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Economia

Quando a fonte (de renda) seca

Estudos mostram que a pandemia atinge diferentemente os distintos setores da economia e põe em risco até trabalhadores que pareciam resguardados

Operário trabalha em canteiro de obras de shopping center, na zona oeste de São Paulo

Léo Ramos Chaves

Do perigo de adoecer, enfrentado por enfermeiros, médicos e sepultadores, até a súbita interrupção da renda, o mundo do trabalho foi particularmente abalado pela pandemia da Covid-19. Enquanto profissionais de setores considerados essenciais não suspenderam suas jornadas, expondo-se, portanto, ao risco de contaminação, outros trabalhadores, de distintos setores da economia, permanecem em casa – em muitos casos, sem nenhum tipo de rendimento. Desde o início das medidas de isolamento social no Brasil, em março, pesquisadores que investigam o impacto da pandemia sobre o universo laboral mostram que ele é mais amplo do que o inicialmente imaginado, e até mesmo categorias consideradas mais seguras deverão ser afetadas pela crise sanitária.

Diferentes setores econômicos estão sendo atingidos de formas distintas, indica o estudo “Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil”, lançado pelo Grupo Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GIC/IE-UFRJ). Enquanto o comércio deve perder mais de 2 milhões de ocupações (6,2%), a construção civil e a indústria manufatureira, com fábricas fechadas ou ritmo diminuído, perdem cerca de 1,2 milhão cada uma (4,4%). A previsão para a indústria extrativa, por sua vez, envolve recuo consideravelmente menor, de 32 mil ocupações (1,3%), e para as atividades financeiras, de 36 mil (1%).

No estudo, os pesquisadores usam o conceito de ocupação, que abrange todos os tipos de atividade laboral, do emprego formal ao chamado “por conta própria”. Assim, é possível contabilizar pessoas que não perderam o emprego, mas tiveram redução nas horas trabalhadas – diminuir o expediente dos trabalhadores equivale a demitir parte deles –, bem como efeitos sofridos pelos informais, que trabalham, mas não são empregados. Segundo a economista Esther Dweck, professora da UFRJ e coordenadora da pesquisa, o estudo capta o potencial da queda, que pode ou não se efetivar. “Como a lei agora permite a redução de jornada e de salário, é uma decisão da empresa se ela vai recorrer às demissões ou não”, explica. “O mesmo vale para os informais: se a pessoa muda de atividade, pode não trabalhar todas as horas que faria normalmente. O conceito de ocupação permite ver isso.”

Somando todos os setores, o mercado de trabalho brasileiro pode sofrer um fortíssimo impacto, com redução entre 4,7 e 14,7 milhões de ocupações, nas estimativas da UFRJ. O cenário menos pessimista, com 4,7 milhões de ocupações perdidas, já pode ser praticamente descartado, afirma Dweck, porque envolveria uma retomada econômica veloz. O resultado que os pesquisadores tratam como mais provável diz respeito a uma recuperação mais lenta. Nele, a perda de ocupações ficaria em 8,3 milhões. Quanto mais tempo durar a pandemia no Brasil, entretanto, mais o cenário se aproxima da versão pessimista.

Em maio, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que o número de horas trabalhadas no mundo cairia 10,7% no segundo trimestre deste ano, após o tombo já significativo de 4,8% no primeiro trimestre. Nas Américas, o impacto estimado para o segundo trimestre chega a 13,1%. A OIT também alertou que os trabalhadores sem vínculo empregatício formal sofreram impacto desproporcionalmente mais forte. No mundo todo, informa a entidade, 1,6 bilhão desses trabalhadores teve perda de renda.

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Postos fechados
O economista Lauro Mattei, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (IE-UFSC), lembra que a situação do emprego no Brasil já era frágil quando a crise sanitária começou a afetar a economia. “O quadro socioeconômico estava em franca degradação”, observa. “Nem a pequena redução no desemprego, ao final de 2019, foi considerada uma boa notícia, porque é explicada mais pela saída de pessoas do mercado de trabalho do que pelo aumento do emprego.” 

Em janeiro, o número total de desempregados era de 11,9 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em março, quando a pandemia começou a impactar o país, o dado fechou em 12,8 milhões. Somando março e abril, segundo o Ministério da Economia, 1,5 milhão de trabalhadores formais perderam o emprego. Metade dessa perda foi contabilizada no setor de serviços, particularmente o comércio. Os dados para o trimestre terminado em abril da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, trouxeram mais notícias ruins: 4,9 milhões de postos de trabalho perdidos em três meses, dos quais 3,7 milhões eram de trabalhadores informais.

