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Ecologia

Riqueza em perigo

Escassez de animais de grande porte pode reduzir a diversidade de espécies nas matas em regeneração

EDUARDO CESAR Tucano: um dos melhores disseminadores dos frutos e sementesEDUARDO CESAR

Pastos e áreas agrícolas abandonadas, desde que próximos à Mata Atlântica, podem voltar a abrigar florestas serranas, situadas na Serra do Mar. Mas a diversidade de espécies de árvores vai depender da ação de grandes vertebrados, como mamíferos e aves, que asseguram a sobrevivência das plantas ao espalhar os frutos e sementes por novos territórios. O problema é que tanto as aves quanto os mamíferos essenciais à manutenção das matas sofrem a pressão da caça e seus hábitats tornam-se cada vez menores – indiretamente, a floresta também sai perdendo.

“Com a redução da população dos grandes frugívoros, os fragmentos de florestas que cobrem as regiões montanhosas tendem a desaparecer ou no mínimo perder a diversidade”, afirma o ecólogo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Quebrando-se essa relação de dependência da mata com os animais, pode chegar a 50% a perda de diversidade de árvores de florestas regeneradas, de acordo com um trabalho que ele realizou com o primatologista Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, Inglaterra. A floresta serrana possui cerca de 150 espécies de árvores por hectare (10 mil metros quadrados) – uma diversidade aparentemente elevada, mas inferior, por exemplo, à exibida no sul da Bahia, com 300 espécies por hectare.

Publicado em abril na Biological Conservation, o estudo de Tabarelli e Peres reconstitui o processo de regeneração das florestas a partir da ação das aves e mamíferos – chamados dispersores em vista de seu papel de disseminadores de sementes. Eles ressaltam que o tamanho das sementes é decisivo para a sobrevivência das árvores: as maiores são dispersas por animais de grande porte, mais fáceis de ser caçados e, portanto, mais raros. São, por exemplo, morcegos e pequenas aves frugívoras, ainda comuns das florestas, que espalham as sementes de embaúba (Cecropia glaziovi), uma das primeiras espécies que aparecem nas matas em regeneração, de tronco fino e folhas com formato de mão aberta. Já o jatobá (Hymenaea ssp), típico de florestas maduras, é uma espécie que pode ser prejudicada porque o animal que dissemina suas sementes, a cotia (Dasyprocta ssp), encontra-se cada vez mais raro.

As conclusões se apóiam em observações realizadas em seis áreas de Mata Atlântica em regeneração – as capoeiras – em três Estados do Sudeste: Rio de Janeiro (Macaé de Cima), São Paulo (Cubatão, Intervales, Iporanga) e Paraná (Morretes e Santa Virgína). São remanescentes de florestas com até 1.100 metros de altitude, cercadas por fazendas de gado ou agricultura, e idade variável – de 5 a 120 anos. Os mais recentes encontram-se em Intervales e Iporanga, enquanto os mais antigos estão em Cubatão, Macaé, Morretes e Santa Virgínia. A relação é clara: quanto maior a idade da floresta, maior a dependência dos animais para a dispersão de sementes. Em uma floresta com apenas cinco anos de regeneração, 52,9% das espécies de árvores dependem de aves e mamíferos para que suas sementes e frutos sejam espalhados. Já numa floresta madura, esse porcentual sobe para 98,7%.

Há dois anos, em um artigo publicado na Nature, Tabarelli havia analisado a relação entre o tamanho do fruto ou semente e os animais que os devoram. Segundo ele, na Mata Atlântica acima do Rio São Francisco, 31,6% das espécies de árvores que precisam de frugívoros para a dispersão dependem de aves com abertura do bico superior a 15 milímetros. Desta vez, o trabalho feito com Peres associa o tamanho das sementes e dos frutos dispersos pelos animais com a idade da floresta. Os pequenos, com menos de 0,6 centímetro de comprimento – como os do manacá (Miconia ssp) -, prevalecem em todas as áreas estudadas.

