Novos hábitos de consumo à mesa e ações governamentais estão fazendo com que a indústria de alimentos e bebidas dedique mais atenção à inovação. No fim de 2018, representantes do setor comprometeram-se com o Ministério da Saúde a reduzir a quantidade de açúcar em seus produtos até 2022. Iniciativas semelhantes já haviam sido realizadas visando à diminuição de sódio e gorduras trans. A próxima meta é a redução de gorduras totais. Ao mesmo tempo, cresce a exigência entre os consumidores por uma alimentação mais natural e saudável.
Desenvolver ingredientes que ajudem a indústria alimentícia a atender às novas demandas de consumo é hoje a principal incumbência dos laboratórios da catarinense Duas Rodas, uma das líderes nacionais na fabricação de aromas, extratos, condimentos e aditivos para fábricas de alimentos e bebidas. A companhia, com sede em Jaraguá do Sul (SC), investe em pesquisa e desenvolvimento (P&D) pelo menos 5% do faturamento anual, que foi de R$ 804 milhões em 2018.
A empresa obteve por volta de 18% de sua receita no ano passado com novos produtos. O esforço inovador foi reconhecido pela Strategy&, consultoria estratégica da multinacional da área de auditoria PwC, que classificou a Duas Rodas como a segunda empresa mais inovadora do setor de alimentos e bebidas do país, superada apenas pela Ambev, e a 48a no quadro geral de seu ranking de inovação.
Duas Rodas
Jaraguá do Sul (SC)
Setor
Alimentício
Centros de P&D
Jaraguá do Sul (SC) e São Bernardo do Campo (SP)
Nº de pesquisadores
200
Principais produtos
Ingredientes para a indústria de alimentos e bebidas, como aromas, extratos, condimentos, aditivos e produtos para sorvetes e confeitaria
O levantamento, realizado com o apoio da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), revelou ainda que o segmento de alimentos e bebidas é um dos menos inovadores do país – ocupa a 16a posição entre 21 setores pesquisados.
Entre as novidades da companhia que chegaram ao mercado nos últimos dois anos estão aditivos como o T-Sweet, um aroma feito a partir de plantas que permite ao fabricante arredondar o sabor final de produtos que sofreram redução de açúcar na formulação. Outras duas inovações, desenvolvidas a partir de matérias-primas alimentícias, são o NaLess, que permite a substituição parcial de sódio em biscoitos, snacks, temperos e carnes industrializadas ao gerar sensação de salgado, e o FatLess, solução que substitui o uso de gordura em biscoitos recheados.
Como explica Antônio Carlos Figueiredo Gonçalves, diretor de Inovação e Tecnologia da Duas Rodas, açúcar, gordura e sódio (sal) são hoje vistos como vilões na alimentação, uma vez que o uso em excesso desses ingredientes pode gerar problemas de saúde, como hipertensão arterial e colesterol alto, elevando os riscos cardíacos. No entanto, esses ingredientes são fundamentais para o sabor dos alimentos e têm funções e propriedades difíceis de ser substituídas. Sem gordura, por exemplo, a massa de pães e bolos não cresce. A gordura gera maciez, e o sódio atua como conservante. O açúcar é importante na fermentação, conservação, textura e cor dos alimentos. “O desafio é desenvolver ingredientes que cumpram as mesmas funções, mas que sejam mais amigáveis à saúde humana”, afirma Figueiredo Gonçalves.
Segundo Leonardo Fausto Zipf, presidente da Duas Rodas, existem duas macrotendências de consumo de alimentos que demandam soluções convergentes: que sejam saudáveis e tenham indulgência. Indulgência é o jargão empregado no setor para se referir a algo gostoso, que gera prazer. “O produto saudável necessita de indulgência para atender às exigências de paladar do consumidor, pois o sabor é o principal fator de recompra”, diz Zipf. “Nosso foco é fornecer ingredientes com as duas propriedades.”
Quase centenária, a Duas Rodas foi fundada em 1925 por dois imigrantes alemães, o químico farmacêutico Rudolph Hufenüssler e a esposa, a física Hildegard Hufenüssler, que instalaram uma fábrica de extratos e essências naturais em Jaraguá do Sul. Os Hufenüssler são de Mainz, cidade próxima a Frankfurt que tem no centro de seu brasão o desenho de duas rodas – a inspiração para o nome do negócio.
Além da unidade catarinense, a companhia conta com mais duas fábricas no Brasil, no município sergipano de Estância e em São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo, e outras quatro na América Latina: na Argentina, no Chile, no México e na Colômbia. Ao todo, são 1.600 colaboradores, a maioria (1.374) no Brasil. A companhia vende seus produtos para 10 mil clientes em 30 países. O mercado externo é a origem de cerca de 15% da receita.