Uma consequência que já começa a ser detectada por essas pesquisas é a redução da taxa de participação na força de trabalho, ou seja, a quantidade de pessoas em idade de trabalhar que estão empregadas ou procurando emprego. Segundo o Boletim de Macroeconomia do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), a taxa de participação caiu 0,7 ponto percentual entre o último trimestre do ano passado e o primeiro trimestre deste ano, queda considerada forte. Normalmente, um recuo da participação indica uma alta do desalento, ou seja, de pessoas que saem das estatísticas de desemprego porque desistiram de procurar trabalho. Mas essa não é uma situação normal.

“A taxa de desocupação poderia estar ainda mais alta, mas a crise atual é particular, porque demanda que a maior parte da população fique em casa”, explica o economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre. Sem sair à rua, muitos novos desocupados não podem procurar emprego, o que diminui o tamanho da força de trabalho e mitiga os dados de desocupação. Ainda assim, a estimativa do Ibre-FGV é de que a taxa de desemprego chegue a 18,7% ao longo do ano. Já a queda esperada para o tamanho da força de trabalho é de 3%. “Por outro lado, não verificamos um aumento do desalento. A Pnad é feita por telefone, então o pesquisador pode perguntar ao desempregado se ele desistiu de procurar trabalho. E as pessoas têm respondido que não”, diz Duque.

A resposta sugere que, com a reabertura da economia, esses trabalhadores voltarão a buscar ocupações. Mas isso não significa que elas estarão disponíveis, porque a catástrofe econômica é ainda mais expressiva no mercado de trabalho do que no PIB (Produto Interno Bruto), observa Mattei. A razão é que os setores mais afetados são intensivos em mão de obra, ou seja, empregam proporcionalmente mais trabalhadores. O professor da UFSC ressalta os pequenos empreendimentos, sobretudo no comércio, que têm mais dificuldade de automatizar seus serviços. Uma consequência desse efeito sobre o emprego é apontada por Dweck, que chama a atenção para o potencial aumento da desigualdade não revelado pelos números, já que, em média, os salários são mais baixos nos setores que mais tendem a demitir ou a reduzir horas trabalhadas. Ou seja, trabalhadores que já recebem menor remuneração correm o risco de uma perda mais forte.

Os dados da Pnad dão indícios desse efeito: o rendimento médio real daqueles que estão ocupados foi de R$ 2.425,00, um crescimento de 2,5% em relação ao ano passado. Segundo Duque, isso significa que os empregos perdidos foram os de menor remuneração. No entanto, empregos de remuneração maior também serão afetados em breve, como aponta o economista Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). “Os primeiros setores a sofrer efeitos são, de fato, o comércio e os serviços, que têm impacto direto com a queda de demanda. E são setores com um peso grande no PIB, o que amplia o impacto sobre os números do desemprego. Mas a indústria também tende a ser muito afetada, tanto pela eventual falta de insumos quanto pela queda do consumo das famílias”, argumenta Mello. “Outro problema é o aumento de custos, já que muitos insumos são importados e o real se desvalorizou bastante.”

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Compensação oficial
Tentando minimizar a quantidade de demissões, em 1o de abril o governo federal editou a Medida Provisória 936, criando o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A MP permitiu a redução da jornada de trabalho por até 90 dias, com corte proporcional dos salários. Autorizou também a suspensão de contratos de trabalho por até 60 dias. O corte da jornada, que pode ser de 25%, 50% ou 70%, deve resultar de acordo entre empregados e patrões e envolve um complemento do salário reduzido, pago pelo governo. O valor máximo recebido pelo trabalhador é aquele a que teria direito pelo seguro-desemprego em caso de demissão.

A compensação oferecida pelo governo, no entanto, não é suficiente para evitar a perda de renda dos trabalhadores, segundo pesquisa do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do IE-Unicamp, exceto para aqueles que recebem um salário mínimo. Entre os que recebem três salários mínimos, a queda de rendimento pode chegar a 42,2%. Na faixa de cinco salários, o pior cenário traria uma queda de 65,3%. “Ou seja, o trabalhador com salário mensal de R$ 5.225,00 passaria a receber R$ 1.813,03”, explica Mello, um dos responsáveis pelo cálculo. O estudo também estima uma queda na massa salarial do setor privado entre R$ 7,4 bilhões (9,4%) e R$ 21,7 bilhões (27,7%). “Já vemos sinais da perda de poder aquisitivo nos dados que estão saindo, como o PIB e a Pnad Contínua. A queda de 1,5% do PIB no primeiro trimestre foi puxada pelo consumo das famílias. A massa salarial também teve queda. Tudo isso também é efeito da MP”, diz o economista.

