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Revolução no canavial

Novas usinas, variedades mais produtivas e pesquisa genética são as soluções para aumentar a oferta de álcool

Um dos atuais desafios do Brasil é aumentar a oferta de álcool combustível. As soluções englobam desde novas variedades de cana-de-açúcar, incluindo plantas transgênicas, até a simples expansão da área agrícola, além de inovações na linha de produção das usinas. Sinônimo de combustível renovável, que polui menos em comparação com os derivados de petróleo, o etanol voltou a ocupar um lugar de destaque no cenário energético do país e também começou a ser desejado por vários países. No caso brasileiro, os responsáveis pelo renascimento do álcool são os carros bicombustíveis, ou flex fuel, que podem ser reabastecidos com álcool ou gasolina, ou ainda os dois juntos em qualquer proporção. No exterior, durante os últimos meses várias manifestações de governos e de empresas mostraram o potencial de mercado e da tecnologia de produção de etanol.

As manifestações com elogios e citações como exemplo a ser seguido vieram do presidente norte-americano, George Bush, de editoriais no New York Times e de notícias no jornal inglês Financial Times. Também foram destaque o interesse do milionário Bill Gates, um dos donos da Microsoft, em produzir etanol e a visita de dois empresários não menos endinheirados, Larry Page e Sergei Brin, proprietários do site Google, ao Brasil para conhecer usinas de álcool.

O interesse internacional no etanol fez acender ainda mais o setor sucroalcooleiro no país. Nesse mesmo tempo, segundo os próprios usineiros, a safra acabou e o álcool foi ficando escasso e com preço alto, em uma situação semelhante ao final dos anos 1980 quando o desabastecimento tirou a confiança do consumidor nos carros a álcool. Com a demanda crescente, governo, usineiros e empresários do setor só pensam em aumentar a produção de álcool. Um aumento nesse sentido, segundo os especialistas, só virá mesmo a curto prazo com a expansão agrícola da cultura e a inauguração de novas usinas. A demanda vai crescer, em pouco tempo, com o aumento da venda de carros bicombustíveis. Em 2005 eles representaram 53% do total de automóveis e veículos comerciais leves produzidos. Em fevereiro deste ano a porcentagem de vendas já era de 76%.

Atualmente, dos 15 bilhões de litros de álcool produzidos, o Brasil exporta apenas 3 bilhões. A demanda do mercado externo vai aumentar principalmente pelo alto preço do barril de petróleo e para atender às prerrogativas do Protocolo de Kyoto, em que as nações desenvolvidas terão que reduzir em 5% as emissões de dióxido de carbono (CO2), gás resultante, principalmente, da queima de derivados de petróleo. Conta também o declínio das reservas mundiais de petróleo. “A expectativa de uma demanda de álcool para os mercados interno e externo somente será atendida se houver uma expansão da área plantada de cana-de-açúcar, em regiões tradicionais ou em novas fronteiras”, comenta Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), entidade que reúne os produtores paulistas de cana, álcool e açúcar.

A expansão em São Paulo está começando pelo município de Araçatuba, uma área tradicionalmente voltada para a pecuária, que já responde por 20% da produção de cana do estado. Outras áreas de expansão estão no Triângulo Mineiro e nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Calcula-se no setor que, entre 2006 e 2010, 89 novas usinas serão instaladas no país. Hoje são 300 usinas.

Mas existirá terra para se plantar tanta cana e alimentar todas essas usinas? Uma pergunta que pode ser respondida num estudo conduzido pelo professor José Antônio Scaramucci, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a coordenação do professor Rogério Cerqueira Leite e realizado para o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e para o Ministério de Ciência e Tecnologia. “Existem no Brasil mais de 90 milhões de hectares (ha) agriculturáveis, sem contar com destruições de áreas de preservação da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal e da Mata Atlântica”, diz o professor Scaramucci. Em 2004, a área cultivada atingiu 58 milhões de hectares e o Brasil possui no total 851 milhões. Nesse mesmo ano, a cana foi a terceira cultura, com 5,63 milhões de hectares, bem atrás do milho, com 12,34 milhões e da soja, com 21,54 milhões. “Existe uma faixa entre os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Piauí e leste da Bahia e noroeste de Minas Gerais em que a cana poderia ter boa produtividade.”

