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SOCIOLOGIA

Toma, que o filho é teu

Para homens, reprodução é "coisa só de mulher"

“Mãe é mãe, pai é pai”. Uma frase que reflete o pensamento da maioria dos homens, para quem reprodução e família são “coisa de mulher”. Ou eram, como indicam os resultados da pesquisa Os Homens, esses Desconhecidos: Masculinidade e Reprodução, coordenada pela professora Maria Coleta de Oliveira, do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas, e que contou com o apoio financeiro da FAPESP de R$ 19,9 mil. “O estudo aponta mudanças sensíveis nas relações homem-mulher e pai-filhos, embora ainda não se configurem em novos modelos”, explica a pesquisadora. No entanto, uma verdade descoberta na análise das entrevistas, feitas em 1997, com homens e mulheres, é certa e surpreendente: as mulheres é que decidem quando os homens vão ser pais.

“O que moveu nossas indagações era descobrir os motivos pelos quais as mulheres têm tanta dificuldade com os homens”, diz Coleta. “Mas quase tudo o que se escrevia sobre reprodução humana centrava-se apenas na figura feminina, o que deixava os homens de lado, como se esses não participassem do processo”, completa a professora. Os pesquisadores queriam entender de que forma o sexo masculino via seus direitos e obrigações paternais. “É comum entre eles a visão de que a maternidade é parte da natureza das mulheres, cabendo aos homens o papel de fecundadores de plantão, prontos a engravidá-las quando elas o desejarem”, comenta a pesquisadora. E as experiências do passado tampouco os ajudam a adotar uma postura mais igualitária na estruturação da família.

“Os homens, em geral, ressentem-se da relação com os próprios pais, classificados como ausentes e autoritários, e vêem a paternidade como um fardo excessivo, na medida em que se exigem ser pais melhores do que aqueles que tiveram”, analisa a psicóloga e psiquiatra Malvina Ester Muszkat, também envolvida no estudo. “Assim, embora reconheçam a sobrecarga de trabalho e responsabilidade colocada sobre as mulheres, os homens relutam em aceitar o modelo igualitário, que acreditam ser extremamente exigente”, diz Malvina. “Há, no entanto, que se considerar a ruptura severa que ocorre no ciclo vital masculino por causa da reprodução, que os obrigaa passar do estágio filial para o familiar ou parental, quando, num casal, entram em colisão a diferença entre sexos e culturas, fazendo surgir novos conflitos e reaparecer outros, que se julgavam resolvidos”, observa a psicóloga.

Uma ilustração desse fato foi verificada ao longo do estudo: das 16 mulheres descasadas entrevistadas, nove se separaram logo após o nascimento do primeiro filho. Mais: ao pesquisarem indivíduos na faixa dos 18 aos 24 anos, os professores tiveram dificuldades em encontrar homens casados para entrevistar. “Eles mudam de estado civil em média aos 27 anos e, mesmo tendo relações fixas, muitos preferem continuar a morar com os pais”, conta a socióloga Elisabete Dória Bilac, outra das pesquisadoras da equipe coordenada por Maria Coleta.

Já na faixa entre os 40 e 59 anos, os homens quase sempre admitem a possibilidade de assumir o papel de pai-amigo-companheiro, mas pouco o exercitam de verdade. A boa nova foi encontrada no grupo entre 25 e 39 anos, para o qual esse papel é um padrão. Alguns dos depoimentos chegaram a ser emocionados: “Ou você tem presença ou não é pai”, afirmou um dos entrevistados; “A paternidade só se define com a presença”, sentenciou outro. Nem sempre, porém, desejo e realidade se misturam.

Vários dos “super pais” queixaram-se, por exemplo, de que, quando o filho chorava, corriam para atendê-lo, zelosos. Apenas para ouvir do pimpolho de olhos marejados: “Quero a mamãe”. “Esses homens demonstram um maior reconhecimento sobre a importância da atividade familiar de suas companheiras, até mesmo porque, como observa V. Manninem, uma das mais importantes e mais conscientes manifestações do ideal de masculinidade é o desejo de ser capaz de oferecer, à parceira que se escolheu, perfeita satisfação”, lembra Malvina. Para quem, no entanto, ainda não há uma resposta conclusiva para a célebre pergunta: para que servem os pais? “Ainda assim, o lugar do pai existirá sempre que houver uma mulher para legitimar esse lugar e um filho capaz de identificar-se com ele”, completa.

A pesquisa trouxe igualmente desdobramentos interessantes relacionados com métodos anticoncepcionais e aborto. “Eles têm uma concepção naturalizada dos gêneros, fonte da idéia de que a reprodução e a anticoncepção são assuntos e responsabilidades femininos”, nota Coleta. “Ainda assim, eles estão cada vez mais envolvidos nessas questões: embora confessem que consideram a pílula o método anticoncepcional ideal, assumem as queixas das mulheres dos sintomas colaterais indesejáveis”, conta. Logo, prefere-se o uso do preservativo (também em função da Aids) associado ao método do ritmo ou tabelinha.

O aborto é prática comum, em especial entre os homens mais velhos. “O aborto foi e ainda é adotado amplamente no início dos relacionamentos; na geração mais velha, no entanto, ele foi utilizado ao longo da vida conjugal, como forma de adiar ou espaçar o nascimento dos filhos”, fala Coleta. “Os mais jovens recorrem bem menos ao aborto, embora sua utilização ainda continue em uma intensidade notável e surpreendente”, observa a pesquisadora.

Há, porém, um obstáculo forte quando o peso da anticoncepção recai sobre os ombros masculinos, em especial a vasectomia. “Como os homens assumem um papel de fecundadores de plantão, sentem-se temerosos de não poder, uma vez esterilizados, satisfazer no futuro os desejos de maternidade de suas parceiras, eventualmente mais jovens”, nota a professora. Assim, Coleta acredita que, apesar de algumas mudanças ocorridas nos últimos anos, os novos modelos de participação masculina na reprodução e na estruturação da família ainda não estão configurados de maneira desejável. “O que se vê é um processo de experimentação constante, muitas vezes dolorosa, em que homens e suas companheiras tentam compatibilizar valores e expectativas”, conclui a pesquisadora.

E as novas gerações constituem família incluindo em sua agenda de casal a perspectiva da separação e do divórcio. “As relações afetivas são vistas como eventualmente efêmeras”, nota Coleta. Por fim, uma constatação algo desoladora. “Há todo um discurso sobre a importância da mulher no mercado de trabalho, mas a situação dentro de casa não mudou e a pergunta que nos guiou ao longo da pesquisa era: ‘As mulheres estão participando mais da produção, mas os homens estão participando mais da reprodução?'”, questiona Coleta. Apesar das muitas mudanças e avanços, para a maioria dos homens, pai é pai, mãe é mãe.

Maria Coleta Ferreira Albino de Oliveira é graduada em Ciências Políticas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Fez o mestrado e o doutorado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É professora no Departamento de Antropologia da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Estudos de População dessa universidade.

Projeto
Os Homens, esses Desconhecidos: Masculinidade e Reprodução
Investimento : R$ 19.901,00

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