Imprimir PDF Republicar

COVID-19

Sob holofotes

O Brasil é um dos países mais mencionados em publicações relativas à doença

O Brasil é um dos 10 países mais mencionados em publicações científicas acerca da Covid-19 no mundo. Foram 2.221 menções até meados de novembro em trabalhos de autoria de grupos nacionais e do exterior. As produções abordam aspectos relacionados aos mecanismos e às dinâmicas de transmissão do novo coronavírus (Sars-CoV-2), além de estratégias de prevenção, diagnóstico, tratamento da doença, entre outros assuntos. Os números são do LitCovid, repositório criado por engenheiros e cientistas de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (NML) que reúne mais de 190 mil trabalhos a respeito da pandemia.

A plataforma utiliza algoritmos de aprendizado de máquina para vasculhar os milhares de documentos divulgados todos os dias em revistas indexadas pela PubMed, maior base mundial de artigos e livros da área da saúde humana, e identificar aqueles que tratam especificamente da Covid-19. Cada item selecionado recebe uma pontuação, a qual indica a probabilidade de ele ser relevante – produções categorizadas como irrelevantes são descartadas. Em seguida, por meio de sistemas automatizados de classificação de texto, a ferramenta escrutina os resumos das publicações, separando-as em diferentes categorias e por país mencionado.

A China apareceu em 14.648 trabalhos relacionados à Covid-19 nos últimos dois anos. Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Índia vêm em seguida, com 13.627, 5.455, 5.399 e 3.901 documentos, respectivamente. As 2.221 produções que mencionam o Brasil eram majoritariamente artigos descrevendo e analisando fatores políticos, sociais e ambientais relativos à disseminação do Sars-CoV-2 em diferentes regiões do país e os impactos da Covid-19 em populações e grupos específicos. São estudos sobre a prevalência do novo coronavírus em profissionais da saúde na linha de frente da pandemia em determinada cidade ou estado ou dedicados aos efeitos da doença em pacientes pediátricos, oftalmológicos e com câncer. “Foi como se todos quisessem contribuir de alguma forma com o conhecimento que estava sendo construído no mundo sobre a pandemia”, comenta o físico Haroldo Ribeiro, da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, que estuda a produção científica brasileira.

O Brasil gerou artigos de qualidade, sobretudo na área de virologia. Um dos papers considerados mais relevantes pela LitCovid foi publicado pelo grupo da médica Ester Sabino, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), na revista Science em abril de 2021. O trabalho identificou a variante P1 em Manaus e confirmou que o segundo surto de Covid-19 naquela cidade estava associado a ela.

À medida que a vacinação começou a avançar no país, muitos grupos buscaram estimar os efeitos da imunização em populações de diferentes regiões e faixas etárias, bem como sua eficácia contra determinadas linhagens do Sars-CoV-2. Um dos papers que se destacaram saiu na revista The Lancet Microbe em julho de 2021. Sob coordenação do virologista José Luiz Proença Módena, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi avaliado se as respostas imunológicas proporcionadas pela CoronaVac – desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, de São Paulo – e pelo adoecimento por Covid-19 eram capazes de neutralizar a P1. “Esse estudo foi feito em um contexto de grande preocupação envolvendo novas variantes”, diz o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, um dos autores do artigo.

Ele conta que alguns estudos haviam observado que as variantes B.1.1.7, detectada pela primeira vez no Reino Unido, e B.1.351, identificada na África do Sul, conseguiam escapar parcialmente da resposta de anticorpos em pessoas previamente infectadas e também nas que haviam se vacinado. “Queríamos saber se o mesmo acontecia com a P1 em relação à CoronaVac”, comenta Spilki. Os cientistas identificaram uma diminuição na capacidade dos anticorpos induzidos por esse imunizante de bloquear a multiplicação da P1 ao longo do tempo – esse fenômeno se mostrou verdadeiro também para outras formulações. “Esse achado se confirmou nos trabalhos do infectologista Julio Croda, da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], os quais destacaram a importância da dose de reforço da vacina contra a Covid-19.”

Segundo Spilki, a capacidade brasileira de vigilância genômica foi construída à luz de experiências envolvendo outros vírus, como os da dengue, chikungunya, febre amarela e zika. “O Brasil dispõe de uma comunidade de pesquisadores muito qualificada atuando nas áreas de virologia molecular e epidemiologia e que estava pronta para dar uma resposta quando a pandemia do novo coronavírus se instalou no país”, comenta o pesquisador. “Ela poderia ter sido melhor aproveitada se a ciência no país tivesse sido priorizada com investimentos nos últimos anos.”

Também foram comuns os trabalhos com relatos de casos, como aqueles sobre indivíduos que se reinfectaram com o novo coronavírus ou que contraíram ao mesmo tempo a Covid-19 e alguma outra doença, como dengue e Chagas. Houve ainda muitas cartas e artigos de opinião apontando erros e negligência do governo federal em relação ao modo como ele vinha lidando com a pandemia. Um dos que mais repercutiram foi o editorial publicado em maio de 2020 na revista The Lancet. O texto destacou a gravidade da pandemia no Brasil e criticou o presidente Jair Bolsonaro, classificando-o como “a maior ameaça à resposta contra a Covid-19 no Brasil”.

Por se restringirem a realidades específicas e oferecerem contribuições incrementais, vários trabalhos produzidos por grupos nacionais foram publicados em revistas de baixo impacto. “Os dados refletem um fenômeno característico do Brasil”, destaca o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul. “Produzimos muitos artigos, mas essa produção não se traduz em alto impacto internacional.”

Os dados no LitCovid indicam ainda que o período com mais publicações sobre a Covid-19 envolvendo o Brasil se deu nos meses de agosto e setembro de 2020 e de junho e julho de 2021, precisamente durante as fases mais agudas da primeira e da segunda onda da pandemia no país. Um dos trabalhos publicados àquela época que se destaca entre os mais relevantes na plataforma é o Epicovid-19, primeiro e mais amplo levantamento populacional sobre a incidência do novo coronavírus feito no Brasil. O estudo foi coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel e monitorou a progressão da pandemia do Sars-CoV-2 em 133 cidades brasileiras em diferentes períodos. “Foi um dos maiores estudos epidemiológicos, com dados coletados diretamente na casa das pessoas”, comenta Hallal, um dos responsáveis pelo levantamento, que contou com apoio da FAPESP em sua última fase de coleta de dados. Ele explica que o trabalho forneceu um retrato detalhado sobre a disseminação do vírus, mostrando, por exemplo, que a perda ou alteração do olfato e do paladar se caracterizavam como sintomas da doença.

Republicar