Scaramucci indica que o Brasil pode aumentar, no período de 20 anos, a produção de cana em 35 milhões de hectares e produzir 100 bilhões de litros de álcool por ano. “Grande parte iria para a exportação.” Esses números, segundo o estudo, gerariam 5,3 milhões de empregos, depois de 20 anos, e uma renda de R$ 153 bilhões, valor semelhante ao Produto Interno Bruto (PIB) do estado do Rio de Janeiro.

A única região que não aparece no mapa da expansão da lavoura da cana é o Nordeste, mesmo sendo uma tradicional área produtora, principalmente em Pernambuco e Alagoas, na chamada Zona da Mata. Essa área é responsável por 15% da produção do país e tem produtividade de 55 toneladas por hectare (t/ha), enquanto a região centro-sul, que engloba os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul, concentra 85% da produção sucroalcooleira com 82 t/ha. “Nos últimos anos a seca esteve muito freqüente, ultrapassando o índice histórico”, diz Luiz José Oliveira Tavares de Melo, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), participante da Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), composta também por mais sete universidades federais (Alagoas (Ufal), Goiás (UFG), São Carlos (UFSCar), Viçosa (UFV), Paraná (UFPR), Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Sergipe (UFS), e responsável por desenvolver novas variedades de cana-de-açúcar.

“Outro problema na Zona da Mata é o relevo da região que impede o uso de colhedeira”, diz Melo. Em Pernambuco, 75% das terras com cana estão acima dos 12% de declividade de terreno, o que impede a colheita com máquinas. A safra 2005-2006 do estado, que termina agora em abril, deve resultar em 13,5 milhões de toneladas, um resultado 20% menor que o da safra anterior. Esses motivos têm levado os produtores a procurar terras no centro-sul do país para investir em novas plantações.

Genes no campo
Enquanto novas usinas são construídas, outros flancos estão sendo abertos no âmbito da pesquisa tecnológica. As novidades vêm principalmente dos estudos genéticos, como novas variedades e plantas transgênicas. A notícia mais recente é o depósito de patente de 200 genes identificados em diversas variedades de cana que estão relacionados à produção de sacarose, substância fundamental para fabricar o açúcar e também imprescindível no processo de fermentação, servindo de alimento para a levedura produzir o álcool. Assim, quanto mais sacarose, mais álcool.

A identificação dos 200 genes produtores de açúcar foi realizada em um projeto entre o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), a Usina Central de Álcool Lucélia e pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp financiados pela FAPESP. O CTC é uma associação civil mantida por 101 usinas independentes e 15 associações de produtores. “Depositamos a patente com os 200 genes em março nos Estados Unidos”, diz Glaucia Mendes Souza, pesquisadora do Instituto de Química da USP e coordenadora do projeto. A identificação desses genes foi realizada com o material resultante do seqüenciamento Sucest, sigla para Sugar Cane ESTs (etiquetas de seqüências expressas, correspondentes ao genoma expresso ou ativo de um organismo), mais conhecido como Genoma Cana, realizado entre 1999 e 2003 por universidades paulistas, pernambucanas e fluminenses. Com isso os pesquisadores conheceram cerca de 90% dos genes da cana, resultando em 43 mil seqüências expressas de genes. “Analisamos 2 mil genes e encontramos esses 200 alvos relacionados ao acúmulo de sacarose na planta”, diz Glaucia.

