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Astrofísica

Um quarto das estrelas como o Sol deve ter “engolido” seus planetas

A conclusão é de estudo com participação de um pesquisador da USP que analisou a composição química de mais 100 sistemas formados por duas estrelas similares ao Sol

16 Cygni, um dos mais de cem sistemas formados por duas estrelas similares ao Sol que foram analisados no artigo

https://archive.stsci.edu

Um grupo internacional de astrofísicos, com a participação de Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), encontrou indícios de que um quarto das estrelas semelhantes ao Sol pode ter evoluído em um ambiente caótico e “engolido” seus planetas. Se estiver correta, a hipótese será importante para entender a dificuldade em encontrar mundos como a Terra e conjuntos planetários similares ao Sistema Solar. Os pesquisadores analisaram a composição química de mais de 100 sistemas estelares binários, formados por duas estrelas muito parecidas entre si (quase gêmeas) e do mesmo tipo do Sol, e encontraram uma assinatura química que sugere a canibalização de planetas.

Nesses sistemas, as duas estrelas, que orbitam em torno de um centro comum de gravidade, são quase sempre constituídas dos mesmos elementos químicos na proporção equivalente. Esse é o padrão, pois ambas as estrelas se originaram da mesma nuvem espacial de poeira e gás. Mas, em um quarto dos sistemas binários analisados pelos pesquisadores, uma das estrelas apresenta uma composição diferente de sua parceira. “Ela tem quantidades maiores de lítio e de ferro em relação a sua estrela companheira”, comenta Meléndez, coautor de estudo publicado sobre o tema nesta segunda-feira (30/8) na Nature Astronomy, cuja pesquisa sobre gêmeas solares é financiada pela FAPESP.

A origem desse excesso de ferro e, sobretudo, de lítio não pode ter sido as nuvens originais que formaram as estrelas dos sistemas binários. O lítio se encontra em baixíssimas quantidades em estrelas do tipo solar. Mas planetas rochosos, como a Terra, ou mesmo o núcleo de planetas gigantes gasosos, como Júpiter, são ricos em lítio. Segundo os astrofísicos, a melhor explicação para a presença excessiva do elemento na composição de uma estrela é o despedaçamento de planetas que um dia orbitaram no seu entorno. “O lítio se preserva mesmo durante a destruição de planetas e deve ter sido capturado por uma das estrelas desses sistemas binários”, comenta Meléndez.

Não é a primeira vez que essa discrepância na composição química de duas estrelas companheiras é flagrada. O próprio astrofísico da USP e seus colaboradores já tinham registrado a anomalia, além de outros grupos de pesquisa. A diferença é que, agora, a amostra de estrelas estudada é a maior em que esse fenômeno foi visto. Os autores do estudo observaram 31 sistemas binários (62 estrelas) com o espectrógrafo Harps, um instrumento dedicado à procura de exoplanetas instalado no Observatório La Silla, no Chile, que é administrado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO). As informações sobre os demais sistemas vieram da análise da literatura científica.

Para o astrofísico italiano Lorenzo Spina, que faz estágio de pós-doutorado no Observatório Astronômico de Padova (Itália) e é o principal autor do artigo, o trabalho abre a possibilidade de usar a análise química de estrelas para identificar aquelas que são as mais prováveis de hospedar conjuntos planetários análogos ao sistema solar. “Existem milhões de estrelas próximas semelhantes ao Sol, mas, sem um método para identificar os alvos mais promissores, a busca pela Terra 2.0 é como procurar agulha em palheiro”, disse em entrevista a Pesquisa FAPESP Spina, que fez pós-doutorado com Meléndez entre 2015 e 2017 com bolsa da Fundação.

Nos últimos 25 anos, cerca de 3.500 sistemas planetários e quase 5 mil planetas foram descobertos. Mas a arquitetura desses sistemas é muito diversa. “É provável que, nos sistemas mais dinâmicos, parte do material planetário possa ter caído na estrela hospedeira. No entanto, ainda é desconhecida a frequência desses sistemas caóticos em relação a outros ambientes silenciosos semelhantes ao nosso Sistema Solar, cuja arquitetura ordenada certamente favoreceu o florescimento da vida na Terra”, comenta Spina. “Nossa pesquisa aborda essa questão e indica que, pelo menos, um quarto dos sistemas planetários que orbitam estrelas semelhantes ao Sol passaou por uma evolução muito caótica e dinâmica.”

Projeto
Espectroscopia de alta precisão: Das primeiras estrelas aos planetas (nº 18/04055-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Jorge Meléndez (USP); Investimento R$ 3.219.049,95.

Artigo científico
SPINA, L. et al. Chemical evidence for planetary ingestion in a quarter of Sun-like stars. Nature Astronomy. 30 ago. 2021.

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