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Carta do editor | 52

Repondo as coisas em seus termos justos

A pesquisa científica, com freqüência, derruba idéias preconcebidas

Existe hoje uma impressão generalizada de que o consumo de drogas ilegais no país, especialmente entre as faixas mais jovens da população, atinge índices de um dramático flagelo social. Mas, ainda que seja justa a preocupação com o consumo, dados os pesados dramas individuais e as mazelas sociais que ele aciona, e ainda que se conclua que o Estado deveria enfrentar o tráfico das drogas ilegais com ações muito mais efetivas do que aquelas de que tem se valido, dado seu efeito devastador sobre o tecido social e mesmo para a economia, é necessário registrar que: considerando-se parâmetros internacionais, e extrapolando para o país a situação de São Paulo, é baixo o consumo das drogas ilegais no Brasil. É bem menor que o consumo dessas drogas nos Estados Unidos, por exemplo. Já, de fato, alarmantes, são os índices de consumo de drogas legais, como o álcool e o fumo.

Essas são revelações do estudo que é tema de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, baseado num levantamento feito nas 24 maiores cidades do Estado de São Paulo e que já forneceu a seus autores material suficiente para um livro, com lançamento programado para o mês de maio. Os pesquisadores pretendem ampliar o estudo para todo o país, providência que poderá se mostrar extremamente útil para fornecer novas bases empíricas às políticas relativas às drogas e até para corrigir falsas impressões difundidas na opinião pública.

Pesquisa FAPESP também concede um bom espaço a outra importante pesquisa cujos resultados subvertem algumas noções do senso comum. Trata-se do projeto Rurbano, um extenso estudo sobre o mundo rural brasileiro, que já foi algumas vezes objeto de reportagens na imprensa nacional, mas que continua avançando na análise do processo de transformação sócio-econômica do chamado campo, para mostrar que cada vez menos rural e agrícola são equivalentes no Brasil. O rural é, na verdade, muito maior que as atividades agrícolas que pressupõe, como o demonstra, por exemplo, o crescimento do setor de serviços e da renda dele decorrente, nesse universo.

De certo modo, destina-se igualmente a provocar alguma turbulência em convicções instituídas – por exemplo, a de que não se pode falar em contribuições brasileiras à ciência antes do século 20 -, o suplemento especial desta edição sobre 500 anos de ciência e tecnologia no Brasil. É claro que ele tem um sentido de comemoração, que é mais uma peça entre as muitas que foram e estão sendo produzidas em homenagem a esses cinco séculos de uma história que fez do Brasil o país que ele é hoje. Mas alinha-se entre aquelas que, independentemente de uma roupagem mais ou menos formal, mais ou menos sofisticada, querem provocar reflexão e são passíveis de serem aprofundadas, desdobradas.

Finalmente, como tem ocorrido sistematicamente nas edições mais recentes de Pesquisa FAPESP, por força da impressionante dinâmica do programa Genoma patrocinado por esta fundação, voltamos a publicar, neste número, matérias dando conta dos avanços obtidos nesse front: no caso, nos projetos Genoma Humano do CâncerGenoma-Cana e até mesmo no já concluído projeto da Xylella fastidiosa – porque, graças à expertise acumulada, os pesquisadores da ONSA foram convidados a seqüenciar, junto com colegas norte-americanos, o genoma de uma variante dessa bactéria que afeta as videiras da Califórnia. Mas não poderíamos deixar de registrar na seara da genômica os resultados da pesquisa feita em Minas Gerais, e altamente significativa para o país, sobre o padrão genético dos brasileiros brancos (de fato, fortemente índios). E para concluir: de última hora, chegou-nos a informação de que a Nature publicará brevemente o artigo científico dos pesquisadores brasileiros sobre o genoma da Xylella fastidiosa. A solução editorial foi incluir uma linha sobre isso na notícia que dá conta da parceria com os Estados Unidos, provocada pela X. fastidiosa.

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