A busca desses 200 genes foi realizada em plantas oriundas de variedades comerciais e resultados de cruzamentos entre elas. Além disso, o grupo de pesquisadores analisa genes ancestrais de cana-de-açúcar. “Como as variedades atuais de cana são híbridas, formadas há muitos anos pelas espécies Saccharum spontaneum e Saccharum officinarum, nós também procuramos genes de interesse econômico nessas espécies ancestrais, como num trabalho de arqueologia”, diz Glaucia. Alguns dos 200 genes já estão sendo usados para produção de plantas transgênicas mais produtivas em sacarose. “Durante os cruzamentos tradicionais feitos no campo (em que pólen de duas variedades são cruzados para produzir uma terceira variedade), os pesquisadores procuram selecionar plantas com característica de interesse sem conhecimento dos genes. Esse trabalho é muito demorado. Com o conhecimento dos processos moleculares associados às características genéticas podemos escolher variedades bem produtivas de sacarose e introduzir genes relacionados à produção dessa substância que elas não possuem”, explica Glaucia. Outra opção é introduzir esses genes em variedades resistentes à seca ou a doenças, mas que não apresentam uma boa produção de açúcar.

As plantas transgênicas podem também ter aptidão para outras funções, como resistência a certas doenças e insetos. Mas tudo isso precisa ser testado no campo para verificar se realmente elas vão herdar todas as potencialidades dos genes. Já são milhares de plantas que estão nos laboratórios do CTC, em estufas e salas de cultura. O próximo passo é fazer experimentos em campo sob a autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNbio). Glaucia acredita que em três anos será possível obter os primeiros resultados.

Outro perfil da pesquisa biotecnológica com cana é a identificação de marcadores moleculares a partir das seqüências do Sucest que são aquelas de repetições curtas do genoma, úteis nos estudos de variação genética e identificação de linhagens, além de contribuírem para o mapeamento dos genes. “Alguns desses marcadores estão relacionados a características de interesse comercial da cana”, diz a pesquisadora Anete Pereira de Souza, do Instituto de Biologia da Unicamp. Esses marcadores podem também ser usados na identificação de um gene específico, por exemplo, que esteja ligado à produção de sacarose. “Identificamos esses marcadores e produzimos o primeiro mapa funcional (de genes) para cana-de-açúcar, analisando o genoma de plantas que são filhas de um cruzamento entre duas variedades, por exemplo”, diz Anete. Esse mapa de genes da cana, cuja primeira parte estará disponível em agosto, vai servir como uma ferramenta de apoio aos programas de melhoramento da cana-de-açúcar do CTC.

“Para a área de biotecnologia do setor sucroalcooleiro, o Projeto Genoma Cana foi um divisor de águas. Além do seqüenciamento e da identificação de genes, alguns grupos de pesquisadores de universidades que não tinham interesse em cana se voltaram para o estudo dessa planta”, diz o engenheiro agrônomo Eugênio César Ulian, responsável pelo Programa de Biotecnologia do CTC. “Além dos estudos acadêmicos básicos, eles estão nos ajudando a produzir novas variedades no laboratório.” Entre 1999 e 2000 o CTC estava com plantas transgênicas prestes a serem transplantadas para o campo quando o CTNBio teve suas atividades paralisadas para novos estudos sobre suas atribuições. “Estávamos com plantas resistentes a herbicidas, a insetos danosos à cultura e a doenças. Mas ficamos paralisados por quase cinco anos. Agora já temos indicações de que algumas plantas transgênicas que temos aqui podem aumentar em 20% a produção de sacarose. Mas ainda precisamos plantar no campo para confirmar esse número.” Uma planta que produza mais sacarose vai gerar mais álcool em uma mesma área de cultura canavieira. “Esperamos poder produzir uma planta transgênica totalmente desenvolvida no país”, diz Ulian.

