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Ambiente

Remover carbono da atmosfera pode ajudar a conter o aquecimento global

Sistemas de captura, uso e armazenamento de CO2 são alternativa para o país mitigar os efeitos das mudanças climáticas

Petrobras realiza captura de carbono nas operações de seu navio-plataforma P-75, ancorado na bacia de Santos

Petrobras

Nos esforços para conter o aquecimento global, um conjunto de tecnologias promissoras tem ganhado destaque. São os sistemas projetados para captura, utilização e armazenamento de carbono, que visam diminuir a concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera e, assim, mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Tais sistemas são capazes de separar e impedir a liberação do gás carbônico gerado durante a exploração, a produção e o uso de combustíveis fósseis e biocombustíveis, ou mesmo capturá-lo diretamente na atmosfera, estocando-o em seguida por longos períodos em reservatórios geológicos no subsolo ou reutilizando-o direta ou indiretamente em outros produtos.

Quatro projetos do gênero, conhecidos pela sigla CCUS (Carbon Capture, Utilisation and Storage), estão sendo preparados para entrar em operação em escala-piloto no país nos próximos meses e devem ser os primeiros a funcionar em instalações terrestres no território nacional. A Petrobras, que já realiza operações CCUS em 23 plataformas marítimas de petróleo e gás, deu início à implementação de um sistema de captura e armazenamento em sua unidade de processamento de gás natural de Cabiúnas, em Macaé, no Rio de Janeiro.

Outra petroleira, a Repsol Sinopec Brasil, joint venture entre a espanhola Repsol e a chinesa Sinopec, desenvolve dois projetos que preveem reduzir o estoque de carbono presente na atmosfera por meio de sistemas de captura de carbono diretamente do ar. A iniciativa tem parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e com o centro de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico Senai Cimatec, na Bahia.

Em São Paulo, o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), resultado de uma parceria entre a petroleira Shell e a FAPESP, planeja instalar no próximo ano uma planta-piloto CCUS no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) para a geração de metanol verde, combustível renovável cuja produção não libera poluentes no ar. Para isso, a unidade empregará o CO₂ capturado no processo de produção do etanol.

“A captura de carbono tem papel fundamental na transição energética”, afirma o engenheiro e físico Julio Romano Meneghini, diretor científico do RCGI. “O mundo precisa urgentemente deixar de depender de petróleo, gás natural e carvão. Enquanto essa dependência existir, é necessário capturar e armazenar o CO₂ decorrente do processo do uso dos combustíveis fósseis.”

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Sistemas baseados em captura e armazenamento de carbono ainda são poucos no mundo. A Agência Internacional de Energia (IEA) relacionava 47 instalações CCUS em operação em 2022 com capacidade para remover da atmosfera 45 milhões de toneladas de dióxido de carbono (Mt CO₂) por ano, um volume ainda muito limitado ante as emissões de 37,4 bilhões de toneladas de CO₂ por ano apenas no setor de energia. Levando em conta apenas os projetos já anunciados, que somam quase 100, a IEA estima que a capacidade de captura e de destinação alcançará 1 bilhão de toneladas em 2030, mais do que a emissão anual da aviação civil, calculada pela agência em 800 Mt (ver Pesquisa FAPESP no 337).

Para 2050, a estimativa mundial da agência é de 6 bilhões de toneladas de CO₂. Esse volume representa quase três vezes o total de emissões brasileiras em 2022, que alcançou 2,18 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO₂e), segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), principal plataforma de monitoramento de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na América Latina. Gás carbônico equivalente é uma medida internacional que estabelece a equivalência entre todos os GEE (metano, óxido nitroso, entre outros) e o dióxido de carbono.

