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Urbanismo

Uma cidade para todos

Projeto cria kit para ajudar a população a entender e manejar a legislação urbanística

PAULO VON POSERCabe à população cuidar da cidade, ajudar a planejá-la, escolher para onde ela deve caminhar. Mas fica difícil tomar qualquer tipo de iniciativa num emaranhado de termos, como “operação urbana consorciada”, “direito de preempção”, “outorga onerosa do direito de construir” ou “edificação compulsória”. Até o conceito de Plano Diretor, tão comentado hoje em dia, é incompreensível para a maioria das pessoas. Para ajudar a democratizar a linguagem urbanística, complicada até para quem tem contato com ela, e torná-la acessível à comunidade, a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp), em parceria com o Instituto Pólis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais), criou o Kit das Cidades. Nele há até um jogo de RPG (role playing game, na sigla em inglês) que simula conflitos de interesses em cidades.

Financiado no âmbito do Programa de Políticas Públicas da FAPESP, o projeto nasceu de uma pesquisa do Pólis, uma organização não-governamental (ONG), e da PUCCamp, que buscava elaborar um programa de capacitação para pessoas que lidassem com legislação urbanística. “O público-alvo do projeto abrange técnicos de prefeituras, membros de movimentos de moradia, associações de moradores de bairro, mercado imobiliário, operadores de direito, urbanistas e universitários, entre outros”, conta Paula Santoro, arquiteta e urbanista do Pólis.

Em 2001, o Estatuto da Cidade foi aprovado pelo Congresso Nacional e a regulamentação urbanística entrou na ordem do dia. “Os municípios sempre tiveram a necessidade de conhecer as leis e entender para que elas servem, mas com a aprovação do estatuto, o projeto assumiu nova direção e ganhou novos apoios e parcerias, como do Lincoln Institute of Land Policy e da Caixa Econômica Federal, que ajudaram a tornar viável a produção do kit com vários produtos que não estavam inicialmente previstos”, conta a professora Raquel Rolnik, coordenadora do projeto.

Com a lei federal, a participação do público é obrigatória em vários processos de elaboração, implementação e revisão de leis urbanísticas e, com o estatuto em vigor, mais do que um programa de capacitação, o projeto do Pólis e da PUCCamp virou um instrumento de divulgação. O Estatuto da Cidade dá as diretrizes da política urbana do país, nos níveis federal, estadual e municipal, e cria uma nova concepção de planejamento do território. Nele estão presentes uma série de princípios sobre conceitos de cidade e gestão urbana e outro número de instrumentos para se alcançar esses princípios.

As inovações da lei estão em diversos campos, conta a arquiteta Paula Santoro. Ela possui instrumentos que podem induzir as formas de uso e de ocupação do solo; ao invés de simplesmente normatizar, delega para os municípios a definição do que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade, estabelece uma nova estratégia de gestão que incorpora a ideia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade e de parcerias para o desenvolvimento urbano. É mais fácil conhecer todas essas novidades por meio da elaboração de um Plano Diretor, que deverá convocar a população para pensar uma cidade melhor para todos. “A ideia é chegarmos a uma cidade em que todos caibam”, explica Raquel Rolnik.

Plano Diretor, ensinam os urbanistas do Pólis, é a lei que define “a cidade que queremos”. Para chegar lá, é necessária a definição de três pontos: a destinação dos investimentos; a regulação, ou seja, todas as leis e normas, que determinam o zoneamento e o parcelamento, entre outros; e a gestão, que significa como a comunidade vai se organizar. Pelas regras do estatuto, toda cidade com mais de 20 mil habitantes, ou que faz parte de regiões metropolitanas, turísticas, ou ainda as que têm grandes obras que são capazes de colocar em risco o meio ambiente ou mudar demais a região, terá obrigatoriamente de elaborar seu Plano Diretor, num prazo máximo de cinco anos.

