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ESPAÇO

Startup sul-coreana é a primeira empresa privada a operar na base de Alcântara

Foguete suborbital da Innospace levou como carga útil sistema de navegação desenvolvido no Brasil

Lançamento do foguete Hanbit-TLV, em março, do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão

Sargento Frutuoso / DCTA

Pela primeira vez, uma empresa privada esteve à frente de uma operação no Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão. A startup sul-coreana Innospace lançou seu foguete Hanbit-TLV, a partir da Área 1 do CEA, no último dia 19 de março. O feito fez parte da missão Astrolábio, que pretende validar o primeiro estágio do Hanbit-Nano, veículo lançador de dois estágios capaz de transportar carga útil de até 50 quilogramas (kg). Estágio é o nome que se dá a cada um dos segmentos de um foguete que possui motor ou propulsor e que se separa do conjunto durante o voo; normalmente, foguetes com dois ou mais estágios são empregados em voos orbitais. O lançamento também foi utilizado para testar uma tecnologia espacial em desenvolvimento no Brasil, o Sistema de Navegação Inercial (Sisnav).

O veículo sul-coreano Hanbit-TLV é um lançador suborbital de estágio único, com 16,3 metros (m) de altura, 1 m de diâmetro e 8,4 toneladas (t). Nos voos suborbitais, o foguete atinge altitudes superiores a 100 quilômetros (km) do nível do mar, mas não tem capacidade de inserir uma carga útil na órbita da Terra.

O foguete utiliza uma tecnologia diferenciada de propulsão, que combina motores à base de oxigênio líquido e parafina, o que simplifica sua estrutura e permite um melhor controle de potência. O combustível, ao mesmo tempo, não é tóxico ou explosivo — os gases emitidos se dissipam na atmosfera ao longo do voo.

A Innospace está analisando os dados do voo, que durou 4 minutos e 33 segundos, para verificar o desempenho do foguete. Em nota, a startup sul-coreana destacou que “o lançamento mostra que a empresa possui recursos tecnológicos suficientes para desenvolver foguetes de forma independente e se inserir no mercado global de lançamentos espaciais”.

“Essa foi uma demonstração da capacidade do CEA, do ponto de vista técnico, operacional e administrativo, de realizar lançamentos com precisão e segurança”, destacou Carlos Augusto Teixeira de Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Base tem posição privilegiada
O CEA, instalação que inclui o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e outras infraestruturas, foi concebido com a ideia de abrigar operadores estrangeiros, mas até hoje só havia hospedado missões nacionais.

“O CEA está localizado em uma posição privilegiada para lançamentos em órbitas de baixa inclinação”, destaca o engenheiro aeronáutico João Luiz de Azevedo, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), organização dedicada à pesquisa do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) do Comando da Aeronáutica. “É interessante para o país que ele possa ser operado também por companhias privadas internacionais; além de recursos, essas parcerias tendem a ser profícuas do ponto de vista tecnológico.”

A base de Alcântara está posicionada próxima à linha do Equador. Para lançamentos de satélites que visam à órbita equatorial, partir de Alcântara representa uma economia de propelente de até 30% em relação a um lançamento de Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, situado mais de 3.000 km ao norte do Equador – menos propelente, nome dado à mistura de combustível com comburente, substância que fornece oxigênio para a reação, significa menos peso no foguete e, consequentemente, maior capacidade de carga útil a ser transportada.

DCTA Montagem do Sistema de Navegação Inercial (Sisnav) no foguete sul-coreano (no alto) e o dispositivo totalmente instaladoDCTA

Carga útil brasileira a bordo
Para viabilizar a operação de março, a startup sul-coreana assinou com o DCTA um acordo de cooperação tecnológica de 48 meses, o qual prevê outros voos de teste. O acordo também previa o lançamento de uma carga útil brasileira, o Sisnav, desenvolvido pelo IAE – foi a primeira vez que a Innospace prestou um serviço de transporte de carga útil em seu foguete. Com 18 quilos, o Sisnav foi a única carga útil levada ao espaço a bordo do veículo suborbital.

O Sisnav é usado para estimar a posição de lançadores espaciais a partir da leitura de sensores inerciais (acelerômetros e giroscópios). “Quando estiver pronto, o Sisnav deverá ser capaz de estimar a posição de veículos de acesso ao espaço, dando condições para o sistema de controle embarcado no veículo comandar manobras para corrigir eventuais erros de trajetória”, destaca o tenente-coronel Bruno Távora, gerente do projeto, no IAE.

A equipe técnica responsável pelo sistema agora irá verificar se ele opera bem em ambiente real, sob condições extremas de vibração e temperatura, que ocorrem durante a decolagem e o voo. Também serão avaliadas possíveis melhorias para que o sistema atinja seu requisito de desempenho. “Está previsto mais um voo do Sisnav como carga útil no foguete brasileiro VS-50, veículo suborbital em desenvolvimento pelo IAE.”

Para Moura, da AEB, a tecnologia desenvolvida no IAE é essencial para o desenvolvimento de veículos de desempenho autônomo, que precisam de um sistema próprio de controle e navegação. “Trata-se de uma tecnologia sensível. Os países que a dominam não a compartilham com outras nações ou compartilham sob condições restritas”, diz. “É importante que o Brasil a domine para que possa usá-la em seus próprios projetos.”

DCTA O foguete da Innospace momentos antes de ser transferido para a plataforma de lançamento da base de AlcântaraDCTA

Operações comerciais
O lançamento do Hanbit-TLV é resultado de um esforço para viabilizar o uso do CEA para além das instituições de pesquisa do DCTA e seus pesquisadores. A operação foi a primeira feita por uma empresa privada no CEA, mas ainda não teve finalidade comercial. Por se tratar de uma cooperação tecnológica, a base brasileira não foi remunerada para prestar serviço de apoio à preparação e lançamento do foguete.

Em 2020, a AEB lançou um processo de chamamento público para selecionar quatro companhias para uso comercial conjunto da base ‒ cada uma deveria operar em uma área específica do CEA. As empresas C6 Launch, do Canadá, Virgin Orbit, Orion AST e Hyperion Rocket Systems, dos Estados Unidos, foram as escolhidas (ver Pesquisa FAPESP nº 307). Esta última, no entanto, retirou-se da negociação e seu lugar foi ocupado pela Innospace, que também se habilitou a fazer lançamentos comerciais.

“Queremos explorar essa vertente [comercial] em Alcântara, já que é cada vez maior a demanda por lançamentos de satélites de médio e pequeno porte por empresas privadas, e não há no mundo bases de lançamento em número suficiente para atendê-la”, diz Moura.

O próximo lançamento internacional na base de Alcântara deverá ser efetuado pela empresa canadense C6 Launch, que deve começar a montagem de seus equipamentos no CEA no segundo semestre ‒ a preparação de um foguete para o voo costuma levar entre um e dois meses. As outras duas companhias selecionadas na primeira chamada pública – as norte-americanas Virgin Orbit e Orion AST – ainda estão em fase de negociação. A expectativa da AEB é atingir uma cadência em torno de um lançamento por mês depois que as empresas selecionadas qualificarem seus projetos.

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