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Carlos Zarattini

Transformar o conhecimento em políticas públicas

O deputado estadual Carlos Zarattini é o coordenador das áreas de Ciência, Tecnologia e Comunicação do Fórum São Paulo Século 21, organizado pela Assembléia Legislativa do Estado. Preparou cuidadosamente os trabalhos do grupo encarregado dessas áreas. Um conselho formado por 20 pessoas, incluindo representantes das universidades e dos institutos de pesquisa de São Paulo, de cientistas e de empresas, discutiu profundamente como tematizar a questão, antes do próprio início dos debates. Os resultados foram muito bons, afirma.

Zarattini não chegou a fazer uma exposição durante os debates. O texto destas páginas, resumindo suas idéias sobre a situação da ciência e tecnologia no Estado, foi produzido especialmente para a revista Pesquisa FAPESP. Defensor dos investimentos em pesquisa científica e tecnológica, acha importante a sociedade entender que essas aplicações são decisivas para o futuro.?Muitas vezes, não se obtêm resultados em um ano ou dois?, explica,?mas, dado o passo, certamente eles vão aparecer?.

Formado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e técnico em transporte público da Companhia do Metropolitano de São Paulo, Zarattini elegeu-se deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 1998. Antes, foi suplente de vereador na Capital, entre 1992 e 1996, e participou das políticas estudantil e sindical, ocupando, inclusive, o cargo de secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

O Fórum São Paulo Século 21 foi criado, em 1999, com o objetivo principal de estabelecer um diálogo entre a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e os diversos setores da sociedade. A partir desse encontro, o Legislativo quer discutir um projeto capaz de fazer com que São Paulo se mantenha no rumo do desenvolvimento e esteja à sua frente, aumentando a qualidade de vida da população do estado e melhorando as condições de produção.

O fórum e esta reflexão só estarão terminados no fim deste ano. Mas o que se conseguiu até agora já é muito importante. Surgiram novas propostas. Foram dados subsídios para que tanto o Executivo como o Legislativo apresentem novos projetos. No caso específico da Comissão de Ciência e Tecnologia, a Assembléia tem agora um conhecimento muito melhor do que representa e como se constitui esse sistema no estado. Principalmente, são visualizadas de maneira mais ampla as perspectivas de que esse sistema leve a indústria, a agricultura, os serviços de São Paulo a se desenvolverem mais e aumentarem o bem-estar de seus habitantes.

Muitos problemas ainda têm que ser enfrentados. Entre eles, os problemas financeiros das universidades públicas do estado, que não estão ainda resolvidos, nem equacionados. As universidades não conseguem mais reter seus professores. Eles saem, em muitos casos aposentados, para ganhar mais em outros lugares. O número de profissionais que deixa as universidades públicas atingiu dimensões muito grandes. Não é só isso. Há a questão do grande volume de aposentadorias, que pesa de forma significativa nos orçamentos das universidades.

Há o problema dos hospitais universitários, que atendem a população e não são devidamente ressarcidos pelo SUS. São assuntos para os quais é necessário apresentar soluções. Precisam ser resolvidos para que as universidades públicas paulistas não sofram do mesmo mal que acomete as universidades federais. Nelas, qualquer coisa se torna difícil, pois nenhum tipo de recurso está garantido. Elas dependem, para funcionar, de verbas e da execução orçamentária do Ministério da Fazenda. Não se pode deixar que as três universidades públicas paulistas tenham o mesmo problema.

Quanto aos institutos, eles claramente precisam de maiores investimentos. Os institutos poderiam ser bem melhor aproveitados do que ocorre hoje. Alguns estão em situação bastante difícil. Outros estão um pouco melhor. Mas todos enfrentam o problema de que é preciso melhorar a remuneração de sua mão-de-obra. Ao lado disso, existe a questão de situar qual é o papel dos institutos. O governo não definiu isso claramente. É preciso determinar como eles serão interligados com a produção, com setores do desenvolvimento e da economia.

As universidades públicas devem também ser racionalizadas e democratizadas. Da maneira como é montado, o sistema universitário público de São Paulo sofre da falta de uma dinâmica muitas vezes necessária. E não se pode esquecer também,as universidades particulares. Elas vêm tendo um crescimento explosivo. Está na hora de exigir que elas também façam investimentos em pesquisa científica. Essa deve ser uma cobrança da sociedade. É preciso criar condições para que a expansão dessas universidades leve a uma qualidade comparável à das universidades públicas.