É no programa de melhoramento de variedades que o país deve, no curto prazo, se valer para o aumento da produção. O problema é que a criação de uma variedade não demora menos de dez anos. É preciso escolher linhagens e indivíduos com características desejadas, cruzá-las e testar no campo ao longo de alguns anos, e verificar se essas características se perpetuam nos descendentes. O aumento da diversidade genética dos canaviais é importante porque torna as lavouras mais protegidas contra doenças e pragas. Quando se tem pouca variabilidade genética, as plantas tornam-se suscetíveis aos mesmos problemas.

Para evitar situações como essas, o país conta com três grandes programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar, promovidos pelo CTC, Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Ridesa, rede que ficou responsável pelo acervo genético (variedades, pesquisas, laboratórios) do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar do Instituto do Açúcar e do Álcool extinto no início dos anos 1990. A Ridesa, responsável por quase 60% da produção total do país, lançou em março mais quatro novas variedades de cana. Todas levam a sigla que identifica as variedades da Ridesa, RB, que significa República do Brasil. A unidade responsável pelo desenvolvimento foi a UFSCar. Uma delas, a RB925211, possui maturação precoce com alto teor de sacarose e alta produtividade, além de ser resistente às principais doenças da cana. No total, a Ridesa já lançou em mais de dez anos 17 variedades para a região centro-sul e 13 para a Norte-Nordeste.

O IAC lançou, nos últimos anos, 13 novas variedades de cana, entre elas quatro tipos com vocação regional. São variedades adaptadas para ambientes específicos de regiões de São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Com essa adequação, a resposta da cultura pode ser maior. “Podemos criar estratégias para cada ambiente, respeitando as características de solo e condições climáticas”, afirma o agrônomo Marcos Landell, diretor do Centro de Cana do IAC. Mais recentemente, o instituto lançou outras quatro variedades que atendem às condições climáticas e de solo do centro-sul do país e são adequadas para serem colhidas no meio e no fim de safra, períodos de maior volume de produção.

Além dos centros tradicionais, a empresa Canavialis adentrou nessa área em 2003 para desenvolver variedades superprecoces e plantas transgênicas de cana. “Estamos em processo de seleção de variedades para serem colhidas em abril com alto teor de sacarose”, diz Hideto Arizono, diretor técnico da Canavialis. “Atualmente existe apenas uma opção para a safra de abril no centro-sul.” Na crescente demanda por álcool algumas usinas, para colher a cana em março (normalmente a safra começa em abril e vai até novembro no centro-sul), usam um maturador, que é um produto químico para ser aplicado na planta e interromper o período vegetativo, concentrando a sacarose. A empresa também desenvolve plantas transgênicas junto com a Alellyx, empresa de biotecnologia do mesmo grupo, a Votorantim Novos Negócios. A primeira planta transgênica já está em testes em uma propriedade agrícola no Paraná. Essa cana possui um gene retirado do vírus causador do mosaico, uma das doenças que atacam essa cultura. O gene manipulado pela Alellyx conferiu resistência à doença em laboratório. Agora os testes, já aprovados pelo CTNBio, são realizados no campo.

“Há 30 anos, o Brasil contava com cinco ou seis variedades comerciais, hoje são cerca de 500 (contando também aquelas que estão no país desde o descobrimento), representando um patrimônio genético inigualável. Com isso, o cultivo de cana torna-se mais seguro, com plantas menos expostas a pragas e a doenças”, analisa Pádua, da Única. O trabalho de melhoramento da cana é também responsável pelo aumento da produção canavieira nos últimos 30 anos. Nos anos de 1970, a lavoura rendia 47 t/ha e em 2005 chegou a 82 t/ha.

Investir na mecanização e na adoção de técnicas de agricultura de precisão são outras alternativas para elevar a produção de álcool no país. “O índice de mecanização da colheita de cana-de-açúcar em São Paulo é de 35%, mas algumas culturas, como a de soja, chegam a 100%”, afirma o engenheiro Suleiman José Hassuani, pesquisador do CTC. Para ele, o processo de mecanização, iniciado na década de 1990, traz grandes benefícios para o setor, embora alguns obstáculos ainda precisem ser superados, como a compactação do solo e os danos causados pelas máquinas às soqueiras (raiz da cana que fica em terra para rebrotar). Para o pesquisador, a mecanização do setor é irreversível porque um decreto do governo federal proíbe a queima dos canaviais a partir de 2018. “Há um custo social, com a redução da mão-de-obra, que deve ser considerada, mas os novos postos de trabalho são bem mais qualificados.”

