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Ciência Aplicada Ao Campo

Semeador tropical

Jairo Vidal Vieira, da Embrapa, desenvolveu variedades de cenoura para todo o país

Jairo em uma plantação de cenoura: 18 anos aclimatando a hortaliça ao clima tropical

SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEMJairo em uma plantação de cenoura: 18 anos aclimatando a hortaliça ao clima tropicalSÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM

Se o Brasil, e quem sabe o mundo, fossem dominados pelos coelhos, certamente o engenheiro agrônomo Jairo Vidal Vieira seria aclamado rei ou no mínimo o principal mentor de ciência e tecnologia entre a população desse pequeno mamífero que tem na cenoura seu prato predileto. É que esse pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu, ao longo dos últimos 18 anos, variedades de cenouras que propiciaram a expansão e a adaptação dessa hortaliça para o clima tropical brasileiro com mais oferta do produto e preços mais baixos. Um trabalho que foi reconhecido com o Prêmio FCW na categoria Ciência Aplicada ao Campo de 2004. Aos 52 anos, esse mineiro da pequena cidade de Rio Pomba, perto de Juiz de Fora, ganhou notoriedade em uma área que tem garantido a expansão da agricultura no país nos últimos anos, a de melhoramento genético convencional por meio de seleção de variedades e de espécimes.

A fase de maior presença de cenouras nos pratos brasileiros foi iniciada em 1975, quando Jairo, recém-formado em engenharia agronômica na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, foi contratado pela Embrapa como pesquisador. “A empresa me deu uma bolsa de mestrado”, lembra Jairo. Nesse curso, também feito na UFV, ele desenvolveu uma dissertação na área de fitotecnia, com a cultura de repolho.

Antes de entrar na Embrapa, ele havia recebido vários convites para trabalhar. “Naquele tempo tinha muito emprego, recebi oito propostas, entre universidades, unidades da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em Minas Gerais, Bahia e Goiás, e até de um banco.” Na Embrapa, logo após o término do mestrado, foi indicado para trabalhar no Centro Nacional de Pesquisa com Algodão, em Campina Grande, na Paraíba. “Foi o chefe da área do Centro de Hortaliças da Embrapa em Brasília, Flávio Augusto de Araújo Couto, que me segurou em Brasília e me direcionou para o trabalho com cenouras porque eu tinha feito mestrado na área de hortaliças.” Até então o conhecimento de Jairo sobre a Daucus carota, nome científico da planta, era quase zero. “Eu só tinha visto pé de cenoura na universidade”, conta Jairo, filho de produtor rural. “Meu pai tinha um sítio com cerca de 30 alqueires, uma propriedade pequena em que o principal produto era o leite.”

Foi no doutorado, quando voltou novamente a Viçosa no final de 1981, que ele se especializou na área de melhoramento genético, defendendo a tese intitulada “Herdabilidades, correlações e índice de seleção em cenoura”. “Na verdade, antes eu havia estudado sozinho e, quando cheguei em Viçosa para fazer o doutorado, já possuía uma boa base porque já trabalhava com melhoramento.” Esse estudo e a experiência que adquiriu na Embrapa se somaram para que Jairo, em plena efervescência tecnológica do final de século 20, levasse o cultivo da cenoura mais adiante e para outras paragens seguindo uma linha de continuação do melhoramento dessa planta que, de forma empírica, começou há milhares de anos na região onde hoje é o Afeganistão, na Ásia, berço originário da D. carota. “A cenoura espalhou-se para a China, Índia e Europa, havendo registros de cultivo europeu no século 11. No Brasil, ela chegou com imigrantes portugueses que trouxeram sementes européias para a Região Sul. Essas sementes, em decorrência das condições de clima de Rio Grande do Sul, foram multiplicadas por várias gerações, apenas no âmbito dessas famílias, propiciando uma melhor adaptação às condições brasileiras.

No início da década de 1970, quase toda a semente de cenoura utilizada no Brasil era importada. “Em 1978 recebi a incumbência de desenvolver variedades para todo o país”, lembra Jairo. Naquela época, os problemas a serem resolvidos eram o desenvolvimento de cultivares com adaptação às condições de cultivo do verão brasileiro, resistentes ao calor, a doenças e com boa produtividade. O objetivo era ter cenoura o ano todo, porque a safra era restrita: de maio a julho ou, no máximo, até outubro.

O trabalho de melhoramento começou com a coleta de sementes no Rio Grande do Sul, por pesquisadores da Embrapa, de mais de 60 populações de cenoura. Mas, como em muitos outros experimentos científicos, a sorte também estava presente nas atividades de Jairo na Embrapa. Dentre as sementes coletadas em solo gaúcho, ele identificou três populações com as características de interesse que serviram para a formação, após um trabalho de seleção, de um novo cultivar. “Foi um achado.” A nova variedade foi liberada para cultivo em 1981 e recebeu o nome de Brasília. Ela fez subir em 50% a produtividade de cenoura no país no período do ano em que foi lançada até 1984. Daí para a frente, a produção dessa hortaliça rica em vitamina A cresce a uma taxa de 4 a 5% ao ano no Brasil. “A produtividade aumentou de 1984 até hoje, de 12 toneladas por hectare (t/ha) para 28 a 30 t/ha. É a mesma da Austrália, da Europa e dos Estados Unidos.” Atualmente, a Brasília é plantada em Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco, na Bahia e no Ceará, além dos três estados da Região Sul e de todo o Cerrado. “Hoje pode-se plantar e colher cenoura em qualquer época do ano e local deste país. Isso é um orgulho para qualquer brasileiro.”

