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Robin Buell

Robin Buell

Bióloga da Universidade Estadual de Michigan fala da importância do genoma do arroz

Robin: papel de destaque no grupo que seqüenciou o genoma do arroz

Robin: papel de destaque no grupo que seqüenciou o genoma do arroz

A genômica mudou o modo como se faz pesquisa e o próprio entendimento do que é a biologia. Seus efeitos atuais são comparáveis aos produzidos nos anos 1940 pela descoberta da penicilina, que então mudou a medicina. “A genômica é hoje responsável pelo mesmo fenômeno, só que em todas as áreas da biologia e na agricultura”, disse a pesquisadora Robin Buell, do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Michigan (EUA), em palestra realizada no dia 22 de junho. A apresentação fez parte da agenda cultural da exposição Revolução genômica, que esteve em cartaz até meados do mês de julho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Robin falou sobre o tema “Arroz: um exemplo de como a genômica pode mudar as abordagens da ciência”. A pesquisadora teve papel de destaque no trabalho do consórcio público internacional que seqüenciou em 2005 o genoma quase completo da subespécie japonica do arroz (Oryza sativa), a primeira planta cultivável a ter o seu DNA mapeado. Antes do cereal, apenas o genoma da Arabidopsis thaliana, planta modelo da biologia, tinha sido seqüenciado em sua integridade.

Se o século passado viu a primeira revolução verde, que permitiu o aumento generalizado de produtividade na agricultura devido ao emprego de fertilizantes e pesticidas e à introdução de cultivares criadas pela genética clássica, o século atual vai precisar de uma segunda revolução verde, com um perfil distinto da anterior. “Isso pode ocorrer com  o uso dos mesmos métodos que utilizamos no passado, mas também será necessário um novo método para atendermos à demanda de alimentos da população”, disse Robin. “Acreditamos que, na maior parte dos casos, serão introduzidas novas características nos cultivos agrícolas por meio da genômica e da biotecnologia.” Com o auxílio das modernas técnicas desenvolvidas pela biologia molecular, é possível alterar simultaneamente um número expressivo de traços de uma cultivar, como a resistência a doenças, a mudanças ambientais e níveis de produtividade. Esse processo é muito mais rápido e direcionado do que o trabalho de melhoramento genético levado a cabo de maneira clássica (sem transgenia). Com a biotecnologia, acredita a pesquisadora, será possível elevar a produtividade agrícola praticamente sem precisar aumentar as terras destinadas ao cultivo de grãos, hoje escassas em praticamente todo o mundo.

Segundo Robin, a genômica tem a capacidade de causar um grande impacto na agricultura porque permite observar o “projeto arquitetônico” da construção e do funcionamento de uma célula, de um organismo ou até mesmo de um órgão. “Dessa forma, conseguimos informações que explicam como a célula foi construída, o que ela faz em resposta ao ambiente ou a patógenos”, afirmou. “Conseguimos entender como as células funcionam, de modo que podemos tomar decisões inteligentes e fazê-las funcionar melhor.” A pesquisadora também disse que a genômica permitiu passar do estudo de um gene isolado para o de vários genes (centenas, dezenas ou milhares deles) ao mesmo tempo. “Essa foi a maior mudança de paradigma que tivemos. Isso ocorreu somente nos últimos dez anos, e tudo foi muito rápido”, comentou.

DNA menor
Membro da família das Poaceae, as populares gramíneas, o arroz, ao lado do trigo e do milho, figura entre os cereais mais cultivados do mundo, de importância inquestionável para alimentação. Metade da população do planeta consome arroz diariamente, em especial na Ásia. Mas essa não foi a única razão que o levou a ser a primeira cultura agrícola a ter o genoma completamente seqüenciado. Pesou também um motivo prático: seu DNA é bem menor do que o dos outros cereais. Essa característica, explicou Robin, foi decisiva, já que o custo do trabalho de seqüenciamento é diretamente proporcional ao tamanho do genoma. Como o estudo do DNA de plantas não costuma obter o mesmo nível de financiamento que os trabalhos com o genoma humano, é preciso ser seletivo na hora de montar um projeto de pesquisa. Com 430 milhões de pares de bases (as letras químicas que formam o código genético), o genoma do arroz tem menos de um quinto do tamanho (17%) do genoma do milho e é 40 vezes menor que o do trigo. Confrontado com o genoma da Arabidopsis, o do arroz é apenas três vezes maior. “As plantas podem ter genomas bastante grandes, pois elas têm trechos repetidos de DNA e múltiplas cópias de seus cromossomos”, disse a bióloga.

A opção pelo arroz era tão óbvia que, além do consórcio público internacional, duas empresas de biotecnologia, a Monsanto e a Syngenta, e os chineses produziram, ainda no início desta década, versões não-finalizadas do genoma do cereal. Diferentemente dos outros grupos, que trabalharam com a subespécie japonica do arroz, muito cultivada no Japão, Coréia e Estados Unidos, os chineses preferiram estudar a subespécie indica, justamente a mais disseminada em seu país. “O arroz se beneficiou do fato de haver diversos projetos de seqüenciamento do seu genoma”, disse Robin. De acordo com os resultados do trabalho publicado pelo consórcio internacional, o arroz tem 12 cromossomos e cerca de 41 mil genes, sendo provavelmente o organismo vivo conhecido com maior número de genes até hoje determinados. “Infelizmente, sabemos a função de apenas 50% desses genes. O maior desafio para as pesquisas futuras é determinar a função dos outros 50%.”

