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Simulações reforçam papel humano na extinção de grandes mamíferos

Redes ecológicas do Pleistoceno nas Américas eram suscetíveis à chegada de novo predador

Representação de preguiça-gigante que existia em toda a América do Sul

Rodolfo Guarnieri BatistaRepresentação de preguiça-gigante que existia em toda a América do SulRodolfo Guarnieri Batista

Por volta de 10 mil anos atrás, alguma coisa aconteceu para varrer do mapa das Américas grandes animais como preguiças-gigantes, tigres-dentes-de-sabre e mastodontes. Na impossibilidade de voltar no tempo, é difícil saber o que levou a esse sumiço coletivo, conhecido como as extinções da megafauna do Pleistoceno, mas dois protagonistas disputam a culpa: os seres humanos e mudanças climáticas. O biólogo Mathias Pires, da Universidade de São Paulo, sugere pender a balança um pouco mais para o lado dos caçadores bípedes, conforme expõe em artigo publicado em setembro na revista Proceedings of the Royal Society B. O trabalho é a parte principal de seu doutorado, um dos ganhadores do Prêmio Capes de Teses deste ano, na categoria Biodiversidade (veja também Pesquisa FAPESP nº 231).

“Não é que o homem chegou e caçou todos os mastodontes, e todas as preguiças-gigantes”, explica Pires. Sua proposta é mais sofisticada e envolve modelos matemáticos para reconstruir o funcionamento das redes ecológicas da época. Os resultados revelam que as comunidades de grandes mamíferos do Pleistoceno não eram especialmente instáveis, mas sensíveis ao acréscimo de um predador eficaz como o homem.

A teoria que serve como base para o trabalho postula que o número de espécies de um sistema ecológico, a quantidade e a força das interações entre elas e a forma como essas interações são distribuídas definem a resistência da rede a perturbações. Com isso em mente, Pires fez uma reconstrução virtual das redes ecológicas que caracterizariam cinco localidades na América do Norte e quatro na América do Sul, levando em conta a fauna descrita em artigos científicos e no banco de dados público Paleobiology Database. As simulações mostraram que a chegada do novo predador aumentava a conectividade entre os integrantes da rede, gerando instabilidade e aumentando o risco de extinções. “Se o sistema é muito conectado, o efeito de uma perturbação se propaga melhor”, explica Pires. Segundo ele, as interações entre as espécies propagam os efeitos sentidos por cada uma delas, que incluem redução populacional. “O resultado pode ser o colapso da comunidade.”

Mathias Pires / USPPreguiça-gigante em exposição no Museu de Zoologia da USPMathias Pires / USP

O estudo mostrou também uma diferença entre as Américas: a alta diversidade de herbívoros em relação aos carnívoros pode ter favorecido uma maior estabilidade na parte sul do continente em relação ao norte, onde havia mais predadores. A sugestão condiz com a informação de outros estudos, de que as extinções teriam levado mais tempo na América do Sul.

Mesmo sob o efeito de perturbações, existe a possibilidade de os sistemas se reorganizarem e adquirirem novas características, como se vê hoje nas comunidades das Américas – pobres em grandes mamíferos. Único continente onde os grandes mamíferos parecem ter sido poupados, a África foi incluída no estudo como comparação. “O homem surgiu na África e colonizou os outros continentes bem mais tarde. Uma possibilidade é que as redes ecológicas de lá se tenham reorganizado, ajustando-se à presença do homem”, afirma Pires. Ainda é uma suposição.

Para ele, as coincidências entre as extinções e a chegada do ser humano já eram um indício forte de que o caçador bípede não foi apenas um espectador no sumiço da megafauna. Isso não quer dizer que o homem trabalhou sozinho: considera-se que os animais já estavam debilitados por efeitos de flutuações climáticas que vinham acontecendo ao longo do Pleistoceno. “O conjunto de evidências acumuladas e os nossos resultados usando simulações ecológicas sugerem que os homens podem ter dado o golpe de misericórdia.”

Projetos
1.
Estrutura e dinâmica coevolutiva em redes de interações mutualísticas (n° 2009/54422-8); Modalidade Jovens Pesquisadores; Pesquisador responsável Paulo Roberto Guimarães Junior (IB-USP); Investimento R$ 161.960,08.
2. Redes tróficas do Pleistoceno: estrutura e fragilidade (nº 2009/54567-6); Modalidade Bolsa no país – Regular – Doutorado; Pesquisador responsável Paulo Roberto Guimarães Junior (IB-USP); Bolsista Mathias Mistretta Pires (USP); Investimento R$ 161.960,00.

Artigo científico
PIRES, M. M. et al. Pleistocene megafaunal interaction networks became more vulnerable after human arrival. Proceedings of the Royal Society B, v. 282, n. 1814. 2 set. 2015.

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