Imprimir PDF Republicar

Projeto Temático

Uma contribuição para a construção de túneis em São Paulo

Os solos nunca são iguais e os engenheiros sabem disso. Quando eles são solicitados pelo peso de uma edificação ou por uma escavação que neles se faça, surgem deformações, cujas magnitudes dependem do tipo de solo. Conhecer como eles respondem às variações de tensões devidas a escavações é de fundamental importância para o projeto de túneis seguros e econômicos.

O desenvolvimento da engenharia nesse setor, segundo os especialistas, se faz por avanços sucessivos em três vertentes: na experiência resultante do acompanhamento de obras anteriores, no aprimoramento de modelos representativos do comportamento dos solos, e na obtenção de dados correspondentes a cada tipo de solo, seja pela síntese de resultados de ensaios disponíveis, seja pelo desenvolvimento de tecnologias de ensaio para obtenção de parâmetros de cada tipo de solo.

Estudos realizados no Laboratório de Mecânica do Solo do Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações da Escola Politécnica da USP, dentro do projeto temático Escavações em São Paulo: Parâmetros Geotécnicos e Métodos de Análise de Escavações Subterrâneas e a Céu Aberto, segundo as três vertentes acima referidas, resultaram em uma importante contribuição para o projeto de obras desta natureza na cidade de São Paulo. Uma reanálise de todos os dados de laboratório referentes a solos da região da Grande São Paulo foi efetuada e divulgada, um modelo de comportamento dos solos foi desenvolvido, e comprovado experimentalmente, e um equipamento de ensaio in situ foi implantado.

“Quanto maior o conhecimento do comportamento de cada tipo de solo, perante as solicitações a que ele é submetido numa obra, o projeto torna-se mais econômico, com a mesma segurança”, diz o professor Carlos de Souza Pinto, coordenador do projeto, junto com os professores Faiçal Massad e Roberto Kochen, todos da Politécnica da USP. E ele acrescenta: “Quando se faz uma escavação, todo o solo em volta sofre alívio ou aumento de tensões, do que resultam deformações. O modelo matemático desenvolvido leva em conta as diferentes trajetórias de tensões e os módulos característicos de cada solo, para cada tipo de solicitação”. Desta forma, os pesquisadores desenvolveram uma nova metodologia para a análise de tensões e deformações que pode ser empregada em projetos de escavações, já incorporada aos cursos de pós-graduação da Escola Politécnica da USP e divulgada aos meio técnico nacional.

Novo equipamento
Para os pesquisadores atingirem os objetivos do projeto temático, foi providenciada a aquisição e a colocação em operação de um equipamento chamado Camkometer, ou Pressiômetro de Alta-Furação, desenvolvido na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e que permite a obtenção de dados mais precisos do terreno da obra, a partir de ensaio em que o solo se encontra no seu estado natural.

Tradicionalmente, esses dados são obtidos por meio de ensaios de laboratório, em amostras que são afetadas pelos efeitos mecânicos da própria amostragem e pelo alívio das tensões a que estava submetido.

“Esse novo aparelho surge como uma ferramenta mais avançada para a obtenção de parâmetros mais representativos do diversificado solo de São Paulo”, assinala Carlos de Souza Pinto, explicando que, no município, existem dois tipos de solo, o sedimentar e o residual, que apresentam grande variabilidade de comportamento. “Esses solos, geralmente, são muito heterogêneos, apresentam acentuada variação de comportamento mecânico, conforme a posição ou a profundidade. O Cankometer é insubstituível para a determinação do estado de tensões in situ.

O Camkometer já foi usado nas obras do conjunto viário Ayrton Senna e no projeto de um túnel da avenida Francisco Morato, onde passará a Linha 4 do metrô paulistano. A obra do novo túnel será realizada em um terreno de alteração de gnaisse, um solo em que as características de deformação e de resistência depende do grau de decomposição. O aparelho também foi utilizado em um novo túnel do sistema de abastecimento de água de São Paulo, no município de Salesópolis.

“Ainda para este ano, está programado o uso do Camkometer no projeto da linha 5 do metrô, que vai ligar os bairros de Santo Amaro e Capão Redondo”, informa o coordenador da pesquisa. O aparelho, que custou US$ 50 mil, foi totalmente financiado pela FAPESP, que despendeu US$ 150 mil durante os quatro anos da pesquisa. Agora, o Camkometer é de propriedade da USP e poderá ser usado por qualquer empresa pública ou privada que pague os custos da operação.

O Camkometer é um tubo com 83 milímetros de diâmetro, um metro de comprimento, tendo, na extremidade, uma sapata de escavação muito delgada. Ele é cravado no solo até a profundidade do ponto a ser estudado, podendo atingir 30 metros. Por ser delgado, os efeitos de escavação são minimizados, impedindo o deslocamento lateral de terra.

No corpo desse tubo existe uma membrana de borracha que, quando inflada, permite determinar o estado de tensão, a deformabilidade e a resistência e do solo. Além disso, os sensores do aparelho, que transmitem as informações por meio de cabos até a superfície, medem a pressão de água devida ao carregamento e a sua dissipação no decorrer do tempo, com o que a permeabilidade do solo pode ser estimada. Esta informação é importante para a previsão das medidas de drenagem a serem adotadas durante a construção dos túneis.

O solo em livros
Essa pesquisa, que resultou em uma tese de doutorado e quatro de mestrado, começou com um trabalho bibliográfico de grande importância para os profissionais da área. Foram reunidos, em dois livros, os dados disponíveis sobre o comportamento do solo na região da Grande São Paulo e no interior do Estado. “Foram coletadas informações no IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas, na Escola Politécnica, no Laboratório da CESP e em várias empresas, bem como os dados disponíveis da Cia. do Metrô de São Paulo”, informa o professor Carlos. “Levantamos os parâmetros representativos da permeabilidade, da deformabilidade e da resistência de todos os tipos de solo encontrados em São Paulo e os correlacionamos com dados de classificação. Com isto, o engenheiro pode estimar parâmetros para projetos, mesmo quando não dispõe da possibilidade de fazer investigações mais aprofundadas em cada caso. Tais correlações têm sido muito úteis e são empregadas não só para o projeto dos túneis do metrô, como para projetos de fundações ou escoramentos feitos por empresas de consultoria”.

Os dois livros resultantes da pesquisa foram editados pela Associação Brasileira de Mecânica do Solo e pela Associação Brasileira de Engenharia de Fundações e Serviços Geotécnicos e já estão à disposição dos engenheiros civis.

Republicar