A Petrobras tem se destacado nessa atividade, que pode trazer ganhos ao seu processo produtivo. Em 2023, a petrolífera capturou 17 Mt de CO₂, 27% do total sequestrado em todo o mundo. O carbono é removido do gás natural associado ao petróleo retirado dos poços do pré-sal. Ele é separado de outros gases presentes, como metano, etanol e propeno, por meio de membranas, uma das técnicas em uso (ver infográfico abaixo), e reinjetado novamente nos poços. Além de evitar a emissão de CO₂, esse processo, denominado recuperação avançada de petróleo, aumenta a produtividade da extração de óleo.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

“A reinjeção é uma solução para atender ao compromisso da companhia de não liberar na atmosfera o dióxido de carbono presente no gás natural e, assim, produzir petróleo com baixa emissão de carbono nos campos do pré-sal”, diz Mauricio Tolmasquim, diretor de transição energética e sustentabilidade da petroleira.

A Petrobras separa e armazena mais de 97% de todo o CO₂ originário do gás natural associado ao óleo extraído dos poços do pré-sal. Desde 2008, quando iniciou o procedimento, a companhia reinjetou mais de 53 Mt de CO₂ e planeja expandir a operação para mais sete plataformas de petróleo. A meta é alcançar 80 Mt reinjetados até 2025.

Em 2023, a empresa anunciou um projeto-piloto CCUS na unidade de processamento de gás natural de Cabiúnas, em Macaé, onde já funciona um sistema de remoção de CO₂ que utiliza outra tecnologia, a de absorção química. A Petrobras recorre a esse sistema para adequar para a venda o gás natural proveniente do pré-sal, que tem como característica um grande teor de CO₂.

Entrevista: Julio Romano Meneghini
00:00 / 12:40

Hoje, o dióxido de carbono sequestrado em Cabiúnas é liberado na atmosfera. Com o projeto-piloto, o gás será comprimido, transportado por um duto por cerca de 60 quilômetros (km) até o aquífero salino São Tomé, em Quissamã (RJ), onde será injetado e armazenado. Essa operação deverá entrar em operação em 2027 e, por ser um projeto-piloto, terá uma duração limitada a dois ou três anos, com injeção anual de 100 mil toneladas de CO₂.

“O projeto-piloto permitirá confirmar a capacidade de armazenamento de São Tomé, que tem potencial para ser um dos principais reservatórios de CO₂ da região Sudeste. Também nos possibilitará desenvolver e testar técnicas de monitoramento do armazenamento para garantir que não haverá escape do gás”, detalha Tolmasquim.

O sucesso dessa iniciativa, afirma o executivo, será determinante para a Petrobras seguir com um projeto de instalação do primeiro hub comercial CCUS do país. Se confirmado, a estrutura será constituída de dutos para o transporte do CO₂ ligando o reservatório salino em Quissamã a outras instalações de processamento de óleo e gás da Petrobras no estado do Rio de Janeiro, como a refinaria localizada em Duque de Caxias.

Setor sucroenergético e de hidrogênio
Além da indústria de petróleo e gás, avalia Meneghini, da USP, o setor sucroenergético e os fabricantes de hidrogênio reúnem boas condições técnicas para a instalação de sistemas de captura e destinação de CO₂. Hoje, 80% do hidrogênio produzido no mundo usa como insumo o gás natural. É o chamado hidrogênio cinza (ver Pesquisa FAPESP no 333), cuja fabricação lança poluentes no ar. Cada quilo (kg) de hidrogênio cinza produzido emite 10 kg de CO₂. “A captura e o armazenamento de parte do CO₂ resultante do processo permitem reduzir as emissões para menos de 4 kg de CO₂ por quilo de hidrogênio gerado. É o que se classifica como hidrogênio azul”, detalha Meneghini.

No setor sucroenergético, o maior potencial está no processo de fermentação de cana-de-açúcar ou milho para a produção de etanol, que resulta da emissão na atmosfera de CO₂ com alto grau de pureza. Isso quer dizer que mais de 90% do gás liberado durante o processo fermentativo da cana e do milho é composto por dióxido de carbono. Dessa forma, é mais fácil fazer sua separação de outros gases e comprimi-lo.