Com a MP, até maio, mais de 7,2 milhões de trabalhadores com carteira assinada tiveram a jornada reduzida. Já as suspensões de contrato atingiram 3,9 milhões de trabalhadores, de acordo com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério do Trabalho. Segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), alguns acordos feitos com mediação de sindicatos garantiram a antecipação de férias coletivas, evitando a perda de renda dos trabalhadores. Ainda assim, entre março e abril houve um salto de 39,4% no número de solicitações de seguro-desemprego, aponta o Ministério da Economia. No fim de maio, o ministério divulgou também os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), indicando o fechamento de 1,1 milhão de postos de trabalho em março e abril.

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Os novos vulneráveis
O Congresso aprovou também a Lei nº 13.982, que instituiu o auxílio emergencial de R$ 600,00, por três meses, para famílias que recebem até três salários mínimos (R$ 3.135,00) por mês e com renda tributável máxima, em 2018, de R$ 28.559,70. “O público potencial desse programa está entre 60 milhões e 70 milhões de pessoas, o que quer dizer que é bem abrangente”, afirma o sociólogo Rogério Barbosa, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP. No entanto, o pagamento está limitado a duas pessoas por família, ou seja, não há pagamentos superiores a R$ 1.200. Uma família com dois adultos e uma criança recebe o mesmo valor que outra família com várias crianças, assim como uma família com três ou mais adultos que perderam o emprego.

O auxílio emergencial beneficia trabalhadores informais, que não têm acesso ao seguro-desemprego. Com 41,4% da força de trabalho atuando no setor informal, o Brasil tem 52% dos trabalhadores fora do regime de proteção social, segundo dados do IBGE. São esses os mais vulneráveis: sem carteira assinada ou direitos trabalhistas, podem ser facilmente dispensados e não recebem benefícios. Também costumam estar entre os trabalhadores mais pobres, diz Barbosa. “Boa parte dessas pessoas trabalha nos setores considerados não essenciais, ou em setores que, mesmo sendo considerados essenciais, estão funcionando em marcha reduzida, como o de alimentação”, observa. Nesses segmentos, são os informais que correm o maior risco de ver sua renda secar.

Com o advento da pandemia, no entanto, um fenômeno novo vem sendo observado. “Trabalhadores do setor formal também estão em risco. São os novos vulneráveis”, aponta o sociólogo. “Esse grupo é composto, por exemplo, de pequenos empreendedores, que às vezes empregam pessoas, nunca foram pobres, estão fora do perfil das políticas sociais, não estão no cadastro único, então não podem acessar o auxílio emergencial”, explica. Usando dados de diversas origens, como o uso de cartão de crédito (Cielo) e o registro de demissões e perda de faturamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Barbosa e o também sociólogo Ian Prates, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da Social Accountability International, concluíram que 83,5% dos trabalhadores brasileiros estão vulneráveis à perda de trabalho e renda – 45,9% deles são formais. Os dois sociólogos respondem pelas pesquisas sobre mercado de trabalho e renda, proteção social e políticas emergenciais na rede de Pesquisa Solidária, estabelecida em março com o objetivo de influenciar decisões de políticas públicas.

Em paralelo, os empregados formais desses pequenos empresários também estão mais suscetíveis do que estariam em outras crises econômicas. Se perderem o posto de trabalho, podem recorrer ao auxílio-desemprego. “Mas isso por um período até cinco meses apenas. O que acontecerá depois? Ele estará desempregado, com a economia quebrada e sem acesso a essa proteção”, alerta Barbosa. Se não houver alteração na legislação vigente, em agosto se encerram tanto o auxílio emergencial quanto o seguro-desemprego de muitos dos que foram demitidos desde o início da pandemia. “Isso não será o pós-pandemia e não seria mesmo que a curva de infecções já estivesse caindo, porque a crise econômica vai se prolongar mesmo depois que o período mais grave passar”, adverte.

Outro perigo é o risco de falência de micro e pequenas empresas, que têm acesso muito limitado ao crédito. Se pequenos salões de beleza, armazéns e padarias encerrarem as suas atividades por falta de receita, a crise se estenderá, porque esses negócios não poderão restabelecer-se. Como consequência, ingressariam na estatística do desemprego não só os eventuais empregados desses pequenos negócios, mas também seus proprietários. As primeiras medidas de proteção econômica contra a crise não contemplavam esse segmento, que só passou a ser elegível para o auxílio emergencial em meados de maio, quando foi sancionada a Lei nº 13.999, que instaurou um Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). O programa destina até R$ 15,9 bilhões em empréstimos com taxa de juros limitada a 1,25% acima da taxa básica da economia, a Selic.

