade adulta”, conta Macari.

Nos experimentos feitos logo após o nascimento das aves, a temperatura mais alta mostrou-se mais eficaz na resposta de adaptação do organismo. Macari, no entanto, alega que, tecnicamente, esse procedimento é mais complicado, porque os galpões teriam de ser mantidos fechados durante duas a três semanas, com temperaturas elevadas. Do ponto de vista da indústria, é mais fácil trabalhar com embriões, porque é mais simples aumentar ou diminuir a temperatura de uma incubadora industrial – que incuba cerca de 1 milhão de ovos – do que fazer isso com 1 milhão de frangos ou pintinhos.

“Esse é o motivo pelo qual as pesquisas hoje na área avícola estão focadas, em grande parte, na manipulação de embrião.” “Propusemos o projeto porque o frango quando nasce é como uma criança, muito sensível ao frio, e quando cresce é muito sensível ao calor. E a velocidade de crescimento das aves é muito acelerada”, diz o professor. Devido às características genéticas do frango hoje, um pintinho que nasce, em média, com 45 gramas, em 42 ou 45 dias, no máximo, estará pesando 2,5 quilos. Como o Brasil é um país em que as condições climáticas não são severas, durante a fase inicial do sistema de criação de frango não são muitos os problemas enfrentados.

Quando a temperatura esfria muito, como ocorre normalmente no Sul, os criadores utilizam aquecedores para manter as aves aquecidas. Já o calor acaba causando mais problemas e perdas. A primavera e o outono são apontadas por Macari como as estações em que se registra a maior taxa de mortalidade de frangos de corte no país. A baixa incidência pluviométrica, aliada aos dias muito quentes e noites frias, causa um choque térmico nas aves, principalmente se já estiverem com mais de 30 dias, na etapa final de crescimento.

Durante o verão, apesar do calor, as chuvas contribuem para manter o ar mais úmido e, como nesse período o céu sempre tem mais nuvens, a incidência de raios solares sobre a terra também é menor. “O projeto teve como ponto de partida o estudo dos mecanismos fisiológicos e moleculares, para ver se podíamos melhorar a tolerância do frango ao calor”, diz o professor. “A nossa premissa, baseada em estudos principalmente celulares, é que, quando se estressa uma célula, ela produz mais a proteína hsp 70 para se proteger de condições de estresse”, explica.

Todas as proteínas presentes nas células têm uma estrutura tridimensional, mas em situações de estresse elas podemperder a configuração original. O papel da hsp 70 é evitar que as outras proteínas presentes nas células percam essa configuração. Ela está presente em todas as células, mas se expressa mais em tecidos de maior sensibilidade ao estresse, como o cérebro e o coração. Por isso, a escolha para estudar a expressão dessa proteína recaiu sobre esses tecidos, além do fígado e do pulmão.

Mudança alimentar
Na avaliação de Macari, a avicultura hoje tem um expressivo papel social no Brasil, pelo fato de ser uma proteína acessível à população de baixa renda. O quilo do frango inteiro custa para o consumidor final em torno de R$ 1,50. Segundo o professor, o frango brasileiro é barato em função do grande volume produzido e do baixo custo da mão-de-obra. Sem contar que o país é um grande produtor de milho e soja, base da alimentação das aves. “Isso faz com que o frango brasileiro seja o mais saboroso do mundo. O da Grã-Bretanha tem gosto de peixe, porque lá agrega-se farinha de peixe à ração”, comenta o professor.

O preço competitivo resultou em um aumento substancial na demanda na última década. Os 13,6 quilos consumidos em 1990 por habitante chegaram a 30,8 quilos no ano passado. Esse crescimento de consumo veio acompanhado de mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros, que passaram a comprar o frango em partes, de preferência semiprontas. O pé e a cabeça, que até poucos anos atrás faziam parte do pacote “frango inteiro” e não raro tinham como destino a lata de lixo, ganharam novos mercados. A China é o principal comprador dos pés de frango brasileiro, que têm alto valor agregado depois de desossados. A pele, processada, transforma-se em pulseiras de relógio e outros produtos.

Aplicação imediata
O projeto temático, iniciado há quatro anos, já resultou em três dissertações de mestrado e três de doutorado e tem encerramento previsto para março do ano que vem. O grupo envolvido no estudo trabalhou com 12 enfoques durante os experimentos, como estresse embrionário e pós-eclosão, variações hormonais pré e pós-eclosão, efeitos desses processos hormonais aliados ao crescimento da ave, entre outros. Todos os resultados já foram redigidos e estão sendo publicados em revistas nacionais e internacionais. Segundo Macari, a ciência avícola não espera sair a publicação em uma revista para comunicar as inovações tecnológicas.

“O que eu produzo, comunico em congressos, e a aplicação no campo ocorre logo em seguida”, diz. Por esse motivo, ele não tem como avaliar se os resultados de sua pesquisa já estão sendo aplicados por alguma indústria. “O manejo do sistema de produção é muito particularizado de empresa para empresa, não existe um padrão único no país para criação. Uma empresa pode deter segredos que não comunica porque o sistema é muito competitivo”, explica. “Se eu fizer manejo de embrião que represente ganho de peso para o recém-nascido, no final do processo terei lucro.” E exemplifica com números: cada 10 gramas a mais em um pintinho representará 100 gramas no final do sistema de produção.