Em 1999, uma nova variedade foi lançada pela Embrapa chamada de Alvorada. O objetivo era fornecer ao mercado uma cenoura com raiz de excelente qualidade e com maior porcentagem de caroteno, substância que se transforma em vitamina A. “Mas os agricultores continuam plantando a Brasília, que responde por quase 80% da cenoura brasileira. Acredito que eles não querem deixar essa variedade usada há 15 anos.” Na Brasília o miolo é mais claro, quase branco, enquanto na Alvorada o miolo é quase da mesma cor da parte externa, rica em caroteno. O próximo produto de cenoura da Embrapa Hortaliças que está sendo desenvolvido sob a coordenação de Jairo é uma nova variedade, que provavelmente seguirá o nome ligado ao Distrito Federal e deverá se chamar Esplanada. As primeiras sementes comerciais estarão disponíveis em março de 2005. “É uma variedade mais atrativa para as necessidades da indústria de processamento, que produz cenouras pequenas (as minicenouras) de forma arredondada, para saladas e petisco.”

Jairo na estufa da Embrapa em Brasília, onde nasceu a variedade presente em 80% das plantações

SÉRGIO LIMA/ FOLHA IMAGEMJairo na estufa da Embrapa em Brasília, onde nasceu a variedade presente em 80% das plantaçõesSÉRGIO LIMA/ FOLHA IMAGEM

Outro orgulho de Jairo é a capacidade de as variedades Brasília e Alvorada necessitarem de pouca pulverização contra doenças ou, como ele próprio diz, de veneno. “Antes da Brasília faziam-se duas pulverizações por semana, hoje são feitas duas por ciclo de três meses, mais como um preventivo.” Com isso, o país economiza 280 toneladas por ano (t/ano) de veneno para as doenças de folhas e mais 550 t/ano para as doenças do solo. “Acredito que estamos comendo cenoura com o menor teor de agrotóxico do mundo”, diz.

Para desenvolver as novas sementes, Jairo percorre várias regiões do país, visitando principalmente produtores conhecidos dele e da Embrapa. Leva consigo sementes experimentais e pede para os agricultores plantarem num canteiro ao lado do local onde já produzem cenoura. “Plantamos as sementes em sete ou oito lugares. Depois fazemos a colheita de raízes e analisamos os resultados.” Jairo não deixa de elogiar os agricultores que colaboram com esse trabalho. “Tem produtor que nos recebe há 14 anos e trabalha de forma anônima para o melhoramento da agricultura.”

As contribuições de Jairo para a produção agrícola brasileira vão além da cenoura. A mais recente está no cultivo da melancia. “A Embrapa me solicitou há quatro anos que eu desenvolvesse uma melancia resistente a uma virose chamada de vírus-do-mosaico-da-melancia. Essa doença ataca tanto essa fruta como o mamão e o maracujá.” Para chegar a uma melancia resistente, Jairo está cruzando espécimes com polpa vermelha e com polpa branca (espécie silvestre resistente ao vírus). “É um trabalho de paciência.”

O trabalho de um melhorista, segundo Jairo, está sempre vinculado ao apelo de mercado. “Hoje valorizamos os chamados alimentos funcionais possuidores de substâncias que exercem um papel favorável em algum ponto do organismo.” Exemplos são a vitamina A, essencial para o bom funcionamento da visão, e o licopeno, uma substância abundante no tomate que pode prevenir o câncer de próstata. “Teve uma época, que já passou, em que a ênfase eram os produtos para congelamento como as ervilhas. Existem também produtos cuja época ainda não chegou ao Brasil, como os transgênicos, possuidores de barreiras para a aceitação no mercado. “Eu acredito que daqui a 20, 30 anos os alimentos serão indicados até por médicos, para determinados tipos de problema ou para revigorar certas funções orgânicas.”

O futuro do pesquisador ainda tem muito chão. “Em cinco ou seis anos poderei me aposentar, mas não sei se agüento ficar longe do trabalho.” A única vez em que ele parou na Embrapa foi durante o pós-doutorado na Universidade Texas A&M, nos Estados Unidos, que durou dois anos, entre 1995 e 1996. “Fui a convite do professor Leonard Pike, que esteve no Brasil em 1987 e conheceu a variedade Brasília. Ele levou algumas amostras e o cruzamento com outras variedades resultou em uma cenoura roxa por fora e vermelha por dentro, que só tem mercado como enfeite ou em culinária sofisticada.”

Para o Texas, Jairo foi com a mulher, Rita de Cássia, e os três filhos, dois rapazes e uma menina. Rita, economista que trabalha na sede da Embrapa em Brasília, também fez pós-doutorado na mesma universidade e os três filhos se aprimoraram no inglês. Marido e esposa continuaram, no Texas, uma seqüência em comum desde a época que se conheceram, ainda estudantes de graduação na UFV. Jairo, que possui mais de 30 trabalhos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, pensa ainda em trabalhar como professor quando se desligar da Embrapa. Hoje atua como co-orientador de alunos da Universidade de Brasília e participa de bancas de tese em outras universidades. Ele acredita que ainda tem muito a ensinar e a aprender. E cita o ensinamento do professor Vicente Wagner Dias Casali, orientador de seu doutorado: “Se a pessoa precisa de ajuda, eu ajudo. E eu me sinto bem em ajudar os outros”.

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