Ainda há muitos detalhes do genoma do arroz que precisam ser entendidos. Mas o que se sabe já o coloca como modelo para o estudo do DNA de outras espécies de gramíneas. “Seqüenciar o genoma de uma espécie permite compreender o funcionamento do genoma das demais espécies da família”, explicou a pesquisadora. Há cerca de 10 mil espécies diferentes de gramíneas no planeta, adaptadas às mais diversas condições ambientais, desde zonas de clima quente e árido até regiões mais frias, com altitudes elevadas. Algumas dessas plantas são cultivadas em boa parte do planeta devido a três motivos principais: uso dos frutos comestíveis, os grãos, para produzir alimentos (caso dos cereais milho, trigo, arroz, cevada, centeio, sorgo, entre outros); extração de açúcar, como ocorre com a cana; produção de biomassa, que é o produto bruto do vegetal.

Diversidade do arroz formas e cores distintas nos distintos ambientes  em que o cereal se adaptou

Diversidade do arroz formas e cores distintas nos distintos ambientes em que o cereal se adaptou

Os primeiros estudos comparativos feitos pelos cientistas já revelam informações interessantes. Eles analisaram dados genômicos de 180 plantas e verificaram que 90% dos genes do arroz podem ser encontrados em outras espécies vegetais. Muitos desses genes estão ligados a processos básicos de todas as plantas, como o controle da fotossíntese, do crescimento e da reprodução. “O arroz não possui um conjunto exclusivo de genes que o definem como arroz”, explicou. “Ele partilha muitos genes com outras plantas e apenas uma pequena parte desses genes lhe são exclusivos.”

Num dos slides da palestra, Robin mostrou, como exemplo do que os biólogos moleculares chamam de conservação genética, um gene do arroz, bastante grande, que também pode ser encontrado no milho, no sorgo, na Arabidopsis e em 50 outras espécies vegetais. Quando descobrem esse gene numa planta, os cientistas logo se perguntam em que local do genoma ele se encontra. Eles querem saber se, além de ser comum a várias espécies, o gene também ocupa a mesma posição dentro do genoma dessas plantas. Em alguns casos, grandes trechos de DNA de uma espécie, compreendendo um cromossomo ou muitos genes, se mantêm intactos em outras espécies aparentadas. O fenômeno também ocorre com o arroz e o trigo. “Isso mostra que, ao longo da evolução, não somente os genes foram mantidos nas duas espécies, mas também a sua ordem”, comentou a pesquisadora. “Esse dado é muito importante, por exemplo, para os biólogos que estudam o trigo, que tem um genoma muito grande e ainda não seqüenciado. Eles podem usar os genes do arroz para compreender o genoma do trigo.”

Apesar de ter muito em comum com o DNA de outras gramíneas, o genoma do arroz também exibe especificidades. Aproximadamente 5 mil dos 41 mil genes são exclusivos de cereais, não tendo sido até agora encontrados em outras espécies. Robin quer saber qual a importância desses genes para o surgimento das propriedades que favorecem o cultivo dos cereais. A função da maioria desses genes exclusivos de cereais ainda permanece desconhecida. “Na minha opinião, esses são os genes mais intrigantes, pois provavelmente são os que definem um cereal como tal”, afirmou Robin.

Continuidade
A exemplo do que a biologia fez com a Arabidopsis, da qual já foram seqüenciadas 90 variedades distintas da planta, Robin defende a continuidade dos trabalhos genômicos com mais variedades de arroz. “O seqüenciamento do genoma de um tipo de arroz não basta”, disse. “Agora queremos mais genomas, para que esse que já foi feito (da subespécie japonica) possa ser comparado com outros.” Há um projeto chamado Oryza SNP Project, tocado por um consórcio público internacional, que pretende definir toda a variação genética presente nesse cereal. A iniciativa busca seqüenciar o genoma de 20 variedades de arroz e utilizar esse conhecimento para o melhoramento genético dessa importante cultura agrícola. O objetivo do projeto é identificar no genoma do arroz todos os polimorfismos de um único nucleotídeo, os SNPs, na sigla em inglês. Trata-se de mutações caracterizadas pela variação de apenas uma das letras químicas, os tais pares de base ou nucleotídeos, num determinado segmento de DNA. O projeto também quer definir como e se esses SNPs modificam a aparência e as características físicas do arroz.

A variedade de formas que os diversos tipos de arroz podem assumir é surpreendente. Robin exibiu à platéia um slide do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz, das Filipinas, com diferentes cultivares de arroz. Algumas plantas eram altas, outras pequenas. Certos tipos de arroz floresciam cedo, outros mais tarde. Há grãos de arroz com várias colorações, indo das mais claras às mais escuras. Além de compreender as bases genéticas do arroz, os cientistas tentam entender melhor o rendimento, a reprodução, a morfologia e a qualidade do grão de cada variedade de arroz. “Também estamos analisando como as variedades respondem a situações de estresse, como a privação de água e o excesso de sal, e ao ataque de patógenos ou pestes”, afirmou Robin. Enfim, como mostrou a pesquisadora da Universidade Estadual de Michigan, há hoje um esforço científico internacional que, sem fazer muito alarde ou ser muito badalado, tenta assegurar a produtividade agrícola de um dos alimentos mais básicos da humanidade, o arroz.

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