Para uma avícola que produza 1 milhão de frangos por mês, esse ganho de peso do embrião significa um lucro líquido substancial. No projeto, Macari conta também com parceiros internacionais que colaboram nos estudos, como Eddy Decuypere, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e Frank Edens, da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Decuypere, que trabalha no projeto desde o início, desenvolve uma parte da pesquisa na Bélgica e vem pelo menos uma vez por ano ao Brasil. Edens juntou-se à equipe quando o trabalho já estava em andamento. No Brasil, a pesquisa tem ainda a colaboração do professor Jesus Ferro, também da Unesp de Jaboticabal, do professor Luís Lehmann Coutinho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), de Piracicaba; e de Elizabete Gonzales, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu.

Eles utilizaram três linhagens de frango na pesquisa: Cobb 500, norte-americana e a mais usada comercialmente, Ross, de origem britânica, e a pescoço pelado, que tem maior tolerância ao calor devido às características genéticas. O sistema de incubação trabalhou com 120 a mil ovos e com mil a 1.200 frangos em cada um dos 12 experimentos realizados no projeto.

Nova metodologia
Para que o estudo possa ser considerado encerrado, segundo o coordenador, duas pendências precisam ser resolvidas. Uma é a forma de quantificar a proteína. O método utilizado até aqui é o Western Blot, mas a equipe está desenvolvendo uma nova metodologia baseada na técnica Elisa. “É uma técnica muito mais simples, rápida e permite trabalhar com volumes maiores”, alega Macari. “E também queremos saber como o cérebro da ave se comporta numa situação de estresse. Principalmente como as áreas hipotalâmicas, que são os sistemas de controle de temperatura das aves, reagem.” Para fazer essa verificação utiliza-se a técnica de hibridização in situ, em que a ave é estressada, o cérebro é retirado imediatamente, congelado, cortado, e então é feita uma reação histoquímica (estudo químico de células e tecidos) para identificar e analisar qual área está reagindo melhor.

Macari defende que o conhecimento da fisiologia, bioquímica e imunologia da ave é fundamental para evitar o aparecimento de doenças e, conseqüentemente, o prejuízo. “Dessa forma, 70% dos problemas que aparecerem serão solucionados a tempo.” O professor credita uma parte do sucesso da avicultura nacional ao nível técnico e entendimento dos profissionais que trabalham no setor. “Eles são muito bons”, defende. “Isso se deve à formação que eles tiveram nas universidades brasileiras e também à inserção das empresas privadas no treinamento desse pessoal.”

Na avaliação de Macari, uma das maneiras de fazer esse conhecimento científico chegar aos interessados são os livros. Por isso, como diretor de publicações da Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia (Facta), entidade vinculada à Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), dedica-se, em alguns casos, a compilar alentadas obras sobre o tema, mesmo que para isso precise trabalhar com textos de 57 especialistas brasileiros, como ocorreu no processo de edição do livro Doença das Aves, lançado em 2000. Para Macari, essa obra preencheu uma lacuna de 50 anos, porque o último livro brasileiro sobre o assunto havia sido lançado em 1950 pelo professor José Reis, pesquisador do Instituto Osvaldo Cruz, Instituto Biológico e decano da divulgação científica no Brasil.

No final do mês passado, Macari lançou a 2ª edição do livro Fisiologia Aviária Aplicada a Frango de Corte. Tanto nos livros quanto no trabalho de pesquisa, Macari alia ao conhecimento científico a preocupação em encontrar alternativas que favoreçam o sistema de criação de frangos. O resultado do seu projeto temático com embriões e frangos recém-nascidos é prova de que conseguiu encontrar uma solução simples para reduzir a mortalidade por estresse térmico nas aves em fase de crescimento sem onerar o sistema produtivo.

Disputa acirrada pelo mercado mundial

Os Estados Unidos dominam o mercado mundial de carne de frango, mas, a cada ano que passa, o Brasil tem ficado com uma fatia maior desse disputado comércio. Em 2000, os EUA ficaram com 48% desse mercado, e o Brasil com 17%, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). No ano passado, a participação norte-americana manteve-se estável, 48%, enquanto a brasileira atingiu 21%. Esse crescimento resultou da conquista de novos mercados na Europa, em função da doença da vaca louca e da febre aftosa, e também da ampliação dos embarques para a Rússia, motivada por uma política de exportações mais agressiva, capitaneada pelas empresas Sadia e Perdigão.

Cerca de 80% da produção brasileira de frangos, hoje em torno de 600 mil toneladas mensais (perto de 300 milhões de cabeças), tem como destino o mercado interno. O restante vai para o Oriente Médio, a Europa e o Japão. No ano passado, o país embarcou 1,266 milhão de toneladas de carne de frango in natura e industrializada, o que representa crescimento de 38% sobre o volume do ano anterior. A receita proporcionada atingiu US$ 1,292 bilhão, 60,3% superior à de 2000. Neste ano, segundo o secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Pintos de Corte (Apinco), José Carlos Godoy, o Brasil tem mantido seus mercados e ampliado as vendas. Os dados disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que no mês de fevereiro os embarques de carne de frango atingiram 108.743 toneladas, volume 20% superior ao do mesmo mês do ano anterior.

O projeto
1. Papel da Proteína de Choque Térmico no Desenvolvimento da Termotolerância em Frangos de Corte (nº 97/09533-7); Modalidade
Projeto temático; Coordenador Marcos Macari – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Jaboticabal; Investimento R$ 205.387,51 e US$ 126.826,33

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