“Era uma das maiores lacunas na cobertura emergencial da pandemia. Falta crédito para essa população, que já tem uma experiência traumática com bancos e financiadoras, porque boa parte desses empreendedores não é elegível para linhas usuais dos bancos e adquire até insumos em cartão de crédito, com juros altíssimos”, alerta Barbosa. “São pessoas que já vivem atoladas em dívidas e estão atrasando pagamentos de fornecedores e funcionários. Quando a economia for reativada, é preciso que possam investir na recuperação do negócio, recontratar, produzir e gerar receita.”

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Setores essenciais
Manter grande parte da população em casa exige que pelo menos uma parcela da economia siga funcionando. São as chamadas atividades essenciais, que envolvem a produção e distribuição de energia elétrica, alimentos, parte dos transportes e policiamento, por exemplo. No Brasil, a definição vigente de tais atividades foi estabelecida em três decretos presidenciais, de março, abril e maio. De acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), também cabe a estados e municípios determinar o encerramento das atividades de alguns setores, se necessário para conter a disseminação do vírus Sars-CoV-2.

Para trabalhadores de serviços essenciais, cumprir o expediente pode implicar exposição ao risco de contágio. No Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Trabalho divulgou em maio que um terço dos casos de Covid-19 no estado envolvia funcionários de frigoríficos. No Rio de Janeiro, foram registradas 20 mortes de motoristas de ônibus. Em maio, uma das atividades que passou a ser considerada essencial pelo governo federal foi a construção civil. Mas, mesmo antes disso, governos estaduais não haviam interrompido o andamento de obras, com interrupções apenas em Sergipe, Ceará, Amapá e Piauí. A manutenção das obras foi criticada por entidades de classe: o maior perigo não estaria exatamente nos canteiros de obras, mas no transporte público. Em São Paulo, o uso de máscaras em ônibus e metrôs só se tornou obrigatório no início de maio.

Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), apenas um terço das empresas do setor adotou medidas de redução de jornada de trabalho e de salários. A suspensão de contratos e as demissões foram adotadas por 22% das empresas. Em levantamentos com entidades estaduais, a CBIC divulgou que, ao longo de abril e maio, houve paralisações de obras em Sergipe, Pará, Pernambuco, Ceará e Piauí. Ainda assim, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, publicado pelo Ministério da Economia, revelou uma queda de 885 mil postos de trabalho no setor da construção.

Geração lockdown
O abalo que a Covid-19 vem causando no universo do trabalho deverá ser sentido por bastante tempo. Estudo divulgado em maio pela OIT sobre os efeitos da crise para a juventude aponta que, em todo o mundo, um em cada seis jovens com menos de 24 anos perdeu sua ocupação durante a pandemia. O documento chega a falar em “geração lockdown” para se referir a esses profissionais que serão duradouramente marcados pela interrupção na carreira, logo em seu início. Quando a oferta de empregos está deprimida, o desemprego de jovens é um efeito quase certo, o que pode frustrar o desenvolvimento profissional por décadas.

“Quanto mais a doença circular livremente, mais vai provocar esses abalos, desestruturando indivíduos e famílias. Muitos estudos mostram que, para o jovem que vai começar a carreira, a diferença entre ingressar no mundo do trabalho com o mercado aquecido ou deprimido é abissal. É algo que tem efeitos para o resto da vida”, alerta Duque, acrescentando que as projeções indicam uma retomada econômica lenta, afetando ainda mais essa parcela da população.

O economista Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eesp-FGV) também observa outro grave impacto de longo prazo no Brasil: o efeito da perda de renda, das demissões e falências sobre a formação do capital humano. “Muita gente que poderia entrar na universidade neste ano, por exemplo, pode desistir de prestar vestibular porque a família perdeu recursos ou até mesmo um dos responsáveis por boa parte da renda. Isso desestrutura o núcleo familiar”, afirma. “Pessoas que tinham reservado algum dinheiro para estudar vão ter de usar esses recursos para apagar incêndios.” Para o economista da FGV, a produtividade da economia brasileira, que já se desenvolvia em ritmo insuficiente, também deve ser afetada. Muitas das vítimas fatais da Covid-19 são pessoas com experiência acumulada no mercado de trabalho e não são facilmente substituídas por ingressantes recém-treinados.

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