A maioria das cidades de São Paulo já tem o seu. Em 1997, esse mesmo grupo de arquitetos fez uma pesquisa sobre o impacto da aplicação de novos instrumentos urbanísticos em cidades do Estado de São Paulo. Ou seja, eles queriam saber quem tinha e quem não tinha Plano Diretor. Descobriram que 80% das cidades tinham alguma espécie de regulação, como Lei de Parcelamento e Código de Obras. E 65% delas tinham Plano Diretor. “O problema não é a falta de plano, mas que plano”, diz Raquel.

Numa primeira fase do projeto de capacitação de agentes, foram feitas parcerias com três cidades do Estado – Limeira, Guarulhos e Caraguatatuba – para a elaboração e o desenvolvimento dos instrumentos de comunicação. A escolha dos municípios foi feita por proximidade com as instituições envolvidas e por serem representativas de diferentes situações urbanas presentes no Estado de São Paulo.

Cidades escolhidas, o grupo partiu para identificar as pessoas que estavam envolvidas com legislação nesses municípios. Assessores de comunicação, produtores de vídeo, publicitários e até uma criadora de jogos, entre outros, foram consultados para discutir qual produto de comunicação deveria ser desenvolvido, para qual público e em que momento. As consultorias modificaram os instrumentos de comunicação e todo o projeto anterior foi mudado. Esses profissionais, em conjunto com os autores do projeto, ajudaram a elaborar um guia do Estatuto da Cidade, um vídeo, um curso a distância em CD-ROM, um jogo, um Banco de Experiências e vinhetas de rádio. “Entendemos que nenhum meio de comunicação funciona sozinho”, analisa o urbanista Renato Cymbalista, também do Instituto Pólis.

Simulação de negociação
O Jogo do Estatuto da Cidade, nos moldes do RPG, é uma simulação de uma mesade negociação envolvendo diversos personagens de uma determinada localidade. Há três cidades “quase-imaginárias”, baseadas em histórias verídicas, mas com informações e personagens fictícios. Para atuar nessas cidades, cada participante assume um papel. Os jogadores devem usar os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades para negociar e resolver as questões.

Um dos objetivos do jogo é o exercício de alteridade. Diferentes agentes da comunidade trocam de papel, entendem melhor como e por que o outro pensa de determinada forma e aprendem a negociar. O outro ponto importante é que discutindo os conflitos com base no estatuto, eles se familiarizam com a lei federal. Os pesquisadores já apresentaram o RPG em diversas ocasiões e para públicos diferentes. Os resultados têm sido ótimos, relatam. Os jogadores incorporam os personagens, falam com sotaque. “Já vi até representantes de movimentos de moradia sofrerem para representar o papel de um empresário, por exemplo”, afirma Paula Santoro.

O Jogo da Cidade deve ser o último instrumento do Kit da Cidade a ser utilizado. Serve também como avaliador, para os orientadores observarem se o estatuto foi absorvido. O primeiro instrumento de comunicação do kit a ser usado deve ser o vídeo, que tem um impacto emocional, sem pretensões didáticas, e é usado para atrair o interesse do público. O CD com vinhetas de rádio é um apoio à implantação do Plano Diretor, mas trata de questões genéricas. A cartilha usa uma linguagem popular, tratando o estatuto a partir dos problemas da cidade. Há também o Banco de Experiências, com iniciativas de política urbana que já estão sendo utilizadas por alguns municípios.

kit é gratuito e está sendo requisitado por cidades de todo o país. Ele só é fornecido a pessoas jurídicas (universidades, ONGs, prefeituras, escolas, associações de moradores, movimentos populares). Atualmente, o grupo de urbanistas está concentrado na divulgação do material e na realização de oficinas para multiplicadores desse conteúdo em todo o Brasil. Também criaram um site (www.estatutodacidade.com.br) que conterá todo o material e será um local de encontro para troca de experiências.

O projeto
Programa de capacitação de agentes públicos e sociais para a formulação de políticas locais de regulação urbanística (nº 98/14180-9); Modalidade Programa de Políticas Públicas; Instituição Parceira Instituto Pólis; Coordenadora Raquel Rolnik – PUCCamp; Investimento R$ 146.444,78

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