Os maiores, com mais de 1,6 centímetro – produzidos, por exemplo, pelas palmeiras -, representam menos de 25% do total encontrado. “Nas florestas maduras, as pequenas sementes diminuem, enquanto ao longo do processo de regeneração aumentam as médias, de 0,6 a 1,5 centímetro”, afirma Tabarelli. Isso significa que as plantas pioneiras são substituídas por espécies de florestas maduras, cujos dispersores são animais frugívoros de médio e grande porte.

Macacos e aves
“Quanto maior a diversidade de aves e animais frugívoros, provavelmente maior será a riqueza de árvores na floresta regenerada”, diz ele. Entre os principais mamíferos frugívoros – assim chamados quando mais da metade da dieta de uma espécie consiste de frutos – há três espécies de macacos: uma de bugio (Alouatta fusca) e duas de monocarvoeiro, a Brachyteles arachnoides, encontrada em São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, e a Brachyteles hypoxanthus, que ocorre em Minas Gerais e Espírito Santo. Entre as melhores aves disseminadoras dos frutos e sementes da Mata Atlântica estão os tucanos (Ramphastos vitellinus e R. dicolorus), araçaris (Pteroglossus e Baillonius), o jacu (Penelope obscura) e a jacutinga (Pipile jacutinga).

Os monocarvoeiros, os maiores primatas das Américas, que pesam até 15 quilos quando adultos, destacam-se como um dos dispersores mais versáteis: alimentam-se de frutos de nada menos que 14 espécies das duas principais famílias de árvores – as mirtáceas e as lauráceas – encontradas nas florestas da Serra do Mar. As mirtáceas são um grupo de árvores que inclui as pitangueiras (Eugenia florida), araçaranas (Myrcia glabra), guabirabas (Campomanesia guabiroba) e murtas (Blepharocalyx salicifolius), enquanto as lauráceas abrangem as canelas (Cryptocarya mandioccana), louros (Nectandra grandiflora) e imbuias (Ocotea pretiosa).

A partir dessas informações, Tabarelli e Peres concluíram como a floresta se regenera. Na primeira fase, as árvores dependem da luz solar direta para a germinação e crescimento – não toleram a sombra. A pioneira mais comum é a embaúba, mas também integram a floresta nos estágios iniciais de recuperação a Policourea marcgravi, uma rubiácea, e a carapora (Rapanea umbellata), mirsinácea, além de representantes das famílias melastomatáceas e as flacourtiáceas, todas de Mata Atlântica secundária, já regenerada. As pioneiras são árvores fadadas à morte no processo de regeneração da Mata Atlântica.

São árvores de ciclo de vida curto, de 25 a 50 anos, e têm de 15 a 25 metros – por crescerem rapidamente, protegem suas sucessoras, as definitivas, que aceitam a sombra. “Dificilmente um tronco de pioneira excede 30 centímetros de diâmetro”, diz Tabarelli. Já as espécies da floresta madura são de ciclo de vida mais longo, superior a 50 anos. Têm crescimento lento e são mais altas, atingindo de 20 a 35 metros, com tronco que pode alcançar mais de 1 metro de diâmetro. No início da regeneração, há de três a quatro espécies de árvores de floresta madura por hectare. No fim, quando a floresta é considerada madura, esse número sobe para 150 a 200 espécies por hectare.

Para permitir o fluxo de dispersores de sementes, não deve superar 50 metros a distância de área em regeneração de um remanescente de Mata Atlântica. “Se a distância for maior, muitos mamíferos não cruzam a área aberta”, diz Tabarelli. Mas não só na Mata Atlântica, como também por todo o país, ocorre a fragmentação da paisagem natural, com riscos evidentes: “Pequenos fragmentos comportam pequenas populações de animais e são mais acessíveis aos caçadores”, comenta o ecólogo. Sem medidas urgentes de conservação, a fragmentação tende a aumentar e, prevalecendo o atual jogo de forças, a Mata Atlântica tende a tornar-se um conjunto de arquipélagos com milhares de pequenas ilhas de floresta, nas quais a maioria das árvores da floresta madura será substituída por arbustos e por umas poucas árvores pioneiras.

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