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Ética

Saber engajado

Conselho Internacional quer cientistas comprometidos com demandas sociais

NEGREIROSA ciência e os cientistas devem rever o princípio da neutralidade, até agora considerado basilar para a produção do conhecimento, e comprometerem-se, de um vez por todas, com as demandas mais críticas da sociedade. Essa nova postura exige que eles assumam a tarefa de prover o saber necessário para a solução de problemas considerados prioritários como, por exemplo, a preservação do meio ambiente para o desenvolvimento sustentável, organismos geneticamente modificados ou o uso de células tronco em atividades de pesquisa. O momento, como diz Jane Lubchenco, nova presidente do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), exige que se negocie “um novo contrato com a sociedade”.

E o primeiro passo é o diálogo, avalia Carthage Smith, diretor executivo do ICSU. “A sociedade deve entender os limites e os riscos envolvidos no processo científico, se quisermos o progresso. O desenvolvimento e avanço da ciência depende dessa compreensão”, explica. E acrescenta: “As pessoas que tomam decisões, na área política, também devem estar informadas, sob pena de bloquear o avanço da ciência”.

A nova agenda para a ciência neste início de século foi o tema central da 27ª Assembléia Geral da entidade, que reuniu representantes de diversos países no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 28 de setembro último. Nesse encontro, foi aprovada a proposta de elaboração de uma agenda internacional focada num modelo de desenvolvimento que não ameace os recursos naturais do planeta. O ICSU decidiu assumir o compromisso de levar adiante esse projeto, frente os resultados frustrantes do Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro deste ano.

“Nossa prioridade máxima é chegar a uma abordagem integrada para tratar dos aspectos econômicos, ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável”, diz Jane Lubchenco. “Depois do que foi para muitos o desapontamento em relação aos resultados políticos da Rio+10, é realmente estimulante para a comunidade científica internacional chegar a um consenso sobre a necessidade de arregaçar nossas mangas e criar um plano para a ciência voltada à sustentabilidade”, completa.

O ICSU, criado em 1931, é uma organização não-governamental que representa as academias nacionais de ciência e as uniões científicas internacionais. Com um total de 128 membros, a entidade atua como um plenário para a troca de idéias e dados científicos, propõe o desenvolvimento de normas e redes de colaboração internacionais para pesquisa e estabelece comitês e políticas para avaliar problemas de interesse dos cientistas. Com a decisão da 27ª Assembléia sobre o desenvolvimento sustentável, o ICSU amplia o seu campo de atuação, já que assumirá também a tarefa de delinear e coordenar programas interdisciplinares de pesquisa nas áreas de mudanças globais do meio ambiente.

Para enfrentar esse novo desafio, o ICSU vai criar escritórios regionais na Ásia, África, América Latina, no Caribe e no Oriente Médio para estreitar a colaboração regional. “Esses escritórios regionais irão possibilitar ao ICSU coletar informações sobre quais são as necessidades prioritárias dessas regiões, bem como aproximar o conhecimento tradicional do científico para enfrentar problemas locais”, diz Goverdhan Mehta, presidente do ICSU e diretor do Instituto de Ciências da Índia, em Bangalore. Esses escritórios também vão atuar como centrais de informações para transferir à comunidade científica global conhecimentos obtidos em nível nacional.

Ciência e liberdade
O ICSU também decidiu examinar problemas que ameaçam o princípio universal da liberdade na condução da pesquisa. A agenda internacional da ciência, na avaliação da entidade, exige, cada vez mais, colaborações que integrem os diversos campos de conhecimento e que envolvam a participação de vários países. Para tanto, defende três princípios básicos: liberdade para a prática científica e para a publicação de resultados; liberdade de comunicação entre os pares e de divulgação de informações científicas; e liberdade de locomoção de materiais relativos a pesquisas científicas.

No entanto, após os atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, por exemplo, os Estados Unidos passaram a adotar medidas de segurança que têm criado dificuldades para pesquisadores de alguns países obterem visto para participar de conferências científicas. Em setembro último, o então presidente do ICSU, Hiroyuki Yoshikawa endereçou carta ao secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, manifestando preocupação em relação a esse problema e, ao mesmo tempo, buscando inciar um diálogo para um futuro acordo “mutuamente satisfatório para as partes envolvidas”, conforme o texto de documento distribuído pela entidade. Quaisquer restrições nos princípios defendidos pelo ICSU poderão causar “um impacto negativo aos valores da ciência, tanto em nível nacional como internacional”, de acordo com o documento.

Boicote acadêmico
Em abril último, o ICSU já tinha divulgado uma declaração conjunta contra “um boicote acadêmico a cientistas israelenses” e contra a demissão de dois intelectuais também israelenses de suas funções nos conselhos editoriais de duas revistas publicadas no Reino Unido. Essas medidas violam os princípios defendidos pela entidade. “Entendemos as fortes reações geradas por conflitos – por exemplo, aquele que ocorre no Oriente Médio -, bem como o desejo de indivíduos e grupos de boicotar ou demonstrar contrariedade ou desgosto pelas ações de governos nacionais e de outros setores.

No entanto, fazer isso por meio de ações contra intelectuais isolados é sacrificar um princípio de liberdade “profundamente importante”, consta no documento assinado pelo Conselho Científico do ICSU – do qual faz parte José Galizia Tundisi, vice-presidente de Planejamento Científico da entidade – e pelos membros do Comitê Permanente para a Liberdade na Condução da Ciência (SCFCS).

“Queremos examinar essas questões por meio de várias perspectivas e achar soluções que nos possibilitem trabalhar conjuntamente com governos e representantes políticos no sentido de assegurar que o direito universal dos cientistas se mantenha intacto”, explica Peter Warren, presidente do SCFCS.

Correção: cometemos dois equívocos: Governo Mehta, diretor do Instituto de Ciência da Índia, é o presidente eleito do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) e não seu presidente atual, e José Galizia Tundisi não é mais o vice-presidente científico da entidade.

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