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CARTOGRAFIA

Terra bem examinada

Mapa de solos ajuda a rever expansão agrícola e urbana de São Paulo

No final do século passado, os fazendeiros do Vale do Paraíba teriam evitado problemas se tivessem à mão um mapa de solos. Descobri-riam, por exemplo, que o solo daquela área, entre as serras do Mar e da Mantiqueira, exigiriam cuidados especiais para manter a produtividade do café. A Natureza mostrou-se lógica: o solo se esgotou, as lavouras se desfizeram e as cidades do Vale viveram um período de estagnação até encontrarem a vocação industrial. Embora não tenham cessado os exemplos de uso inadequado do solo – as plantações e as cidades ainda se espalham sem respeitar as limitações e as potencialidades do terreno -, os agricultores de hoje não precisariam viver as mesmas emoções.

O novo mapa de solos do Estado de São Paulo informa sobre a variação de profundidade, a suscetibilidade à erosão, a composição granulométrica (ou textura), a fertilidade e as classes de relevo. Permite, enfim, avaliar o potencial de uso agrícola e urbano do território paulista e evitar erros. Elaborado ao longo de três anos e publicado com apoio financeiro da FAPESP, é o resultado do trabalho de quatro pesquisadores: João Bertoldo de Oliveira e Márcio Rossi, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Marcelo Nunes de Camargo, já falecido, e Braz Calderano Filho, do Centro Nacional de Pesquisas de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Rio de Janeiro.

Segundo Oliveira, sua escala, de 1:500.000 (um centímetro representa cinco quilômetros), é apropriada para análises regionais. O mapa poderá ser usado, por exemplo, por prefeituras, secretarias de Estado e empresas de engenharia e de planejamento, além de fazendeiros, para ampliar a margem de acerto na escolha de espaços reservados para áreas industriais ou agrícolas, conjuntos residenciais, estradas, aterros sanitários ou cemitérios, que se tornam inevitáveis à medida que as cidades crescem, ou no planejamento da propriedade rural.

“O mapa será um documento básico também no ensino, especialmente em escolas de engenharia, de agronomia, ecologia, geologia e geografia”, exemplifica o pesquisador. A utilização pode ser ainda mais ampla, incluindo o planejamento militar, por indicar a capacidade de suporte do terreno, uma informação fundamental para o transporte de veículos pesados e a construção de estradas ou de campos de aviação. Essa obra cobre a lacuna deixada pelo mapa anterior, de 1960, elaborado pela antiga Comissão de Solos do Ministério da Agricultura, atual Embrapa-Solos. O detalhamento, evidentemente, é maior: há 387 unidades de mapeamento identificando trechos do território com tipos de solos diferenciados, no lugar das 39 estabelecidas no anterior.

Solos predominantes
O mapa de solos apresenta dez categorias de solos, diferenciadas com base em variáveis como características químicas, cor, textura, espessura, presença de cascalhos e tipos de horizontes superficiais. Como para cada classe de solo é indicada a classe de relevo predominante, torna-se possível concluir, associando com as informações a respeito do solo, sobre a maior ou menor facilidade de erosão do terreno e sobre as práticas de conservação ambiental mais indicadas.No Estado, de acordo com esse mapa, predominam duas categorias de solos, os latossolos e os argissolos. Oliveira conta que os primeiros apresentam uma discreta capacidade de reter bases, como cálcio, magnésio e potássio.

A profundidade pode variar alguns metros, mas, quanto mais profundos, apresentam apenas ligeiro aumento de argila. “Os latossolos situam-se geralmente em relevos aplainados ou suave ondulado e apresentam boa permeabilidade interna, o que lhes confere uma grande resistência à erosão”, comenta o pesquisador. São também fáceis de serem preparados para o plantio e apresentam variado grau de fertilidade. “Mesmo os pouco férteis, uma vez adequadamente manejados, podem se tornar bastante produtivos”, lembra Oliveira.

Os argissolos, o outro tipo de solo predominante no Estado de São Paulo, apresentam uma característica que os distingue: um apreciável acréscimo de argila abaixo da camada superficial. Comuns em terrenos de declive mais acentuado que os latossolos, são mais sujeitos à erosão. Requerem, pois, cuidadosas práticas de conservação, ressalta o pesquisador, que lembra que há uma grande variação de argissolos, desde os ácidos e pouco férteis até os ricos em bases.

Matérias orgânicas
As terras roxas do interior paulista, famosas pela fertilidade, embora com teores reduzidos de materiais orgânicos, encontram-se entre os latossolos. Mas nem sempre a cor vermelha está associada à fertilidade do solo, notam os autores do mapa, que deixam evidente: existem solos vermelhos pobres e amarelos ricos, também valendo a situação inversa. De todo modo, esse trabalho mostra que os teores de matéria orgânica no solo não são muito elevados no Estado. Mesmo assim, há solos que, bem manejados, suportam o cultivo das principais culturas, como cana-de-açúcar, laranja e café.

O mapa é complementado pelo Boletim Científico 45 do IAC, com informações a respeito da constituição química e física e do comportamento agrícola dos solos pertencentes a cada uma das dez categorias básicas de solo. A publicação apresenta descrições morfológicas e análises de perfis representativos dessas classes de solos, além de estabelecer a relação entre os solos identificados no atual mapa com os dos mapas anteriores.

O mapa pedológico resulta da compilação e adequação de uma série de oito mapas, provenientes do Projeto RadamBrasil, que nos anos 70 mapeou o território nacional, e de outros 15 do próprio IAC. As escalas também variam, de 1:250.000 a 1:50.000. Sem problemas: os pesquisadores desenvolveram uma metodologia de ajustes e redefiniram as legendas até chegar à obra final.

Apresentado em julho no Congresso Brasileiro de Solos, em Brasília, o novo mapa pedológico do Estado de São Paulo é um dos primeiros a aplicar o novo Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, elaborado por cerca de 70 pesquisadores, sob a coordenação da Embrapa-Solos. Entre as mudanças, os especialistas desdobraram uma ampla categoria de solos, os podzólicos, em três classes diferentes, os argissolos, luvissolos e alissolos (o termo podzólico não existe mais). O mapa pode ser adquirido na seção de publicações do IAC por R$ 50,00, e oBoletim Científico 45, por R$ 20,00.

Perfil :
João Bertoldo de Oliveira, 65 anos, agrônomo, é pesquisador aposentado do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e professor do Departamento de Água e Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Projeto: Mapa Pedológico do Estado de São Paulo
Investimento : R$ 84.750

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