A estrutura interna de P&D é composta por um Innovation Center e um Centro Tecnológico de Pesquisa e Desenvolvimento, ambos em Jaraguá do Sul, e um Centro de Tecnologia e Inovação, inaugurado em 2018 após investimento de R$ 5 milhões, junto à fábrica paulista. Cada uma das demais unidades industriais tem laboratórios regionais de P&D. São, ao todo, 200 pesquisadores e especialistas técnicos com prevalência de engenheiros de alimentos, químicos e nutricionistas. Do total, 10% têm mestrado ou doutorado.
O processo de inovação, porém, não está confinado aos laboratórios e centros de pesquisa. Segundo Leonardo Zipf, a empresa também estimula sua equipe a apresentar soluções por meio de comitês de inovação, núcleos formados por gestores de diferentes áreas que promovem discussões sobre todos os setores.
A Duas Rodas criou em 2016 uma plataforma aberta de inovação, batizada de Planta, cujo objetivo é aproximar indústrias de alimentos, clientes da empresa, profissionais da área de alimentação e gastronomia, estudantes universitários e consumidores em projetos de inovação colaborativa. A plataforma soma 18 mil pessoas conectadas e mais de 750 ideias cadastradas. Neste ano, a Planta será ampliada a fim de se tornar também um centro de aceleração de startups.
Recentemente a Duas Rodas incorporou ao seu portfólio um novo smoothie, criado a partir de ideias apresentadas na Planta. Smoothies são bebidas espessas e cremosas preparadas à base de frutas. A indústria os utiliza principalmente na produção de lácteos, como iogurtes. Os tradicionais são comercializados na forma líquida, enquanto a nova versão da Duas Rodas é em pó e demanda acréscimo de água no momento do uso pelo consumidor. A aposta é que o formato torne mais prático o transporte, a estocagem e a manipulação por parte da indústria.
A estratégia de inovação aberta estimulou a companhia a inaugurar há seis meses o espaço Sala Ouvir na Faculdade Senai Jaraguá do Sul, mantida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). No espaço, são realizados debates, apresentações e reuniões. “O objetivo da Sala Ouvir é aproximar a indústria e a academia e promover inovação aberta”, destaca Antônio Carlos Figueiredo Gonçalves.
O diretor de Inovação e Tecnologia relata que a parceria entre a Duas Rodas e a academia já ocorre há alguns anos. Um projeto recente envolveu as universidades Federal de Santa Catarina (UFSC) e a do Vale do Itajaí (Univali). O trabalho resultou em uma linha de compostos desidratados naturais com base em acerola e extratos botânicos para uso em carnes embutidas, como salames, linguiças e salsichas. O ingrediente é um conservante natural com função antioxidante.
Maior durabilidade
“Os testes de laboratório demonstraram que os compostos são capazes de aumentar a vida útil dos alimentos estudados em dois meses”, ressalta o bioquímico Pedro Luiz Manique Barreto, professor da UFSC e coordenador de uma equipe de cinco alunos do curso de ciência e tecnologia de alimentos dedicada ao projeto. Aumentar em dois meses a vida útil é ampliar significativamente o tempo de prateleira desses embutidos, que normalmente recebem indicação de dois meses para o consumo. Barreto avalia que o desenvolvimento de ingredientes naturais, como os compostos desidratados de acerola e extratos botânicos, atende a uma demanda crescente por produtos mais saudáveis.
Um desafio de inovação que a equipe de P&D está empenhada em superar diz respeito à crescente demanda do consumidor pelo uso de proteína vegetal em sua alimentação. “Pesquisas apontam que um quarto da população brasileira manifesta interesse em substituir a proteína animal, total ou parcialmente, eliminando a carne em algumas refeições durante a semana”, relata Gonçalves.
Soja, ervilha e grão-de-bico são vegetais ricos em proteína e de valor nutritivo elevado, substitutos naturais da carne e do leite. A questão, segundo o diretor de Inovação, é que o sabor, o odor e a textura desses alimentos não são tão agradáveis ao paladar. “A nossa tarefa é criar ingredientes que acrescentem as características sensoriais de carne e leite, mascarando o acentuado sabor e odor da proteína vegetal”, afirma.
O plano estratégico da Duas Rodas, estabelecido em 2015, prevê que a companhia chegue a 2020 com crescimento superior a 10% ao ano. Outra meta é a intensificação da expansão internacional dos negócios, por meio de aquisições de pequenos concorrentes no exterior ou da construção de unidades fabris totalmente novas. No momento, a direção da empresa estuda oportunidades nos Estados Unidos, Europa e Ásia. “Vamos nos internacionalizar cada vez mais”, informa Figueiredo Gonçalves. “Nossa meta é obter 20% do faturamento no exterior em 2020 e 30% em 2025.
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