Os membros do conselho de revisores da revista Scientometrics, especializada em estudos quantitativos sobre a ciência, protagonizaram um desentendimento público a propósito da retratação de um artigo. Para alguns conselheiros, o trabalho foi cancelado de forma inapropriada e injusta. O paper em questão, publicado em 2021 por dois pesquisadores da República Checa, analisou a presença de revistas científicas suspeitas de práticas predatórias na base de dados Scopus, mantida pela editora Elsevier.
Para mapear a penetração desse tipo de periódico, que publica artigos em troca de dinheiro e em geral sem fazer uma genuína revisão por pares, os autores basearam-se na polêmica lista de revistas desonestas compilada entre 2008 e 2017 pelo bibliotecário Jeffrey Beall, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. A lista original deixou de ser publicada depois que Beall enfrentou processos milionários movidos por editoras que discordavam de seus critérios e se diziam injustiçadas. Mas ainda é possível encontrar na internet várias listas atualizadas de revistas apontadas como predatórias que buscam alertar autores sobre títulos com práticas antiéticas.
A retratação do paper da Scientometrics foi solicitada pela Frontiers Research Foundation, que publica 187 revistas científicas revisadas por pares e foi uma das editoras que protestaram contra sua inclusão na lista de Beall, em outubro de 2015. O bibliotecário, na época, argumentou que alguns títulos da Frontiers publicaram artigos de má qualidade, por isso foram incluídos. Das 29 revistas do grupo analisadas no estudo, apenas quatro não estavam entre as 25% mais citadas em seus campos de conhecimento, em um sinal de que são respeitadas por suas comunidades. “A lista de Jeffrey Beall não é uma fonte de dados legítima para um estudo científico. Ela é tendenciosa, não confiável, não validada e atualmente indisponível”, disse um porta-voz da editora ao site Retraction Watch. Depois de analisar as alegações e submeter o artigo a um novo processo de revisão, Wolfgang Glänzel, editor-chefe da Scientometrics, determinou a retratação.
Os dois autores do artigo, Vít Macháček e Martin Srholec, da Universidade Charles e do Instituto de Economia da Academia Checa de Ciências, opuseram-se ao cancelamento, afirmando que ele foi motivado “por interesses comerciais e políticos, não acadêmicos”. Foram respaldados por 27 membros do Conselho de Revisores da revista, que publicaram um comunicado discordando da decisão. “A nota de retratação não demonstra a alegada falta de confiabilidade do artigo de Macháček e Srholec e, portanto, não fornece uma justificativa sólida para a retratação. A pressão exercida pela Frontiers sobre a Scientometrics é profundamente perturbadora, e o processo seguido pela revista para chegar à sua decisão de retratar o artigo carece de transparência”, escreveram os revisores, capitaneados por Rodrigo Costas, da Universidade de Leiden, nos Países Baixos. O trabalho foi republicado em novembro, com o mesmo título, na revista Quantitative Science Studies.
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