Foi-se o tempo em que digitar uma senha ou encostar o dedo no sensor de leitura de impressão digital integrado aos aparelhos de smartphone eram as únicas maneiras de desbloqueá-los e acessar seu conteúdo. Hoje, os últimos modelos já contam com sistemas de reconhecimento facial. Essa tecnologia biométrica, também usada no controle de acesso a instalações, check-in de companhias aéreas, processos de investigação criminal e transações comerciais, vem se popularizando rapidamente à medida que empresas de diferentes segmentos se dão conta de suas múltiplas formas de aplicação. O mercado global de biometria facial deve alcançar US$ 9,8 bilhões em 2023, mais que o dobro do ano passado, segundo a consultoria norte-americana Research and Markets.
“A biometria facial busca reconhecer as pessoas pelas características intrínsecas de seu rosto”, explica o cientista da computação Tiago de Freitas Pereira, pesquisador da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) e do Instituto de Pesquisa Idiap, ambos na Suíça. Trata-se de um entre vários sistemas biométricos existentes (ver Pesquisa Fapesp no 255). “Embora nós, humanos, sejamos capazes de reconhecer essas características sem esforço, a tarefa de definir um conjunto de regras e implementá-las em um sistema de computador para fazê-lo de maneira automática e sem erros não é tão simples”, ressalta o engenheiro eletricista José Mario De Martino, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Laboratório de Visualização Científica Galileu da instituição.
O primeiro passo para desenvolver o sistema é elaborar um algoritmo capaz de identificar as características discriminantes da face, os chamados pontos nodais, como a distância entre os olhos, a largura do nariz, o tamanho do queixo e a linha da mandíbula. Em seguida, é preciso estabelecer um método para mapear esses pontos nas imagens, e outro para classificá-los e compará-los. “A partir de uma imagem estática ou em vídeo capturada por uma câmera, o sistema detecta a face e mapeia seus pontos nodais”, esclarece a engenheira elétrica Olga Regina Bellon, professora do Departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em seguida, explica a pesquisadora, que também coordena o Grupo Imago de Pesquisa em Visão Computacional, Computação Gráfica e Processamento de Imagens da UFPR, é construída uma representação matemática das características do rosto e gerado um código biométrico, espécie de assinatura facial única, que fica armazenado em um banco de dados. No futuro, sempre que a pessoa for submetida ao sistema de reconhecimento facial será gerada uma sequência numérica digital de seu rosto para ser comparada ao código arquivado.
Reconhecendo vestibulandos
O uso dessa tecnologia tem crescido no mundo todo, inclusive no Brasil. A Fuvest, responsável pelo vestibular de universidades como a de São Paulo (USP), vai usar o reconhecimento facial no processo seletivo de 2019 a fim de aumentar a segurança do exame e agilizar a identificação dos candidatos. A ideia é que o sistema substitua a coleta da impressão digital feita em papel e complemente o uso do documento oficial e a assinatura do indivíduo. O reconhecimento deverá se basear nas fotos que os candidatos enviam no ato de inscrição e que ficam armazenadas no banco de dados da Fuvest. No dia da avaliação, o sistema poderá confrontar o rosto dos vestibulandos com os dados armazenados.
O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) também decidiu adotar a tecnologia para elevar a segurança de transações comerciais e evitar fraudes. Em julho, lançou o sistema SPC Reconhecimento Facial, que pretende auxiliar lojistas a confirmarem a identidade de consumidores e garantir a lisura na concessão de crédito. Uma webcam instalada no estabelecimento captura o rosto do cliente e envia os dados ao sistema de reconhecimento facial do SPC, que faz a comparação com informações previamente armazenadas. O objetivo é que o sistema seja alimentado de modo colaborativo por varejistas ou instituições ligadas ao SPC Brasil e venha a se somar a outras ferramentas de validação de crédito. A expectativa é de que 3 milhões de faces sejam cadastradas no primeiro ano de operação do sistema.
Há no mercado dois tipos de tecnologias de reconhecimento facial, a bidimensional e a tridimensional. A maior parte dos sistemas utilizados no país baseia-se no reconhecimento 2D, método que leva em conta apenas a altura e a largura da face no processo de identificação e medição dos pontos nodais. “Os sistemas bidimensionais mapeiam a variação de distância entre esses pontos comuns”, informa o engenheiro da computação Luciano Silva, professor do Setor de Ciências Exatas da UFPR.
Esse sistema depende da cooperação do indivíduo, que precisa olhar diretamente para a câmera para que ela capture sua imagem, faça o mapeamento dos pontos, gere o código biométrico e realize a comparação adequadamente. Nesses casos, o nível de acurácia pode chegar a 99%. “Um problema é que a biometria facial bidimensional pode sofrer interferência da iluminação do ambiente em que a imagem é capturada”, destaca Olga Bellon, da UFPR. “Qualquer distorção, como sombreamento ou variação na posição do rosto, pode comprometer a análise”, completa a pesquisadora.
Além disso, esses sistemas de reconhecimento facial podem ser facilmente iludidos por meio dos chamados spoofing attacks, que consistem na apresentação de amostras biométricas falsas, como máscaras ou fotos, ao sensor de reconhecimento. No final do ano passado, uma empresa vietnamita conseguiu enganar o sistema do iPhone X, da Apple, ao usar uma máscara que simulava as feições do usuário original.
Os sistemas tridimensionais, por sua vez, são mais sofisticados. “Além de mapear informações do rosto em duas dimensões [altura e largura], também captam dados relativos à profundidade dos elementos da face. Esse tipo de captura consegue descrever de forma mais precisa toda a geometria facial”, explica Martino, da Unicamp.
A japonesa NEC é uma das principais fornecedoras da tecnologia no mundo. A empresa desenvolveu o Neoface, sistema de biometria facial tridimensional usado pela Receita Federal em 14 aeroportos brasileiros para o reconhecimento de passageiros de voos internacionais. Implantada em 2016, a tecnologia tem ajudado a identificar foragidos da polícia e suspeitos de contrabando e tráfico de drogas.