Apesar de todas essas dificuldades, São Paulo tem o sistema de ciência e tecnologia mais avançado do país. Mas não tem ainda algo necessário para dar o grande salto. Trata-se da participação da empresa privada na pesquisa científica e, principalmente, no desenvolvimento tecnológico. Essa é a grande questão que ainda está por ser resolvida. Ainda não está claro de que forma esse salto vai ocorrer.

Particularmente, creio que o governo estadual pode ter um papel decisivo nesse assunto. Ele pode determinar quais são suas prioridades e, por meio de suas empresas e de iniciativas governamentais, incentivar as empresas privadas a desenvolver pesquisas sobre questões básicas para a qualidade de vida da população. Em outros países, especialmente nos Estados Unidos, existem políticas nesse sentido. As Forças Armadas dos Estados Unidos e a NASA estimulam empresas privadas a resolver questões relacionadas com a defesa e o programa espacial. Uma boa parte do desenvolvimento científico norte-americano saiu dessa base.

Os problemas de São Paulo são outros. Mas pesquisas sobre algumas questões fundamentais para a população paulista poderiam ser incentivadas dessa forma. Há o exemplo do lixo, do saneamento básico. São Paulo tem problemas gravíssimos nessa área, especialmente nas regiões metropolitanas da capital, de Santos e de Campinas. As condições são dramáticas. Novas técnicas são necessárias. As que existem hoje não resolvem mais os problemas.

O governo estadual poderia agir, por exemplo, garantindo a compra, por intermédio de suas empresas, de um produto após seu desenvolvimento. Poderia trabalhar, também, por meio de incentivos fiscais e de crédito. Uma empresa que realiza um investimento para desenvolver um novo produto não pode pagar a mesma taxa de juros e o mesmo nível de impostos de quem não faz nada e simplesmente compra uma patente estrangeira.

Muitas vezes se avalia que uma nova tecnologia, ao ser incorporada a um sistema de produção, leva ao desemprego. Esse debate vem sendo mal colocado. É verdade que novas tecnologias, muitas vezes, levam ao desemprego numa área específica. Mas, se o Brasil desenvolver inteiramente novas tecnologias, estará gerando mais e melhores empregos. Hoje, até projetos de edifícios são feitos fora do país. O que o Brasil compra de projetos e patentes no exterior é gerador de desemprego na sua população. Qual a solução? É ter dentro do país um sistema de pesquisa e desenvolvimento capaz de criar novos tipos de emprego, de maior qualificação.

Não se trata de um problema de tecnologia versus emprego. A questão é de como o Brasil se inseriu  na chamada globalização e no sistema produtivo mundial. Até agora, o país se inseriu de maneira subordinada. O Brasil está mais a reboque do que na dianteira. Aliás, bem a reboque.

Um grande desafio é o que universidades e institutos podem fazer para diminuir a desigualdade social. O número de pesquisas é bastante grande. Mas o retorno em termos de democracia social tem sido pequeno. A desigualdade social no Brasil não está diminuindo. Pelo contrário, está aumentando. Um dos objetivos da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico deve ser evitar que isso ocorra. O país, hoje, não tem autonomia do ponto de vista tecnológico. Não consegue crescer e ao mesmo tempo diminuir as desigualdades de renda de sua população. É preciso inverter isso. A solução não está somente no desenvolvimento científico e tecnológico. Mas passa por ele.

Evidentemente, tudo o que se fala e discute no fórum se transforma numa discussão política. Com certeza, o que se discute no fórum chegará à sociedade por meio do debate político. É necessário aproveitar o conhecimento acadêmico e transformá-lo em políticas públicas.

Não é possível conceber qualquer tipo de crescimento, no Brasil ou em qualquer outro lugar, sem grandes investimentos em ciência e tecnologia. No Brasil, esse investimento ainda é muito pequeno. Não existe ainda uma consciência de como é necessária a autonomia nesse campo. O país tem um número enorme de necessidades, de problemas. O patrimônio intelectual brasileiro tem condições de resolvê- los. Mas é preciso organizar o sistema de ciência e tecnologia. Sem investir nessa área, será muito difícil avançar.

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