Nos Estados Unidos, a prática é comum entre produtores de etanol de milho, e no Brasil, a FS, fabricante de etanol de milho, já anunciou a intenção de construir uma planta-piloto de captura e armazenamento de CO₂ em sua usina em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso.

Uma pesquisa realizada pela engenheira mecânica Sara Alexandra Restrepo Valencia, durante o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avaliou a viabilidade técnica e econômica dos processos de captura e armazenamento em instalações de bioenergia. O trabalho venceu o Prêmio Capes de Teses de 2023 na categoria interdisciplinar. Segundo Valencia, uma usina que processa 4 Mt de cana-de-açúcar por ano emite 0,5 Mt de CO₂ durante o processo de fermentação. Caso o estabelecimento aproveite os resíduos para gerar bioeletricidade, é emitido mais 1 Mt de CO₂ por ano.

O custo médio para a captura do carbono com elevada pureza gerado na fermentação e seu armazenamento a uma distância de até 100 km da usina, de acordo com a pesquisadora, é de US$ 30 por tonelada de CO₂. Já o CO₂ emitido na geração de bioeletricidade pelo método convencional de turbinas a vapor é impuro e demanda o uso de tecnologias de separação do CO₂ de outros gases, antes da compressão, transporte e estocagem – a separação é necessária para que a reação química de solidificação do dióxido de carbono nas reentrâncias de rochas porosas ocorra adequadamente, reduzindo o risco de escape do gás armazenado no subsolo. Isso faz com que o custo médio do processo duplique. “As operações de captura e armazenamento apresentam um valor elevado e os usineiros não se sentem estimulados a assumir esse custo”, afirma Valencia.

Para o engenheiro mecânico Arnaldo Cesar Walter, orientador de Valencia no doutorado, a comercialização de créditos de carbono poderá ser um estímulo importante para a implementação de sistemas de captura e destinação de carbono no Brasil. O país, porém, ainda não conta com um mercado regulado de crédito de carbono (ver box). Para as usinas de biocombustíveis, uma fonte de receita é o programa federal RenovaBio, instituído em 2017, que gera um crédito de descarbonização (CBIO) para cada tonelada de CO₂ evitada. O valor de mercado do CBIO era de cerca de R$ 100 no final de março. Para Meneghini, a viabilidade econômica dos sistemas de captura e destinação de carbono vai depender também de apoio governamental e regulamentação da atividade.

Entrevista: Arnaldo Cesar Walter
00:00 / 10:34

O potencial de aproveitamento de CO₂ como matéria-prima para outros produtos comercializáveis ainda é pequeno. Entre os usos possíveis está a produção de fertilizantes à base de ureia e produtos químicos, como ácidos orgânicos e metanol. Pesquisadores do RCGI desenvolveram e patentearam um processo de geração de metanol verde que vai entrar em operação experimental em 2025.

De acordo com o engenheiro químico Pedro Miguel Vidinha, do IQ-USP, que participa do projeto, o processo poderá utilizar o CO₂ capturado na fabricação do etanol para produzir metanol. As moléculas de CO₂ são misturadas com as de hidrogênio verde, obtido a partir de fontes de energia renováveis, em um reator químico. A reação utiliza como insumo um catalisador patenteado pelo grupo capaz de converter o CO₂ em metanol. A pesquisa sobre o catalisador gerou um artigo no Journal of CO₂ Utilization, em setembro de 2020.

A planta-piloto será instalada no IQ-USP e terá capacidade para produzir 1 tonelada de metanol por semana. O estudo da viabilidade econômica do processo será realizado ao longo deste ano. “O potencial é muito grande, uma vez que o metanol verde é considerado uma alternativa para a descarbonização da indústria naval”, diz Vidinha. A transportadora marítima dinamarquesa Maersk já encomendou de diversos estaleiros estrangeiros 18 navios movidos a metanol. O primeiro deles entrou em operação em fevereiro. A empresa estima que reduzirá em mais de 80% as emissões de carbono com as novas embarcações.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
Entenda a tecnologia de captura e armazenamento
O carbono é estocado em reservatórios a mais de 800 metros de profundidade

Já existem várias tecnologias maduras e comerciais que podem ser aplicadas para a remoção de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera ou de correntes gasosas, como as associadas ao petróleo. As quatro mais comuns são a absorção química, a separação por membranas, a adsorção e a destilação criogênica.