Avanços na indústria
Além dos avanços no campo, pesquisadores têm trabalhado para desenvolver processos industriais de destilação e fermentação mais eficazes. A equipe do geneticista Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, do Instituto de Biologia da Unicamp, criou uma levedura geneticamente modificada capaz de simplificar o processo de produção e baratear os custos das usinas. As leveduras são organismos responsáveis pela transformação do açúcar em álcool, num processo conhecido como fermentação. A levedura modificada da Unicamp torna obsoleta uma das etapas da fermentação, chamada de centrifugação, que encarece e alonga o processo. “Fizemos alterações genéticas na levedura que funcionaram muito bem na fermentação”, diz Pereira. “Trabalhamos com levedura de laboratório. Agora nosso desafio é conseguir fazer a modificação genética em leveduras industriais, usadas pelos usineiros.”

Ainda na Unicamp, outra pesquisa para aperfeiçoar o processo de fermentação é realizada nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos. Lá, o pesquisador Francisco Maugeri Filho e seu aluno de doutorado Daniel Atala criaram uma técnica que faz a extração a vácuo do etanol ainda nas dornas de fermentação. “O método convencional é limitado pela elevada concentração de etanol no meio, que inibe a ação da levedura. Com a extração a vácuo, o etanol fica sempre em concentração baixa nas dornas de fermentação, e o microorganismo age de maneira mais eficiente”, explica Maugeri Filho. Uma conseqüência direta da redução do etanol é a possibilidade de elevar a concentração de açúcar no mosto. “Ao elevar o teor de açúcar, conseguimos duplicar ou triplicar a produtividade do sistema e reduzimos a produção de vinhaça, um resíduo do processo. Agora estamos em negociação para iniciar um teste-piloto nas usinas ainda nesta safra. Simulações do custo do álcool por esse processo apontam para uma redução final de 10% a 15%”, conta Maugeri Filho.

Na área de destilação, uma novidade desenvolvida no país já é responsável por quase um terço da produção. Trata-se de um processo de desidratação do etanol, conhecido como destilação extrativa, um método para produção de álcool anidro, que é adicionado à gasolina. Depois da etapa de destilação, que separa uma mistura líquida de componentes em função da diferença de volatilidade entre eles, fazendo com que o de maior volatilidade se concentre no vapor e o de menor, no líquido, o etanol hidratado ainda tem cerca de 4% de água.

“Pela técnica de destilação extrativa, adicionamos um terceiro componente, o monoetileno glicol (MEG), que reduz a volatilidade da água, permitindo a vaporização do etanol. Em seguida, o álcool é condensado, gerando o etanol anidro. O monoetileno glicol, por sua vez, é purificado e retorna para a primeira fase do processo”, diz Antonio José de Almeida Meirelles, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que estudou o processo e participou da transferência da tecnologia para o setor industrial. “A destilação com MEG ante o método convencional reduz, pela metade, o consumo de vapor para destilar o etanol hidratado.” Introduzida no setor produtivo em 2001, a nova destilação já foi adotada por 28 usinas e responde pela produção de mais de 2,5 bilhões de litros de álcool anidro por ano, cerca de 30% do total produzido no país.

