Duas economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) analisaram as razões pelas quais o programa de subvenção econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) teve efeitos modestos sobre o ritmo da inovação no Brasil. Lançada em 2006, essa modalidade de apoio se propõe a aplicar recursos públicos não reembolsáveis – ou seja, que não precisam ser devolvidos – em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de empresas inovadoras. Seu objetivo é impulsionar iniciativas de alto risco tecnológico no setor privado.
O levantamento, feito por Graziela Zucoloto e Priscila Koeller, do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, mostra que o programa sofreu com o fluxo errático de recursos. Entre 2014 e 2019, praticamente não houve investimentos (ver gráfico). A Finep voltou a conceder subvenção durante a pandemia, sem, no entanto, conseguir dar tração a empreendimentos arrojados e de grande porte. Isso porque houve redução do tempo de vigência dos projetos e do volume de recursos para cada um deles, e também dos percentuais de contrapartida disponibilizados pelas empresas.
No estudo, as pesquisadoras dividiram a análise em dois períodos (2012-2015 e 2016-2020), correspondentes às últimas Estratégias Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação. No primeiro, entre 2012 e 2015, o valor médio anual ofertado pelo instrumento chegou a R$ 266,8 milhões, com impactos positivos importantes, aproximando empresas do setor acadêmico e impulsionando o depósito de registros de patentes. Essa situação se deteriorou nos anos recentes. Os valores médios anuais disponibilizados entre 2016 e 2020 recuaram 65% em relação ao primeiro período, para apenas R$ 93,3 milhões. A retração se deveu principalmente aos sucessivos bloqueios dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT (ver Pesquisa FAPESP nº 304). Abastecido com receitas de diferentes segmentos da economia – como petróleo, energia, saúde, biotecnologia –, recolhidas pelos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, o FNDCT é a principal ferramenta de financiamento à pesquisa e à inovação do governo federal, responsável por alimentar os programas da Finep. “Com os recorrentes bloqueios de seus recursos e a opção de alocar os existentes em outras modalidades, a subvenção perdeu sua capacidade de investimento”, esclarece Zucoloto.
No segundo período analisado, houve um aumento no contingente de projetos apoiados, impulsionado principalmente pela liberação de recursos para tecnologias relacionadas à Covid-19. Em 2020, a Finep praticamente relançou o programa, concedendo R$ 271,2 milhões a 191 projetos dessa natureza – esse foi o maior montante de subvenção gerido pela agência desde 2016. Um deles deu origem a um teste de baixo custo para detecção da Covid-19. Desenvolvido pela empresa paraibana Bioensaios, o dispositivo, feito à base de sílica, obteve resultados equivalentes aos do exame RT-PCR, padrão-ouro no diagnóstico do novo coronavírus. Outro projeto, levado a cabo pela empresa gaúcha Plasmar Indústria Metalúrgica, resultou em máscaras antimicrobianas capazes de filtrar até 95% das partículas transportadas pelo ar, diminuindo a carga viral e o risco de contágio.
Na avaliação do economista e cientista político Luis Fernandes, do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), os valores direcionados ao enfrentamento da Covid-19 foram bem-vindos, mas se resumiram a inovações incrementais – e não estruturais, como é de se esperar dos projetos apoiados por esse programa. “Entendo os gestores da Finep”, comenta Fernandes, que presidiu a agência entre 2007 e 2011. “Diante da escassez de recursos, aproveitaram a pandemia para ampliar a subvenção, mas, dado o caráter emergencial dessa ação, os projetos não vão atender as necessidades de inovação do país.”
Segundo Zucoloto, a tendência observada nos últimos anos parece ter contribuído para o acirramento de antigos problemas. Um deles diz respeito ao tempo médio previsto dos projetos, que nos últimos 10 anos recuou de 53 para 24 meses. Há algum tempo esse fenômeno preocupa os pesquisadores. “Tendo em vista que a subvenção visa apoiar projetos de alto risco tecnológico, que não se viabilizariam na ausência do Estado, é de se questionar se apenas dois anos são suficientes para o desenvolvimento de inovações de grande impacto, capazes de atender os interesses do país”, destaca Koeller. Roberto Bernardes, professor do Programa de Pós-graduação em Administração da Fundação Educacional Inaciana Padre Saboia de Medeiros (FEI), especialista em gestão estratégica da inovação e transformação digital, afirma que o tempo médio de um projeto de inovação radical é de cerca de cinco anos, a depender do nível de fronteira científica e complexidade tecnológica, e do grau de incerteza com o qual se está lidando. “Dois anos são insuficientes para promover inovações de alto risco.” Gianna Sagazio, diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ressalta que não é possível estimar o impacto de uma inovação com base apenas no tempo de execução do projeto que a concebeu. “Os dados do Ipea, contudo, indicam que, no Brasil, não há perspectiva de apoio público perene, de longo prazo, às atividades empresariais de P&D de alto risco, o que é grave.”
Na avaliação da economista Domitila Santos Bahia, da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), “os resultados sugerem que a subvenção estaria sendo usada para substituir investimentos privados em inovações incrementais, muitas vezes de utilidade da empresa, mas não necessariamente ligadas aos desafios do país”. Para Fernandes, no entanto, é importante que os dados sejam avaliados à luz do atual contexto econômico. “As grandes empresas estão investindo menos em P&D, dado o cenário de incerteza política e econômica dos últimos anos no país, ao passo que as pequenas e médias sofrem com a baixa demanda interna e capacidade de investimento, de modo que, com a Finep investindo menos, é de se esperar que as contrapartidas oferecidas pelas empresas também diminuam”, diz o economista, referindo-se à parte que as próprias companhias investem nos projetos financiados pela agência.