Independentemente da técnica, após ser separado de outros gases, o CO2 é submetido a temperaturas superiores a 32 graus Celsius (°C) e a uma pressão de 7,38 megapascal (MPa), alcançando o chamado estado supercrítico. Nessa condição, ocorre um aumento da densidade do gás, levando-o a um estado próximo ao líquido. Com isso, seu volume se reduz, o que facilita o transporte por dutos, caminhões ou navios até o local de armazenamento.

Nesse ponto, ele será injetado em reservatórios subterrâneos e deverá permanecer por centenas de anos ou indefinidamente. Entre os locais possíveis de armazenamento figuram campos de óleo e gás exauridos, aquíferos salinos, formações rochosas vulcânicas, como basalto, e sedimentares, como arenito, calcário e sal-gema, que possuem porosidade e permeabilidade para a absorção do fluido.

“O reservatório onde será depositado o CO2 deverá estar a, no mínimo, 800 metros de profundidade. Lá, o gás será submetido a condições de pressão e temperatura capazes de manter seu estado supercrítico, dificultando que escape e volte à atmosfera”, explica o geólogo Colombo Celso Gaeta Tassinari, pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI).

Selados com cimento
Após o preenchimento do reservatório, os poços abertos para injeção do gás são selados, normalmente com cimento. Caso haja escape, o CO2 volta ao seu estado gasoso e todo o processo se perde.

O potencial de áreas de armazenamento de carbono no Brasil é muito grande, tanto em reservatórios terrestres como oceânicos. Apenas a bacia sedimentar do Paraná, que abrange uma região que se estende de Mato Grosso ao Rio Grande do Sul, teria condições de acolher todo o CO2 gerado nas regiões Sul e Sudeste. As bacias sedimentares do São Francisco, do Parnaíba e amazônica também são avaliadas como promissoras. Bacias sedimentares são uma estrutura geológica formada por várias camadas de rochas sedimentares e vulcânicas.

A definição de um local para a instalação de um reservatório é feita por meio de estudos geológicos e geofísicos que podem levar quatro anos ou mais. Um reservatório em uma área de 10 quilômetros quadrados (km2) é capaz de armazenar alguns bilhões de toneladas de CO2, informa Tassinari.

Com apoio da FAPESP, Tassinari realiza um estudo sobre as características geoquímicas e hidromecânicas de reservatórios geológicos de CO2 no país. O armazenamento de carbono capturado, avalia o pesquisador, é uma ação necessária. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a expectativa é de que apenas 8% do CO2 capturado até 2070 será destinado a uso industrial. “Os outros 92% terão de ir para o armazenamento geológico”, diz Tassinari.

A reportagem acima foi publicada com o título “Menos carbono na atmosfera” na edição impressa nº 340, de junho de 2024.

Projetos
1.
Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) (no 20/15230-5), Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 19.516.850,65.
2. Estudo das características geoquímicas e hidromecânicas de reservatórios geológicos de CO₂ a partir de monitoramento geofísico dos processos de interação de fluidos ricos em CO₂ com rochas – EHMPRES (nº 22/02416-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Colombo Celso Gaeta Tassinari (USP); Investimento R$ 164.754,94.

Artigo científico
MALUF, N. E. C. et al. Zeolitic-imidazolate framework derived intermetallic nickel zinc carbide material as a selective catalyst for CO2 to CO reduction at high pressure. European Journal of Inorganic Chemistry. 29 ago. 2021.

Tese de doutorado
VALENCIA, S. A. R. Avaliação da viabilidade técnico-econômica de sistemas Beccs na geração de eletricidade com uso de biomassa residual da cana. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2022.

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