Outro sistema que promete trazer elevados ganhos de produtividade nas usinas é o aproveitamento do bagaço e da palha desenvolvido pelo CTC em conjunto com o Grupo Dedini, um dos maiores fabricantes de equipamentos para o setor sucroalcooleiro. Batizado de Dedini Hidrólise Rápida (DHR), a tecnologia já está patenteada no Brasil e em outros países e promete transformar o bagaço e a palha em álcool em poucos minutos por meio de um processo de hidrólise (reação química com água). Uma unidade de demonstração funciona desde o início de 2004 na Usina São Luiz, em Pirassununga (SP). “Estamos levantando informações para ver se ainda é preciso aperfeiçoá-lo”, diz o engenheiro químico Carlos Eduardo Vaz Rossel, líder do projeto no CTC. “A maior vantagem do novo método é elevar a produção de etanol em até 30%, sem aumentar a área plantada.”

Todos esses fatores e novas tecnologias na produção de álcool estarão na arrancada da expansão da cultura e na melhora da produtividade para os próximos anos. Na safra 2005-2006 a produção brasileira chegou a 386 milhões de toneladas de cana e os estudos indicam que em 2010 serão 535 milhões. “Para a safra 2013-2014 seriam 670 milhões, mas já para a safra 2006-2007 deverão ser colhidos 420 milhões para produzir 17 bilhões de litros de álcool e quase 29 milhões de toneladas de açúcar”, diz Pádua. A safra 2005-2006 deve atingir 15,7 bilhões de litros de álcool, superior aos 15,1 bilhões de litros da safra anterior.

Uma história de sucesso e polêmicas

O setor sucroalcooleiro movimenta 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, algo como R$ 39 bilhões por ano. É visto como um sistema agroindustrial exemplar para a produção de combustível renovável, como demonstram as visitas constantes de delegações estrangeiras para conhecer as usinas produtoras de açúcar e álcool. É também o setor mais antigo da nossa economia. A cana-de açúcar chegou por aqui com os portugueses, logo no início da colonização. A planta originária, provavelmente, do Sudeste Asiático se desenvolveu principalmente no Nordeste do país. Logo ganhou projeção econômica com a produção de açúcar enviada para Portugal.

Em 1600 já existiam 200 engenhos que serviram também para a formação de uma forte parcela da elite brasileira: os senhores de engenho. Eles cresceram fabricando açúcar e cachaça e só diversificaram suas atividades em 1931, quando o presidente Getúlio Vargas decretou o acréscimo à gasolina de 5% de álcool. Essa proporção variou muito ao longo dos anos, inclusive no início de 2006, quando o governo baixou de 25% para 20% a adição de álcool na gasolina devido ao aumento de preços.

“Essa crise sinalizou para o governo que não dá para confiar plenamente nas empresas. É preciso, a exemplo de outros produtos agrícolas como feijão e trigo, manter estoques reguladores, reduzindo as pressões altistas de preços em períodos de entressafra”, diz o professor Walter Belik, do Instituto de Economia da Unicamp. Ele lembra que a situação era bem diferente há alguns anos. “Em 1942, o governo Getúlio Vargas lançou o Estatuto da Lavoura Canavieira, que atribuía ao Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) a regulamentação do setor. Cabia ao IAA zelar pelo equilíbrio de poder entre agricultores, industriais e trabalhadores. O estatuto estabelecia, por exemplo, que quem possuía usina não podia plantar mais que 40% de sua necessidade”, lembra Belik.

A desregulamentação do setor começou em 1990 e marcou o fim do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Nascido em 1975, o Proálcool recebeu generosos incentivos financeiros e teve seu auge em meados da década de 1980, quando quase 100% dos automóveis fabricados eram movidos a álcool. Nessa época a cultura de cana ganhou um novo impulso no estado de São Paulo. “A indústria canavieira começou a crescer em São Paulo na segunda metade dos anos 1950, quando passou na frente do Nordeste com usinas modernas e com melhores terras adaptadas ao cultivo da cana”, diz Belik.

