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Obituário

Um organizador da pesquisa em engenharia no Brasil

Fundador da Coppe/UFRJ, Alberto Coimbra destacou-se pela criação de cursos de pós-graduação

Um curso de mestrado em engenharia química feito nos Estados Unidos, entre 1947 e 1949, e a percepção de como funcionava o sistema superior de ensino norte-americano, em 1960, levaram o engenheiro carioca Alberto Luiz Galvão Coimbra a dar uma importante contribuição para a pós-graduação brasileira. Em 1963 ele criou o primeiro curso de mestrado em engenharia química do país na então Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ). O modelo era, até então, inovador: centrado na pesquisa científica, com professores bem remunerados trabalhando em tempo integral com dedicação exclusiva. No mesmo ano fundou a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe), que viria a se tornar um dos maiores centros de ensino e pesquisa em engenharia da América Latina. O engenheiro, professor e pesquisador morreu no dia 16 de maio, aos 94 anos, no Rio de Janeiro.

Aos 23 anos, em 1946, Alberto Coimbra começou a cursar química industrial na Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil. Na época ainda não havia no Rio o curso de graduação em engenharia química, que ele gostaria de fazer, só criado em 1953 na mesma escola. Por indicação do professor de química orgânica Athos da Silveira Ramos (1906-2002), Coimbra foi enviado para fazer um mestrado no exterior com uma bolsa do Institute for Brazilian Studies, ligado ao Departamento de Sociologia da Universidade Vanderbilt, em 1947. O pai, comerciante, complementava a pequena bolsa, segundo contou Terezinha Costa no livro Tradição e Vanguarda – Memórias do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da Coppe (Cooppe, 2004).

Em 1949, Coimbra voltou ao Brasil com o título de mestre em ciências. “Revalidei meu diploma de química industrial para engenharia química”, contou ele em depoimento em vídeo concedido em 2015 à Coppe. Começou a dar aulas na Escola Nacional de Química, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e em um curso de refinação de petróleo da Petrobras. Também mantinha um escritório em que tocava alguns projetos e dava consultoria a empresas. Em 1960, retornou por três meses aos Estados Unidos e visitou instituições que ofereciam os cursos mais avançados de engenharia química na Califórnia, no Minnesota e em Massachusetts. Notou que havia uma estreita ligação entre universidade e empresa, que ele associou a uma das razões do desenvolvimento econômico norte-americano.

Na volta ao Brasil preparou o projeto do curso de mestrado na Escola Nacional de Química (hoje Escola de Química da UFRJ), iniciado em março de 1963, com oito alunos. No mesmo ano criou a Coppe, que em 1995 passou a se chamar, em sua homenagem, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, mantendo a sigla original. “Naquela época engenheiro não pesquisava no Brasil”, contou Coimbra no depoimento de 2015. “As pesquisas científicas eram feitas por biólogos, físicos, matemáticos…” Ele adotou o regime de dedicação exclusiva em tempo integral para professores, de modo que todos dessem aulas e fizessem pesquisa. “A inspiração de Coimbra veio do sistema de pós-graduação norte-americano, que já combinava ensino e pesquisa havia muito tempo”, conta o físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Internacionais e professor de planejamento energético da instituição.

Atualmente, a Coppe tem 13 programas de pós-graduação nas mais diversas áreas da engenharia, dos quais 11 foram concebidos por Coimbra. Para fazer o instituto funcionar como planejou, ele buscou apoio financeiro de instituições e agências dos Estados Unidos, da Europa e da hoje extinta União Soviética. “As fundações Ford e Fullbright e a OEA [Organização dos Estados Americanos] ajudaram”, disse o engenheiro em seu depoimento. O coordenador do Departamento de Química na Universidade de Houston, Frank Tiller (1917-2006), facilitou seu acesso a instituições norte-americanas para contratar professores e financiar o mestrado de estudantes brasileiros nos Estados Unidos. Nos primórdios, a Coppe tinha apenas uma secretária, dois professores norte-americanos, três brasileiros e oito alunos distribuídos em duas pequenas salas no campus da Praia Vermelha.

Coimbra também enfrentou problemas com o regime militar (1964-1985), em parte por ter contratado pesquisadores russos para dar cursos e professores brasileiros perseguidos. Chegou a ser preso e impedido de dar aulas na UFRJ entre 1973 e 1984. Para sobreviver, prestou consultoria para empresas e para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

“Muitas das medidas preconizadas por Coimbra acabaram sendo utilizadas na regulamentação do ensino superior no Brasil”, explica o historiador da ciência Gildo Magalhães dos Santos Filho, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). De acordo com ele, desde a criação da USP, em 1934, e também em outras instituições, já existiam alguns doutorados – mas não mestrados – em engenharia. No entanto, não havia uniformidade nas exigências dos cursos nem a definição das linhas de pesquisa formando os programas, como atualmente. “A situação só mudou depois que o Conselho Federal de Educação passou a regulamentar, em 1965, os cursos de pós-graduação, que então passaram a ter a estrutura atual de créditos, com bancas de defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado”, conta Magalhães.

Com trabalhos científicos em mecânica dos meios contínuos, uma área da engenharia que envolve o movimento e a deformação dos corpos, Coimbra destacou-se por ter implantado uma forma de organização da pesquisa em engenharia no Brasil. “Ele era um organizador, um agregador, com uma capacidade extraordinária de atrair pesquisadores para a Coppe e articular novos programas de pós-graduação”, afirma Pinguelli.

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