Com os incentivos fiscais e os investimentos privados na época do Proálcool, o setor se transformou em uma agroindústria avançada, incorporando tecnologia no plantio e nas usinas. Mas sua imagem ficou abalada no final dos anos 1980, quando o alto preço do açúcar no mercado externo fez os usineiros produzirem o adoçante em vez de álcool. A falta do combustível e as filas nos postos tiraram a confiança do consumidor.

Os bons ventos e a boa imagem do setor voltariam em 2002, quando as montadoras de veículos no Brasil resolveram adotar a tecnologia Flex Fuel, ou bicombustível, que havia sido desenvolvida pela empresa Bosch, em meados dos anos 1990, em sua filial na cidade de Campinas. Por esse trabalho a empresa foi reconhecida com o Prêmio Finep de Inovação Tecnológica na categoria produto em 2005.

O sucesso do sistema bicombustível, porém, logo provocou desconforto entre os consumidores que viram o preço do álcool subir muito, tirando a vantagem sobre a gasolina. “Hoje existe certo descontrole, é o produtor que decide sozinho onde vai colocar a usina e comprar a terra em volta para plantar cana. Isso leva à concentração fundiária e revela uma necessidade de planejamento estratégico para a indústria canavieira a longo prazo.” Para o professor José Antonio Scaramucci, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp, também está acontecendo uma forte concentração industrial. “O setor está dominado por cinco grandes grupos. É um oligopólio (situação em que poucas empresas possuem o controle de grande parte do mercado) em que as usinas maiores estão transformando o canavial em uma estrutura industrial concentrada”, diz Scaramucci.

Além da concentração, o setor também está se modernizando e se tornando multinacional, embora parte desse setor ainda tenha problemas trabalhistas relacionados aos bóias-frias. Normalmente são migrantes que vêm para São Paulo da Região Nordeste do país, além de Minas Gerais. Esses trabalhadores, muitas vezes, são contratados por intermediários chamados de “gatos” e possuem condições de trabalho e moradia muito precárias.

“O maior problema é que entre 2004 e 2005 tivemos a morte de 13 bóias frias por excesso de trabalho. Eles ganham por produção diária, cuja meta é cortar 12 toneladas de cana por dia”, diz a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, professora da pós-graduação do curso de geografia da Universidade de São Paulo, e colaboradora da Universidade Estadual Paulista, em Presidente Prudente. “O Ministério Público já fez seis audiências públicas sobre as mortes”, diz Maria Aparecida. “Fora isso, os trabalhadores muitas vezes são lesados na pesagem porque eles cortam por metro e recebem por tonelada.” O Ministério Público quer o fim do trabalho por produção em 2007. As usinas, que querem pagar R$ 410,00 mensais e os trabalhadores, inclusive os próprios sindicatos, não querem esse sistema. “Um bom cortador consegue ganhos de até R$ 800,00 por mês”, lembra Maria Aparecida.

“A União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única) entende que as unidades que não cumprirem as legislações trabalhista, ambiental ou de transporte arquem com as conseqüências do não cumprimento. Quanto à morte dos trabalhadores pelo excesso de trabalho, não há nenhuma comprovação. O sistema de remuneração por produtividade é o mais adequado no entendimento da classe patronal e dos trabalhadores. O ponto a ser revisto é a transparência no sistema de aferição de pagamento”, diz Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Única. O setor sucroalcooleiro emprega no país cerca de 450 mil trabalhadores na fase agrícola, segundo estudos do Nipe.

Os Projetos
1.
 Desenvolvimento de marcadores moleculares a partir de ESTs de cana-de açúcar (02/01167-1); Modalidade: Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coordenador: Anete Pereira de souza – Unicamp; Investimento: R$ 172.403,00 e US$ 45.495,22 (FAPESP) e R$ 103.675,30 (CTC)
2. Transcriptoma da cana-de-açúcar; Modalidade: Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) (03/07244-0); Coordenadora: Glaucia Mendes Souza – USP; Investimento: R$ 555.693,00 – US$ 82,867.00 (FAPESP) e R$ 800.000,00 (CTC e Central de Álcool)

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